
1500 reviews.
Oito. Longos. Anos.É quanto tempo tenho rastejado pelas trincheiras da agonia pixelada e do jubilo poligonal, desenterrando o sagrado e o profano do mundo dos videogames para o seu prazer de leitura. De pesadelos esquecidos de FMV a shovelware que deveriam ter permanecido enterrados sob um aterro de cartuchos de ET, eu analisei tudo. Eu ri. Eu chorei. Eu gritei para o abismo quando o abismo era um tie-in licenciado com o logo da Ocean na capa.
E de alguma forma... eu ainda estou aqui. Ainda de pé. Ainda escrevendo. 1500 reviews. São mais jogos do que um ser humano médio deveria jogar em toda a vida. E mesmo assim eu joguei. Todos eles. Pela ciência. Pela história. Pelo Jorge.
NÃO ME METE NAS TUAS LOUCURAS...
Obrigado pela parceria, amigo. Mas seja como for, agora para esta ocasião auspiciosa, que melhor maneira de celebrar do que com uma franquia de jogos profundamente marcante na história desse blog? Só que nos outros posts especiais de celebração desse blog (500 reviews, 1000 reviews, e as celebrações anuais de aniversário), eu escolho jogos que me marcaram POSITIVAMENTE. Hoje... vamos fazer algo diferente.
Sim, meu velho inimigo retorna. Uma franquia que marcou minha vida para sempre, não como um amigo querido, mas como a razão que eu acordarei gritando em suor aos 85 anos de idade. Uma cicatriz digital. Então apertem os cintos, caro leitor. Porque para esta análise marcante...
Estamos mergulhando de volta no pesadelo. Estamos analisando Ecco the Dolphin: Defender of the Future. Eu choro no oceano pq lá minhas lágrimas parecem pequenas
Então... para a análise de hoje, eu gostaria de começar com algo um pouco diferente. Quero... pedir desculpas. Não, eu PRECISO me desculpar. Com FIGHTING FORCE 2, com ARMORINES: Project SWARM e com alguns outros jogos que recentemente sentei o pau nesse blog. Eu critiquei eles duramente, os rotulei com a categoria "The Worst Of" e amaldiçoei sua existencia de modo geral.
Me desculpem.
Veja, eu PRECISO me desculpar não porque eles não sejam ruins — ah, não, eles ainda são lixeiras flamejantes de desespero — mas porque eu recebi uma terrível e cruel lembrança de como um jogo verdadeiramente, profundamente e existencialmente horrível se parece. Sim... ele está de volta. Meu nêmesis. Minha perdição. O cetáceo infernal que assombra meus pesadelos há anos.
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Um confiável o que, meu amigo?! |
É hora de falar sobre Ecco o Golfinho: Defensor do Futuro. Que Netuno tenha piedade da minha alma.
Mas para realmente entender o horror do que é Ecco, precisamos voltar no tempo. De volta às profundezas amaldiçoadas onde essa atrocidade aquática nasceu: você se lembra das fases aquáticas de SONIC THE HEDGEHOG? Claro que sim. Todo mundo lembra. A claustrofobia absoluta, o pânico crescente quando o ar acaba, os controles lentos e sem resposta. Todo mundo se lembra dessas fases — e ninguém se lembra delas com carinho.
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Imagens que dão flashbacks do Vietnã |
Exceto, aparentemente... a SEGA.
Porque em algum lugar, no fundo de uma sala de reuniões mal iluminada, alguém na Sega olhou para aquelas fases aquáticas e pensou: "Ei, sabe o que seria legal? Tipo, sabe o que seria MUITO legal? E se fizéssemos um jogo inteiro daquela fase que todo mundo odeia?"
Essa é a mesma empresa que adiantou o lançamento de um console em seis meses, surpreendendo não apenas os jogadores, mas também os varejistas que tiveram que perguntar: "Espera aí, o Saturn está a venda a partir de AGORA?!". Esta é uma empresa que platinou todas más decisões. Mas mesmo para os padrões da Sega, isso é outro nível. E assim nasceu Sonic Water Level: The Game, também conhecido como ECCO THE DOLPHIN.
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Ecco the Dolphin, Mega Drive, 1993 |
Agora — kudos onde kudos são devidos — Ecco é, sem dúvida, um dos jogos mais bonitos do Mega Drive. E isso realmente significa alguma coisa, considerando que a paleta de cores do console tinha menos cores que o estojo de uma criança da primeira série. Ecco conseguiu criar visuais absolutamente deslumbrantes: efeitos de água cintilantes, iluminação sombria, fundos etéreos, o jogo é realmente lindo.
E a trilha sonora? É o mais próximo que a Sega já chegou do um delírio onírico que David Wise compôs para DONKEY KONG COUNTRY. É lindo. É assombroso. É relaxante... O que é bem irônico, porque jogar esse jogo é nada senão um ataque de ansiedade completo. Isso pq Ecco, nosso herói titular devorador de atum, também é o golfinho mais asmático que já existiu, esse cara tem a capacidade pulmonar de um fumante inveterado a 45 anos: cada vez que ele mergulha mais de cinco metros abaixo da superfície, a situação se torna uma corrida desesperada contra a falta de ar.
O que é meio que um problema em um jogo que te joga em cavernas subaquáticas infinitas, labirintos sinuosos, corredores escuros como breu, e então diz: "Te vira aí, nereidão." Sem direção. Sem mapa. Sem orientação. Apenas glifos vagos e enigmáticos que podem ser sabedoria... ou podem ser o equivalente a biscoitos da sorte em golfinhês.
E eu não estou exagerando — ECCO THE DOLPHIN é legitimamente um dos jogos mais difíceis da era 16 bits. Você joga como um mamífero frágil que não consegue prender a respiração por mais que alguns minutos, tem as capacidades ofensivas de uma esponja molhada e é jogado em um labirinto de armadilhas mortais subaquáticas sem nenhuma instrução. É como se alguém dissesse: "Ei, e se METROID não tivesse mapa, nem armas, e você ocupasse o dobro de espaço na tela pra tudo te causar dano?", ao que a Sega respondeu: "Videogame absoluto, me vê dois desses!"
HÃ, TÁ... ISSO É INTERESSANTE E TAL, MAS... TU JÁ FALOU SOBRE ECCO THE DOLPHIN DO MEGA DRIVE ALGUNS ANOS ATRÁS, PRA QUE ISSO DE NOVO?
Então, sim, eu já falei sobre aquele jogo. Mas aqui está a questão: EDotF — a sequência para Dreamcast — é uma das adaptações em 3D mais fiéis de um jogo 2D que já vi. E não digo isso como um elogio.
Ele captura tudo o que definiu a experiência original de Ecco: os visuais deslumbrantes, a trilha sonora ambiente, a narrativa enigmática, as paisagens infernais do labirinto subaquático, a pura e sufocante sensação de desesperança. Tudo isso, agora em 3D.
Porque Defender of the Future não é apenas um jogo, é um teste. De paciência. De sanidade. De quanto tempo você consegue aguentar sem gritar para a TV: "ONDE DIABOS EU TENHO QUE IR, SEU PEIXE COM CÉREBRO DE SARDINHA?!"
HÃ, BIOLOGICAMENTE FALANDO, GOLFINHOS NÃO SÃO PEIXES, ELES...

PENSANDO MELHOR, DEIXA PRA LÁ...
... então, antes de explicar pq esse jogo é uma carta de despedida para a sanidade, vamos focar no que ele faz de certo, okay? E por isso eu tenho que abrir elogiando sua história, pq a história de Ecco é... uau, ela definitivamente é...
Então, em um futuro distante, a humanidade e os golfinhos se tornaram amigos. Tipo, melhores amigos em uma sociedade totalmente integrada. Os golfinhos podem falar. Eles ajudam os humanos a explorar os oceanos. Há paz, harmonia, iluminação. É basicamente Star Trek: Flipper Edition. Com efeito, as coisas estão tão Star Trek boas e tão pacificas que os golfinhos e os humanos decidem sair por aí para explorar o espaço.
HÃ, ENTÃO ESSA SOCIEDADE FUTURISTICA SAI POR AÍ EM NAVES ESPACIAIS COM TRIPULAÇÕES MISTAS DE HUMANOS E GOLFINHOS?
Hmm... não exatamente...
BEM, REALMENTE, ESSA É UMA DAS HISTÓRIAS MAIS ESTRANHAS QUE EU JÁ VI NUM JOGO...
Essa não é a parte estranha, Jorge. Fica pior depois disso.
NANI?!?
Isso pq o INIMIGO acaba penetrando nas defesas da Terra (obrigado por nada, bafo de sardinha) e roubam as virtudes essenciais do mundo. Sim. Você ouviu direito. Eles não matam golfinhos nem afundam continentes. Eles removem conceitos da realidade. "Sabedoria", "Compaixão", "Ambição", "Inteligencia" e "Humildade". É como um estalo de moralidade do Thanos, e de repente o oceano inteiro se transforma em um zoológico de pesadelos pós-apocalípticos. Sem compaixão, os golfinhos escravizam uns aos outros. Sem sabedoria, eles se transformam em bárbaros marinhos. Sem confiança, eles acumulam pedras brilhantes e gritam como se estivessem em um episódio subaquático de Mad Max.
E quem pode restaurar esta linha do tempo quebrada e sem virtudes?
Você. Você, o golfinho. O Messias golfinho. Ecco é literalmente escalado como uma figura messianica, ressuscitado através das linhas do tempo para recuperar as virtudes perdidas e trazer equilíbrio à força marinha ou seja lá o que for que esteja acontecendo. Você não apenas nada — você redime a alma do planeta.
Agora, a parte interessante, a parte realmente interessante disso tudo é que cada vez que você recupera uma das esferas conceituais toda a linha do tempo reinicia de acordo com as esferas que estão em poder de Ecco.
QUE?!
Parece confuso... e é, mas eu vou explicar. O primeiro mundo, em que as cinco esferas se foram e nenhuma virtude resta, é essencialmente o nosso mundo: com todas as virtudes perdidas, a linha do tempo se torna a era "Pesadelo do Homem", um inferno pós-apocalíptico e onde os golfinhos são escravizados pelos humanos, os oceanos estão morrendo e a Terra é essencialmente um lixão pós-nuclear.
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A fase "Passage from Genesis" é uma referencia ao jogo do Mega Drive, dado que "Genesis" é o nome americano do console. Okay, essa foi bem sacada, vou dar isso a eles |
A boa noticia é que o INIMIGO foi embora. É, aparentemente a Terra ficou tão ferrada nessa linha do tempo que até invasores alienígenas olharam e disseram: "Nossa, essa bosta não vale a pena não", e simplesmente se foram.
Então Ecco faz o que tem que fazer — recupera Ambição e Inteligência — e bum! A linha do tempo muda para o "Pesadelo dos Golfinhos", porque apenas com ambição e inteligencia e nenhuma das outras virtudes, os golfinhos disseram "sabe de uma coisa? A gente é mais inteligente, danem-se os humanos" e formaram um regime marítimo fascista.
Agora os golfinhos são psicopatas militarizados. A sociedade é construída em torno de castas. Existem favelas de golfinhos. Existe um senhor da guerra dos golfinhos. Eu não estou inventando isso. Ecco agora precisa se infiltrar nos Párias, um movimento de resistência subaquática, e no Clã, um grupo de supremacistas elitistas e hiper-religiosos de golfinhos, só para obter as outras esferas. Este é o único videogame da história em que uma descrição de fase poderia incluir a frase: "Ecco se junta a uma rebelião subaquática contra cetáceos totalitários."
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Enfim, você recupera as Esferas da Compaixão e da Sabedoria, e isso, de alguma forma, faz com que humanos e golfinhos se lembrem de que um dia gostaram um do outro. Legal, legal, progresso.
Só resta uma Esfera: Humildade. E sem ela? É... A Terra é completamente dominada pelo Inimigo. Acontece que sermos uns idiotas arrogantes deixou humanos e golfinhos vulneráveis a uma invasão em larga escala.
Então Ecco faz o que qualquer golfinho nobre faria: se infiltra na base da Rainha Inimiga alienígena, como uma Cobra Sólida molhada. Porém Ecco desconhece o significado da palavra piedade, então nosso herói primeiro a cega, depois faz um buraco em seu peito e então — E ENTÃO — Ecco nada dentro de sua caixa torácica para atacar seu coração vulnerável e pulsante por dentro. É como uma mistura de Shadow of the Colossus e Procurando Nemo, se ambos fossem dirigidos por David Cronenberg.
Com a última Esfera recuperada, Ecco restaura o Guardião, conserta o tempo, salva o planeta e torna a Terra pacífica novamente. E é isso, essa é a mais épica história através de realidades paralelas e linhas do tempo envolvendo... um golfinho. Porque Defensor do Futuro não é apenas um jogo, é uma mistura de Planeta Azul com 1984, escrito sob efeito de ayahuasca.
Então, sim, a história desse jogo é uma das coisas mais biruleibes que eu já vi em quase 1500 reviews nesse jogo, bem do jeitinho que eu gosto. E, verdade seja dita, a história dorgas larilala não é a única coisa a ser elogiada aqui: Ecco: Defender of the Future é um dos jogos mais bonitos de sua época. Sem sarcasmo. Sem brincadeira.
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Hoje, em 2025, até os jogos modernos têm dificuldade em fazer a água parecer bonita. Mas então no ano 2000 aí vem este messias brilhante com nariz de garrafa nadando pela luz do sol refratada, correntes realistas, cáusticos cintilantes e recifes de corais que parecem ter sido importados diretamente de um documentário da BBC... até onde o Dreamcast aguenta, mas ainda sim, é bonito pra caralho. Sério, para um jogo que foi lançado uma geração antes mesmo do HD existir, ele de alguma forma consegue fazer seu mundo subaquático parecer vivo. Fluido. Imersivo (trocadilho não intencional).
E se o visual é realmente impressionante para sua época, meu Deus, a trilha sonora é um tapa. Livre do miseravel chip de som do Mega Drive que soava como um saco de pedras de carbono em um tambor de gasolina, Defender of the Future nos oferece paisagens sonoras ambientes totalmente orquestradas que parecem ter sido feitas à mão pelo próprio Poseidon. Coros etéreos, ecos distantes, pianos melancólicos — estamos falando papo níveis "Fases da água de DONKEY KONG COUNTRY".
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FALICEU |
É. Ecco vive nessa zona. Não tem apenas música — tem um clima. Uma atmosfera sonora que, de alguma forma, consegue ser relaxante e devastadora ao mesmo tempo. Então, sim, visualmente e sonoramente, este jogo é um triunfo.
Então eu falei bem da história, falei bem dos gráficos e do som... então o que resta? Bem, é hora de falar sobre um pequeeeeeeeno probleminha conhecido apenas como "JOGAR A PORRA DO JOGO". Essa parte é meio complicada em Defender of the Future, sabe?
Então, vamos começar do começo: como eu disse, os jogos do Mega Drive de Ecco são difíceis. Mas então se você achou que "prender a respiração enquanto tenta descobrir pra onde ir em labirintos sem dicas visuais" era ruim, bem, Defender of the Future olhou para isso e disse: "Vamos pegar tudo isso, torná-lo 3D e não dar nenhuma melhoria na qualidade de vida."
Assim como seus antecessores, Ecco não acredita em tutoriais. Ou mapas. Ou misericórdia. Sem dicas pop-up. Sem marcadores de objetivo brilhantes. Nem mesmo um NPC peixe amigável dizendo "Ei, campeão, tente ir para a esquerda!"
Em vez disso, todos os objetivos estão escondidos sob o tipo de texto enigmático que parece ter sido roubado de um DM novato mestrando D&D: "O coral canta em silêncio, onde o luar encontra a corrente esquecida."
Legal. Você quer que eu vá... para cima? para baixo? para dentro daquele buraco suspeito de anêmona atrás das cortinas de algas? Quem sabe! Então como o jogo não te diz nada, tudo que você pode fazer é sair andando por aí na esperança de encontrar alguma coisa que faça alguma coisa acontecer. Eu sei, soa maneiro pra caralho isso, heim...
Agora imagine tudo isso em um ambiente totalmente 3D, renderizado em 480p de baixa resolução. Imagine tentar encontrar um pequeno buraco pixelado na parede de uma caverna quando as texturas parecem que alguém passou pasta de dente em uma fita VHS. Você — sem dúvida — passará direto por objetos importantes, passagens importantes e glifos interativos sem nem perceber. Você passará horas vagando por enormes templos subaquáticos labirínticos, tentando se lembrar se já esteve lá ou se a geometria parece a mesma porque tudo tem o mesmo tom de tristeza azul-escuro.
E é aí que o peixe torce barbatana: este jogo é basicamente um Metroidvania. Sim. Você leu certo. Um Metroidvania. No oceano. Sem mapa. Com progressão enigmática. E um protagonista que controla como uma barra de sabão em uma máquina de lavar. Você passará nadando por uma estranha rocha brilhante, mas não vai conseguir interagir com ela "até o momento certo", sem nem ao menos saber que "existe um momento certo". A exploração aqui não é recompensadora. É uma punição por não saber o que os desenvolvedores estavam pensando. Isso é um design de jogo de tentativa e erro, com um mapa enorme e absurdamente fácil de se perder.
Em resumo: Ecco: Defender of the Future não tem uma curva de dificuldade. Tem um penhasco de dificuldade onde você cai de cara na Fossa das Marianas dos sonhos desfeitos. Mas ao menos a música é boa enquanto você se afoga na confusão.
Mas sim, tecnicamente, Ecco: Defender of the Future tem um mapa. Da mesma forma que um homem gritando com você do outro lado de um estacionamento tecnicamente conta como instruções. Funciona assim: Você segura o botão do sonar. Você espera. Você vê um pequeno e borrado fragmento do seu entorno exibido como um fantasma de informação — um instantâneo de sonar que dura alguns segundos preciosos. Então, no momento em que você tenta usar o sonar novamente — sabe, a única coisa que permite que você interaja com o mundo — ele desaparece.
É como se quisessem recriar a tensão imersiva de estar perdido no mar, mas em vez de pavor, você sente uma raiva crescente. Imagine se toda vez que você abrisse seu GPS, ele demorasse 5 segundos para inicializar e depois se autodestruísse no momento em que você girasse o volante.
Sinceramente, a única maneira de esse sistema ficar mais ofensivo seria se custasse oxigênio para ser ativado. Ou melhor: se um representante da Sega aparecesse na sua casa e te desse um tapa toda vez que você tentasse descobrir para onde estava indo.
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Você faz ideia do quão desgraçado é empurrar uma pedra em uma fase da água? |
Mas tá, se a navegação é bem ruim... agora chegamos ao auge da psicose do design: o sistema de combate. E eu uso "sistema" da mesma forma que as pessoas usam o termo "economia" em um filme pós-apocalíptico. Aqui está a ideia: logo no início — NÍVEL DOIS, veja bem — você aprende a "Canção do Tubarão" que te permite imobilizar inimigos para atacar eles. Parece legal, né?
É, exceto... seu único movimento ofensivo é colidir com os inimigos. Você não atira. Você não tem mira. Você apenas... acelera seu personagem aquático e torce para ter o ângulo e o timing certos. Imagine isso:
- Imagine jogar Ace Combat.
- Agora remova os mísseis.
- Apague o HUD.
- Substitua o radar por uma lente olho de peixe turva.
- Ah, e faça a câmera girar como se tivesse acabado de beber três garrafas de rum
- Parabéns, agora você está jogando Ecco Combat.
É sério, o combate desse jogo é essencialmente um simulador de avião onde vc tem que bater seu avião na lateral dos outros para causar dano, e para piorar as coisas, seu golfinho não apenas nada em duas direções, ele facilmente gira, entorta e vira do avesso porque a câmera, a física e os controles são todos feitos por ninguem menos que Satan. Ass. Cada luta parece capoeira subaquática executada por alguém tendo um ataque de pânico.
Não, sério, eu me sinto mal por ter criticado o combate de MORTAL KOMBAT MYTHOLOGIES: Sub-Zero . Pelo menos naquele jogo você podia socar. Em Ecco, cada encontro é como: "Aí vem o inimigo! Alinhem o ataque! Espere, não, a câmera mudou! Você está de cabeça para baixo agora! Você não está batendo em nada! O tubarão arrancou sua cara com uma mordida! E agora você está morto porque esqueceu de respirar de novo, idiota!". Bravo, Sega. Você não fez apenas um combate ruim, você fez um combate que te odeia ativamente.
E se os combates NORMAIS já parecem ruins, vamos então falar sobre os chefes. Peguemos como exemplo o primeiro chefe, um tubarão branco gigante. Legal, clássico, intimidador. Você pensa: "Certo, vou bater nele como faço com outros inimigos." Errado. Você quica nele como uma bola de praia.
Ok. Certo. Hora de observar a arena. Você avista uma formação rochosa com buracos. Uma lâmpada acende. "Ahá!", você pensa. "Vou atrair o tubarão para me atacar, passar por dentro do buraco pro outro lado e quando ele tentar me seguir ele vai ficar entalado. Lógica clássica de desenho animado."
Você tenta. Não funciona. Tenta de novo. Ainda não funciona. Você se realinha. Muda o ângulo. Nada mais devagar, mais rápido, faz algumas orações de golfinho. Nada. Você morre. Repetidamente. Porque o chefe te mata com one hit kill, alias. Margem de erro absolutamente zero.
Finalmente, depois de quase meia hora nisso, eu desisti, fui ver um walkthrough. E eis que eu assisto o video e — surpresa! — a pessoa faz exatamente o que eu estava tentando fazer! Exatamente a mesma coisa! Exceto que no video funcionou impecavelmente como se o tubarão tivesse tido um aneurisma repentino de cooperação.
Aí eu voltei para tentar tentar de novo, recriando meticulosamente cada quadro de movimento, cada sinal do sonar, cada ângulo —
"Ecco: Defender of the Future" é lindo, possivelmente o jogo mais bonito do Dreamcast. A trilha sonora é genuinamente arte e a história é insana da melhor maneira possível: alienígenas, golfinhos fascistas, esferas de moralidade, invadir a caixa torácica de uma rainha espacial maligna para socar seu coração até a morte — Isso é o que H.P. Lovecraft teria escrito se tivesse crescido assistindo Jacques Cousteau. Eu adoro. Mesmo.
Mas no momento em que o controle está na sua mão, esse amor morre gritando. Um Metroidvania 3D. Sem guia. Em áreas subaquáticas abertas. Com controles escorregadios. Com um combate que é como o do Ace Combat: Dolphin Drift Edition, mas sem mísseis, sistemas de mira ou a vontade de viver. É o tipo de argumento que você imagina que alguém leria em voz alta no pitch meeting e diria:
"...Espera aí, isso é algum tipo de pegadinha?"
Eu realmente não sei como a Sega deu sinal verde para isso. Você pensaria que só de ouvir a ideia faria alguém da gerência acordar do cochilo e dizer: "Não, absolutamente não. Cancele. Queime o protótipo. Salgue o oceano." E sim, ouvi dizer que a versão para PS2 corrigiu algumas coisas.
Mapa melhor. Pontos fracos dos chefes mais legíveis. Interações mais suaves. Bom. Ótimo. É menos pior, mas não resolve o estrago principal. Não me faz esquecer de vagar sem rumo em um labirinto marinho gigante, tentando encontrar uma pedra específica que na verdade é um interruptor, enquanto sou perseguido por tubarões-turbo sob efeito de metanfetamina.
Então eu acredito que a versão de PS2 pode ser melhor, mas não, eu não vou jogar isso de novo. E você também não deveria. A série está morta, e eu só tenho isso a dizer: ótimo. Deixe ela descansar nas profundezas do oceano. Sele-a em uma trincheira sem ar. Marque o local com uma runa amaldiçoada. E que seu sonar nunca mais seja ouvido.
Este jogo não é uma joia escondida. É um crime de guerra oceânico lindamente renderizado. Ecco: Defender of the Future é o que acontece quando você mistura ambição, drogas psicodélicas e adoração a golfinhos em um liquidificador e esquece de verificar se o resutlado é divertido. Não é.
Então Defender of the Future, no fim do dia, nos defendeu de apenas uma única coisa: um futuro onde haveriam mais jogos do Ecco. Felizmente essa franquia acaba aqui, e já vai mais do que tarde. Adeus, Ecco. Que seus pulmões asmáticos se recuperem na vida após a morte.
EDIÇÃO 151 (Maio de 2000)