quinta-feira, 21 de setembro de 2017

[AÇÃO GAMES 009] ROAD RASH (Mega Drive, 1991) [#078]



Certamente você já ouviu falar de um dos jogos de corrida quintessenciais dos anos 90: Road Rash. Quer dizer, quem não, né?

Hoje parece impensável, pornográfico até, um mundo em que esse jogo simplesmente não exista. Afinal a ideia de pegar uma moto e sair descendo o cacete em outros motoqueiros em corridas ilegais é uma ideia com "videogame" estampado na cara, não? Quer dizer, hoje nós temos séries de "corridas underground" como Burnout, Need for Speed e Velozes e Furiosos (como assim Velozes e Furiosos não é um spin off de Need for Speed? No meu coração sempre será)

Bem, para sua grande surpresa...não. Road Rash tem uma história de desenvolvimento bastante complicada e por muito pouco toda essa gama de jogos (e o The Rock passando o rodo com uma minigun) nunca realmente existiu. Para saber mais sobre essa história, vem comigo!




Reparem neste nerd com cara de quem
rouba bolacha da vó, Carl Mey será muito
importante para termos The Rock com
uma minigun
Nossa história começa em 1989, quando Carl Mey começou a trabalhar na Eletronic Arts como desenvolvedor de tecnologias. Um dos primeiros trabalhos de Mey foi criar um efeito de pista para jogos de corrida - mais especificamente para o jogo Andretti Racing do Nintendinho. Mey passou algumas noites em claro para escrever um algoritmo que dava uma sensação que as pistas de corrida estavam sendo geradas em velocidade super rápidas mas o efeito que o jogo estava "inventando" a pista na hora - como acontece em Enduro, do Atari.

Em termos relativos, o que Carl criou foi algo que parecia muito visualmente com o efeito de "mundo 3D no qual o piloto apenas desliza", que foi o efeito que consagrou o Mode-7 de Super Mario Kart e F-Zero. Só que ao contrário do chip do Super Nintendo, a idéia de Carl não realmente criava um cenário virtual para o carrinho passear: ele apenas enganava os olhos do jogador a parecer que estava fazendo isso.



O Mode 7 era uma tecnologia que não criava um mundo 3D de verdade no Super Nintendo, porque o aparelho não tinha como, mas fazia gambiarras visuais para dar essa impressão. O que Carl desenvolveu para o jogo de corrida que acabou nunca sendo usado no NES era mais simples ainda, mas mais ou menos dava a sensação também.

Claro que a ideia de Carl era muito complicada para ser utilizada no Nintendinho, mas a EA tinha um uso ideal para sua nova tecnologia. Foi assim que ele acabou sendo alocado em um projeto em desenvolvimento empacado que ia pelo nome de Road Rash - sim, o nome de desenvolvimento era esse mesmo.

Este é Randal Breen. Não deixe se seduzir por seus
olhos de demonio, este homem é o mal! O
maaaaallll!!!
Road Rash era um projeto liderado por Randal Breen, que era um motoqueiro membro da AMA (American Motorcycle Association). Quando a gente pensa em motoqueiros a primeira imagem que vem a mente são gangues selvagens, piratas do asfalto onde e a lei só existe para ser quebrada. A AMA não é bem assim, ela na verdade é um clube de amantes de motociclismo que formam uma comunidade dedicada a fazer o que mais gostam: pegar suas motocas e cruzar estradas. Atualmente a AMA tem mais de 200 mil sócios que organizam atividades e lutam por direitos dos motociclistas

Com efeito, muitos membros da AMA se incomodam com essa ideia no imaginário popular de que motoqueiros são marginais que invadem cidades para saquear as mulheres e estuprar os tesouros; Randal Breen era uma dessas pessoas, e ele não queria nenhuma associação negativa com o jogo que ele estava fazendo para desenvolver a cultura que ele tanto amava.

O que é bom, o que é legal, mas pegar sua moto e enquanto pegar sua moto e sair por aí pode ser uma atividade muito legal, não necessariamente seria para um jogo do Mega Drive em 1991. Enquanto Carl e a equipe trabalhavam em fazer o algoritimo que permitria corridas muito radicais, eles também viam que a coisa toda estava fadada ao fracasso.

Com efeito, Carl e o os outros chamavam o projeto de "Passeio de Domingo de Randy".

Gangue de motoqueiros: EXPECTATIVA...



... REALIDADE



Em julho de 1990 uma prévia do jogo foi mostrada na Consumer Eletro Show - a grande feira de eletronicos onde videogames eram exibidos antes da criação da E3 - e as predições da equipe se confirmaram: Road Rash foi um fracasso completo e absoluto.


O protótipo de Road Rash é  o primeiro jogo que aparece no video e... cara, que merda é aquela de Fighter Street? Espero que nunca façam uma continuação desse jogo, porque claramente isso jamais vai dar certo...

Carl e alguns outros da equipe então fizeram a única coisa que podia ser feita para salvar o jogo que eles já estavam a mais de oito meses trabalhando: UM MOTIM! YAR-HAR-HAR!


Carl foi diretamente aos chefões da Eletronic Arts e pediu para assumir o completo controle criativo do jogo. Vendo o desastre que o "jogo de corrida super família" de Randy tinha sido na CES, eles concordaram. Assim Randy foi derrubado em um golpe de estado digno de House of Cards e limitado apenas a trabalhar em elementos do gameplay.

Randy foi derrotado por hora, mas vocês ainda não viram o último dele!


Bem, o jogo estava programado para lançar no natal daquele ano, então eles tinham pouco mais de QUATRO MESES para salvar apenas um clone genérico de Super Hang-On do esquecimento absoluto. Como se resolve algo a toque de caixa desse jeito?

Eu não sei vocês, mas eu conheço apenas duas coisas que tem esse poder: tetas e violência. E enquanto rechear o jogo de magumbos maravilhosos estava além do que Carl Mey podia fazer em um jogo de Mega Drive em 1990, a segunda parte ele podia implementar.

Isso é pela minha encomenda ter passado 8 meses em Curitiba, carteiro FDP!
Porque enquanto Randy tinha sérias limitações em colocar violencia no seu jogo, a Eletronic Arts era de boa com isso. Assim Carl criou um pacote de RADICALIZAÇÃO DE EMERGÊNCIA do jogo. Nasciam assim as porradas, a policia e as quedas radicais em Road Rash.

É uma coisa interessante, porque quando você joga Road Rash fica bastante claro que embora dar porrada nos outros competidores seja muito divertido, aquilo não faz diferença nenhuma ao gameplay do jogo. É claramente uma caracteristica implantada de ultima hora, não o cerne da coisa. Vá lá, jogue uma partida de Road Rash sem bater em ninguém, você vai ver que a diferença é ZERO, e isso é porque toda a atitude "ANOS 90 RADICAL" foi algo criado de última hora para o jogo.

Senhor, quer fazer o cartão da Renner? Senhor, volte aqui, senhor!
Claro que adicionando ultraviolencia e ser fora da lei ao jogo significava perder não só o apoio da AMA, como o licenciamento das grandes empresas de moto da época. Assim os nomes que você vê no jogo Shuriken, Panda, Kamakazi e Diablo subsituem Suzuki, Honda, Kawasaki e Ducati,

Sobre isso tem uma história interessante até: Carl conseguiu que a EA pegasse uma Ducati de corrida para que a equipe de desenvolvimento tivesse um feel como uma moto de verdade se comporta. A Ducati emprestou a moto sob a condição que só um piloto profissional pilotasse ela. Nossa equipe de nerds respondeu com um maroto "aham, não, claro, deixa com a gente, capaz mesmo, né?".


Algumas semanas depois a Eletronic Arts estava tendo que pagar U$ 100,000 a Ducati porque os mongolões destruiram a moto (e Randy quase se matou no processo).

Mas enfim, eventualmente, o jogo ficou pronto e foi levado para ser testado por ninguém menos que os filhos dos executivos da Eletronic Arts. O que os moleques acharam do efeito "pseudo 3D" criado por Carl para o jogo?


As palavras de Carl foram exatamente: "ah, ótimo! Eu finalmente fiz um jogo que faz as pessoas vomitarem!". Os diretores da EA, no entanto, estavam muito além do que apenas putos com Carl. Não só por causa do tapete persa, mas porque o jogo claramente teria que ser atrasado. Somando isso ao incidente da Ducati, a EA queria que a cabeça de Carl fizesse companhia ao Ned Stark.

Carl estava com problemas. E é aí que Randy viu sua oportunidade de ouro. Em uma reviravolta digna de episódio de Death Note, Randy aproveitou a oportunidade para tomar o controle da produção novamente!


Aquela altura dos eventos, Randy não podia mais reverter o conceito do jogo para seu estagio inicial - até porque o marketing já estava todo feito, de qualquer maneira. Ciente disso, e novamente como chefe da porra toda, ele planejou sua vingança de outra forma...

Em função disso, em razão de fazer um jogo com um pseudo-3D que não fizessem as crianças vomitarem, Carl e a equipe tiveram que abandonar completamente a ideia de criar um modo de dois jogadores - algo que ele queriam muito fazer, mas simplesmente não daria tempo se ele queria ter um jogo funcional para a CES de 1991.

Falando em CES, na feira daquele ano o jogo um sucesso estrondoso, é claro. Quando foi lançado, alguns meses depois, o sucesso foi tal que todas crianças do país queriam subir em suas bicicletas e dar cacetadas nos coleguinhas e hoje, 26 anos depois, você sabe o que é Road Rash. Então realmente, foi um negócio que deu muito certo.

E Randy esfregou os dedos malignamente. Era chegada a hora de sua vingança.

Se você olhar os créditos do jogo, não verá em lugar nenhum o nome de Carl Mey. Mesmo sendo quem carregou o jogo nas costas pela maior parte do tempo, não há uma única menção ao Carlzinho na equipe do jogo.

E a capa do jogo, já reparou bem nela?


Foi um golpe perfeito. Carl Mey quase foi apagado completamente da posteridade de um dos jogos mais populares de todos os tempos e mesmo hoje Randy é conhecido como "o criador de Road Rash", mas poucas pessoas sabem quem foi Carl Mey.

Alias depois dessa putaria os executivos da EA acabaram banindo essa coisa de jogos terem nomes dos seus criadores nas capas, mas para Carl já era tarde demais.

E essa é a história de ESCORIAÇÃO NA ESTRADA!



Mas ao invés de terminar em um tom negativo, vamos terminar com o comentário do próprio Mey. "Ao fazer Road Rash, eu não tinha idéia de que as pessoas ainda estariam falando sobre isso quase 20 anos depois. Foi um privilégio trabalhar nele. A maioria das pessoas trabalha toda a vida com pouco ou nenhum reconhecimento, mas não precisou de um nome em uma caixa para eu ter mais reconhecimento do que jamais imaginei ".

Carl Mey recebeu um prêmio na EA em 1991 como "Bombeiro do Ano" (sim, esse era o nome mesmo) dado ao funcionario que mais apagava incendios. Ele acabou promovido a diretor de tecnologia da EA e eventualmente foi trabalhar na Sega onde ajudou a desenvolver o 32X... o que foi uma péssima ideia, mas não foi culpa dele realmente... e, muito mais impressionante que isso, ter conseguido colocar videos FMV nos cartuchos de N64

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