Então, a review de hoje vai ser um pouco diferente. Por quê? Porque Mario Artist não é exatamente um "jogo" no sentido tradicional — é mais um conjunto bizarro de quatro aplicativos criativos para o Nintendo 64: Paint Studio, Talent Studio, Polygon Studio e o sempre tão social Communication Kit.
A boa notícia é que é surpreendentemente fácil de entender. Imagine o MARIO PAINT do SNES — só que cheio de hormônios experimentais, equipado com uma ferramenta de modelagem 3D, captura de movimento e recursos online tão estáveis quanto era possível em 1999.
A má notícia é que... Bem, não tem muito o que dizer sobre a jogabilidade. Quer dizer, vamos lá — eu posso ser o melhor crítico da história da internet, mas mesmo eu só consigo falar poeticamente sobre o que é essencialmente a versão do Nintendo 64 do Paint misturado com uma versão primaria do Windows Movie Maker, um mail do UOL, alguns recursos do Audacity e até um desenvolvedor de jogos rudimentar. Há um limite para a quantidade de software criativo disfarçado de jogo que um mortal consegue suportar.
Então, em vez de te entediar até a morte descrevendo como desenhar triângulos 3D com o rosto do Mario, farei algo muito mais interessante: vou te levar em uma viagem pela saga caótica e esquecida do Nintendo 64DD — o hardware onde toda essa loucura aconteceu. Um experimento ousado, um artefato amaldiçoado, uma história de terror tecnológico sussurrada em voz baixa por historiadores de jogos. Um sistema tão obscuro e decepcionante que falhou silenciosamente antes que a maioria das pessoas sequer soubesse que existia.
Mas para entender a tragicômica história do Nintendo 64DD, primeiro você precisa entender como a indústria de jogos funcionava na década de 90 — e, mais especificamente, por que a Nintendo se recusou teimosamente a adotar os CDs como todo mundo e, em vez disso, construiu um sistema baseado em disquetes.
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Nintendo 64DD, o acessório para ser acoplado ao Nintendo 64 no qual estes jogos rodavam |
Então imagine isso: depois de lavar o chão com a cara de todo mundo nos anos 80, a Nintendo entrou na era dos 16 bits em uma posição muito confortável. Não, esqueça — eles estavam sentados em uma montanha de dinheiro tão alta que seria necessário um sherpa para te guiar até o alto dela. E esse dinheiro não caiu do céu — eles o construíram com um modelo de negócios tão rígido que faria Orwell parecer um hippie de boaça.
Eis como as coisas funcionavam: você é um desenvolvedor e quer lançar um jogo para o Super Nintendo. Ótimo! Só um probleminha — você tinha que submeter seu jogo à aprovação da Nintendo primeiro. E quando digo "aprovação", quero dizer que eles tinham total poder de veto sobre sua criação. A Nintendo era o olho que tudo via em termos de conteúdo para toda a família. Nada de sangue. Nada de imagens religiosas. Nada de símbolos políticos ou controversos. Nada de diversão, a menos que passasse pelo Grande Filtro de Kyoto.
É por isso que:
- MORTAL KOMBAT para SNES tinha fatalities que pareciam tirados do Pica-Pau;
- SUPER CASTLEVANIA IV removeu a cruz da intro do cemitério
- THE ROCKETEER, que é literalmente sobre enfrentar nazistas, teve suas suásticas alteradas por simbolos genéricos;
- E eu não vou nem começar sobre WOLFENSTEIN 3-D...
Claro, essas políticas de censura evoluíram com o tempo (especialmente quando a reação pública ou a variação regional as tornaram inconvenientes), e sim, MORTAL KOMBAT 2 eventualmente recuperou seu banho de sangue, mas uma coisa nunca mudou: os desenvolvedores nunca estiveram verdadeiramente livres das garras da Nintendo.
Agora, você pensaria que eles ficariam furiosos com a censura — e ficaram —, mas os desenvolvedores são um grupo resiliente. Eles conseguem contornar restrições, ser espertos, transformar limitações em arte. Não, o que realmente os fazia gritar em seus travesseiros à noite não eram as algemas criativas. Era ser atingido na parte que mais doía
ESPERA, A NINTENDO ESTAVA FISICAMENTE DANDO GOLPES BAIXOS NOS DESENVOLVEDORES ?!
Ah não, Jorge. Antes fosse, o que doeu foi algo muito, muito pior: a Nintendo estava acertando onde realmente machuca, no bolso. Porque então, seu jogo foi aprovado pela Nintendo. Parabéns, desenvolvedor-san! Você sobreviveu à primeira luta contra o chefe. E agora?
Bem... não dependia mais muito de você, na verdade. Veja, depois que seu jogo passava pelos portões sagrados da censura da sede da Nintendo, você não o enviava para ser fabricado por crianças na China como um produto comum. Ah, não — você enviava seus arquivos de volta para a Nintendo, e ELES fabricavam fisicamente os cartuchos para você. E, claro, esse pequeno favor vinha com uma taxa. Uma taxa alta.
Porque aqui está a questão: ninguém além da Nintendo tinha permissão para produzir cartuchos de SNES. Você não podia simplesmente entrar em uma loja de plásticos e imprimir os seus. Não, senhor. Você tinha que comprar os lotes de cartuchos brutos da Nintendo, depois pagar a Nintendo novamente para montarem o produto final, etiquetar e testar. Era como pedir uma pizza onde a pizzaria é dona da massa, do forno, dos ingredientes, da caixa e até mesmo do entregador — e depois cobrar aluguel para você comer.
E a Nintendo não era o que se chamaria de flexível. Digamos que você quisesse localizar um jogo para um nicho superespecífico — talvez um RPG tático com seis jogadores em Luxemburgo. Que azar, porque a Nintendo tinha cotas mínimas de pedidos. Não dava para simplesmente produzir 1.000 cópias e testar o mercado. Não. O mínimo que se dizia era de cerca de 10.000 unidades — e não gostou não tem jogo. Simples assim.
Então, vamos recapitular esse acordo maravilhoso:
- Você tinha que ter seu jogo aprovado pela Nintendo.
- Você tinha que comprar os cartuchos da Nintendo.
- Você tinha que pagar para fabricar o jogo.
- Você tinha que arcar com a logística e o frete.
- E, finalmente, você tinha que pagar uma taxa de licenciamento por unidade vendida, estimada em cerca de US$ 15 por jogo — o que, em um título de SNES de US$ 50, significa que a Nintendo estava ficando com cerca de 30% dos seus lucros antes que você ganhasse um único centavo.
E se o seu jogo fracassasse, se o seu ambicioso simulador de carícias alienígenas ou a sua aventura de quebra-cabeça noir vendeu 800 cópias e fracassou, o problema é SEU. A Nintendo já tinha embolsado o dela. Você ficou com milhares de cartuchos não vendidos, um balanço negativo e a triste constatação de que ajudou a financiar o próximo iate de férias do Mario.
Então, sim. A Nintendo estava muito, muito, MUITO confortável com a forma como a indústria de jogos funcionava nas eras do NES e do SNES. As regras foram escritas em Kyoto, e todos os outros simplesmente pagavam para jogar.
ISSO TUDO PARECE MUITO DRACONIANO. POR QUE OS DESENVOLVEDORES SE SUJEITAVAM A ISSO?
Bem... que outra opção eles tinham, honestamente? Publicar jogos na PC Engine? Arriscar no 3DO? Apostar tudo no Atari Jaguar? Qual é. Ah, eu sei o que você está pensando: "Claro! Eles poderiam ter simplesmente se jogado nos braços abertos de blast processing da Sega, certo?". Bem... não. Não era tão simples assim. E mais importante, geralmente não era economicamente interessante.
Veja bem, a Nintendo não tinha apenas o controle — ela tinha contratos de exclusividade rígidos. É por isso que o Mega Drive (ou Genesis, para os incultos) levou literalmente anos para ter um jogo do Mega Man com MEGA MAN THE WILLY WARS apenas em 1994. Não porque a Capcom nunca tinha pensado em levar o bombardeiro azul para a casa do Sonic, mas porque os contratos diziam "MAI NEM FOUDENDO". O mesmo aconteceu com STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR — foi lançado para SNES quase um ano antes de chegar ao Genesis, e não, não foi a Capcom esqueceu de marcar uma caixinha no formulário. Era exclusividade, servida fria e contratualmente.
Mas tá — por que as editoras concordariam com esses termos, para começo de conversa? Porque aqui está a dura verdade: a chamada "Guerra dos 16 Bits" foi basicamente uma jogada de marketing. O drama? A rivalidade? Os comerciais ousados de "GENESIS DOES WHAT NINTENDON'T"? Ótimo para a TV. Mas com dados de vendas frios e brutais foi uma derrota acachapante.
O Mega Drive da Sega teve uma bela janela de sucesso, mas sejamos realistas sobre a linha do tempo: essa janela existiu quando o Genesis competia com o NES — um console da geração anterior — e durante o primeiro ano do Super Nintendo, quando sua biblioteca ainda estava secando da tinta da impressora. quando o SNES ganhou tração a vitória foi esmagadora. O tipo de avalanche em que o Mega Drive foi enterrado em algum lugar ao lado da carreira de BONK e da base de fãs do TurboGrafx-16 (que alias vendeu mais que o Mega Drive no Japão, nem do PC Engine eles ganharam).
Então nesse ponto, ou você lançava seu jogo nos termos da Nintendo... ou não ganhava dinheiro. Simples assim. Tornar um exclusivo do Mega Drive era como tentar abrir um sushi bar de luxo no deserto. Ousado, talvez até nobre, mas financeiramente pouco auspicioso. Então é por isso que todas as grandes empresas — Capcom, Konami, Squaresoft, Enix — continuaram com a Nintendo. Elas odiavam esse sistema . Odiavam com a fúria de mil sóis amarelos. Mas, no final das contas, o que mais elas podiam fazer? Dizer não à empresa que detinha 90% do mercado?É. Não ia rolar.
Então, por volta de 1994, o cenário mudou. Um novo concorrente entrou no ringue — alguém com bolsos fundos, um sorriso corporativo polido e absolutamente nenhuma nostalgia pelas regras que a Nintendo usava na hora do recreio. Eis que surge a Sony, com seu novo brinquedo: o PlayStation.
Sabendo que estavam começando do zero, a Sony se preparou para uma batalha morro acima. E como planejavam conquistar os desenvolvedores? Simples, oferecendo tudo o que a Nintendo não oferecia: sem interferência criativa, taxas de licenciamento mais baixas — quase metade do que a Nintendo cobrava, segundo algumas fontes e o verdadeiro game-changer: sem custos exorbitantes de fabricação. CDs eram baratos, rápidos de prensar e, basicamente, qualquer pessoa com um gravador podia fazê-los em sua garagem.
Naturalmente, os desenvolvedores levantaram uma sobrancelha. Tudo isso parecia bom demais para ser verdade. Gastar menos? Ganhar mais? Sem censura? E, o melhor de tudo, uma chance tão esperada de finalmente mostrar o dedo do meio para a Nintendo depois de anos tendo que engolir de cabeça baixa? Era tudo o que eles sempre sonharam.
E esta não era uma empresa de fundo de quintal querendo se meter de pato a ganso, estamos falando da Sony — uma titã da tecnologia com raízes profundas na indústria do entretenimento. Essas eram as mesmas pessoas que tinham artistas do tamanho de Michael Jackson e Madonna sob contrato. Se alguém conseguia fazer isso funcionar, eram eles.
Logo, os desenvolvedores aderiram à onda da Sony mais rápido do que você consegue gritar "COWABUNGA!". E foi isso — isso — que tornou o PlayStation um rolo compressor da noite para o dia. A tecnologia era sólida e arquitetura fácil de programar jogos, mas foi o êxodo de toda a indústria das regras da Nintendo que realmente a tornou uma revolução.
Mas... e a Nintendo?
Como eles responderam a essa ameaça clara e presente? Será que consideraram desmantelar seu belo, inchado e lucrativo império de cartuchos?
Claro que não. Nem em um milhão de anos. Não quando o inferno congelar, os dinossauros retornarem e o Sonic vencer uma corrida contra o Mario. Nunca. A Nintendo redobrou a aposta. Seu console da próxima geração — o Nintendo 64 — continuaria usando cartuchos. Por quê? Porque aquele modelo de negócio era bom demais para eles abandonarem. Do alto do Monte Multibilionário, eles pensaram: "Assim que o N64 for lançado e Miyamoto lançar outra obra-prima de nível divino que venderá um bajilhão de aparelhos, os desenvolvedores voltarão rastejando, implorando por perdão". Essa era a visão em Kyoto: domínio alimentado pela nostalgia e obediência da indústria por meio da qualidade bruta dos seus jogos.
Enquanto isso, eles mal reconheciam a Sony. Para a Nintendo, o PlayStation era apenas uma moda passageira. Um brinquedo de uma empresa sem experiência em jogos. E CDs? CDs eram estúpidos. Frágeis. Lentos. Pior de tudo, licenciados — o que significava que a Nintendo teria que pagar à Sony por cada disco vendido. Por que diabos eles abririam mão de seu monopólio dourado para pagar à Sony pelo privilégio de perder o controle?
Do ponto de vista da Nintendo, a ideia toda era ridícula.
A Nintendo estava tão confiante em seu império, tão embriagada com seu próprio sucesso, que nem sequer considerou responder à ameaça dos CDs. Na verdade, em vez de se adaptar ou mudar de direção, o plano da Nintendo era dobrar a aposta no modelo de cartuchos — e não apenas mantê-lo, mas expandi-lo, construindo uma margem de lucro ainda maior sobre ele.
Surge a ideia do Nintendo 64DD, um misterioso add-on em disquetes para o N64 que rodava... bem, não exatamente disquetes, mas algo que parecia disquetes só que com o licenciamento da Nintendo sobre o formato. Muitas fontes hoje afirmam que o 64DD foi a resposta da Nintendo à crescente vantagem de tamanho dos jogos baseados em CD, e sim — essa é a versão oficial da história, dita pela própria Big N. Mas não foi exatamente por isso que o 64DD nasceu.
O verdadeiro motivo era, como você pode imaginar, dinheiro. Pura e simplesmente. A Nintendo não estava tentando competir com os CDs — ela estava tentando ganhar mais dinheiro com os jogos.
Vamos falar de alguns aspectos tecnicos por um momento: um CD padrão tem cerca de 650 MB de espaço. Um cartucho típico de N64 tem cerca de 25 MB. Claro, alguns chegavam a 32 MB, 64 MB até — mas cada megabyte extra significava custos de produção exponencialmente maiores. Essa é a desvantagem dos cartuchos: mais espaço equivale a mais dinheiro do bolso do desenvolvedor.
Muitas pessoas apontam a enorme diferença de tamanho entre CDs e cartuchos como um dos principais motivos pelos quais o PlayStation superou o N64. E sim, isso fazia parte da equação. Rodar filminhos, áudio com qualidade de CD, épicos multidiscos — esses eram recursos atraentes no final dos anos 90. Mas não eram o prato principal. Afinal, a Nintendo e a Rare vendiam jogos literalmente aos montes sem nada disso. THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time, GOLDENEYE 007, BANJO-KAZOOIE, INTERNATIONAL SUPERSTAR SOCCER 98 — nenhum deles tinha cutscenes FMV sofisticadas ou trilhas sonoras orquestrais, e mesmo assim movimentaram milhões.
E quando os desenvolvedores realmente queriam espremer jogos enormes em um cartucho, eles conseguiam. Basta olhar para RESIDENT EVIL 2 no N64 — um jogo que veio originalmente em dois CDs para PlayStation, de alguma forma espremidos em um único cartucho como um experimento científico maluco. Então, sim, mais espaço era bom, mas não era o fator decisivo que as pessoas gostam de fingir que era.
O que nos leva a outro ponto: os discos 64DD nem ofereciam tanto espaço a mais. 64 MB. Só isso. Quase o dobro de um cartucho, claro — mas ainda mal chegava a 10% de um CD. Então, se não era sobre armazenamento... do que se tratava o 64DD? Então, se o 64DD não era sobre espaço de armazenamento... qual era o sentido?
Um novo modelo de negócios. O que, em português simples, significa: mais dinheiro para a Nintendo. A questão é a seguinte: a Nintendo vendeu um jogo para você. Ótimo! Eles fizeram botaram na prateleira, você comprou o cartucho, você jogou ele e ficou feliz, e a vida segue em frente. Mas sabe qual é o problema de vender jogos? Depois que alguém compra o jogo... eles param de te dar dinheiro. Conceito maluco, né?
Então, tradicionalmente, você precisaria fazer um jogo totalmente novo para ganhar mais dinheiro do jogador. Uma equipe totalmente nova, uma nova estratégia de marketing, uma nova produção, uma nova logística. Caro. Arriscado. Exaustivo.
Mas e se — veja bem, E SE — você tivesse um sistema em que as pessoas pudessem continuar te pagando pelo mesmo jogo para sempre? Um jogo. Receita infinita. O sonho. ESSE foi o verdadeiro motivo pelo qual o 64DD nasceu. Não para lutar contra os CDs. Não para se modernizar. Mas transformar uma venda única em uma assinatura vitalícia, uma ideia de assinatura antes das assinaturas. Um modelo de jogo como serviço em um mundo pré-Games as Service.
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Uma das pistas da expansão de F-Zero 64 para o 64 DD, embora a maior atração seja o editor de pistas |
Digamos que a Nintendo lhe venda F-Zero 64. Você compra. Você adora. Você correu aquelas mesmas dez pistas até seus olhos sangrarem. Normalmente, esse é o fim da história. Mas e com o 64DD? A Nintendo lança um novo disquete — apenas algumas pistas novas. Não uma continuação completa, sem um grande ciclo de desenvolvimento. Apenas algum conteúdo novo barato de fazer e vendido por US$ 10.
Ou imagine um jogo de luta com novos personagens, um jogo de plataforma com novos níveis — nada enorme, apenas o suficiente para manter a base de jogadores engajada e pagando. Os disquetes do 64DD eram baratos, regraváveis e, mais importante, controláveis. Eles foram projetados para ser o método de entrega para esse fluxo infinito de conteúdo em pequenas quantidades.
E então a Nintendo teve o verdadeiro golpe de brilhantismo megalomaníaco: "Por que parar em apenas vender disquetes em lojas? Por que não se tornar totalmente digital?". Porque, como os disquetes eram graváveis — ao contrário dos CDs — você nem precisava vender um produto físico. Você podia vender o próprio 64DD aparelho fisico e então tratar os disquetes como um mini disco rígido e entregar o conteúdo online por meio de uma lojinha personalizada e, mais importante, sua. Sem custos com embalagem. Sem custos com frete. Sem varejistas recebendo comissão. Apenas lucro puro e sem comissão, transmitindo diretamente de Kyoto para a sua sala de estar.
Era mais barato para o cliente, mais barato para a Nintendo, e todos ganhavam! ...Bem, todos, exceto os varejistas. Mas a Nintendo não estava no negócio de "caridade para a Magazine Luíza". Eles estavam no negócio de "tirar dinheiro dos jogadores". Ou assim era o sonho.
Essa era a visão: um ecossistema baseado em disquetes onde a Nintendo controlava a produção, a distribuição, as atualizações, os preços — tudo. Anos à frente do seu tempo. Um futuro baseado em assinaturas que fariam dinheiro entrar mensalmente sem vc precisar lançar um jogo novo caro de fazer.
ESPERA UM MOMENTO— ISSO... ISSO PARECE MUITO COM A FORMA COMO OS JOGOS FUNCIONAM HOJE, NÃO É?!
Sim, Jorge. Sim, parece. E essa, meu amigo, é a parte mais impressionante de toda essa saga. Porque em sua busca incansável pelo lucro máximo, a Nintendo não moldou a indústria de jogos apenas uma vez com a ressurreição do NES após os restos queimados da Atari. Eles a inventaram DUAS VEZES. Isso mesmo. O modelo de negócios que domina os jogos em 2025 — DLCs, passes de temporada, lojas online, entrega de conteúdo ao vivo — já tinha sido idealizado pela Nintendo em 1995.
Não estou nem exagerando. Eles tinham um sistema literal de passe de temporada. Você podia pagar uma assinatura mensal de US$ 25 para acessar o conteúdo do serviço online deles (da maneira limitada, discada e movida a carvão, como a internet funcionava naquela época) ou podia comprar os disquetes individuais do 64DD à la carte, como os pacotes de DLC modernos.
Para nós, que vivemos nesta era moderna de passes de batalha e pacotes de expansão, tudo parece... normal. Como se fosse assim que os jogos evoluíssem, como se a indústria tivesse naturalmente se deslocado nessa direção.
Um complemento de console não feito para potência, gráficos ou armazenamento. Mas para monetização. Para fluxos de receita contínuos e de longo prazo. Eles estavam prontos para vender novos conteúdos, gota a gota, diretamente para o seu N64, com a gloriosa magia da internet discada.
Porque esta é provavelmente a pergunta que está martelando na sua cabeça agora: "Ok, o sistema funciona. A gente SABE que funciona — vemos isso diariamente, vivemos nele há décadas. Então... se a Nintendo inventou o modelo em 1995, por que diabos o 64DD falhou?"
Bem... essa é a questão, não é?
A resposta curta é a mesma coisa que deu início a toda essa confusão: a Nintendo subestimou a Sony. Eles achavam que o PlayStation era uma moda passageira. Um brinquedo. Uma distração bonitinha da verdadeira indústria de jogos. Eles estavam errados. Muito, muito errados.
Vamos voltar para 1995, antes do 64DD chegar ao mercado. A mentalidade da Nintendo era cristalina:
“Desenvolvedores estão migrando para a Sony? Aqueles traidores ingratos? Pfft. Nada demais. Assim que o Nintendo 64 for lançado — e Miyamoto lançar sua próxima obra-prima — nosso console venderá um bilhão de unidades da noite para o dia. A Sony será esmagada pelos números brutos, os desenvolvedores voltarão rastejando e nós aumentaremos as taxas de licença só para mostrar a eles o que acontece com desertores. MWAHAHAHA!”
Ou, você sabe, algo nesse sentido — talvez com um pouco menos de vilões retorcendo os bigodes, talvez não. Mas a parte importante disso é que ... parte desse plano realmente funcionou. Porque o Nintendo 64 foi lançado, e Miyamoto entregou um jogo tão divino, tão alucinantemente revolucionário, que reescreveu toda a linguagem dos jogos de plataforma 3D.
SUPER MARIO 64 não foi apenas bom — foi milagroso. Vendeu milhões de unidades do N64. No dia do lançamento, o N64 vendeu o que o PlayStation levou meses para vender. O Sega Saturn, coitado, já estava tossindo sangue no canto. E esses números não são hiperboles minha:
Miyamoto realizou o milagre. Porque é claro que ele fez. Ele é o Shigeru Miyamoto — o homem, o mito, a divindade do design de níveis. SUPER MARIO 64 era isso tudo mesmo e sozinho vendeu milhões de consoles.
Mas... se tudo correu conforme o planejado, por que não deu certo?
Porque a Nintendo esperava que os desenvolvedores quebrassem. Mas eles não quebraram. Capcom. Konami. Squaresoft. Enix. Namco. SNK. Os titãs do desenvolvimento de jogos japoneses olharam para a glória de curto prazo da Nintendo... e se mantiveram firmes. Mesmo com os N64s voando para fora das prateleiras, eles permaneceram com a Sony — apesar dos tempos difíceis, das restrições de hardware, da incerteza.
E a longo prazo eles venceram. Porque foi naquele momento que a biblioteca do PlayStation explodiu em um panteão de grandes jogos de todos os tempos: RESIDENT EVIL, TOMB RAIDER, TEKKEN 3, MEGA MAN X4 , GRAN TURISMO, CASTLEVANIA: Symphony of the Night e — o mais devastador de tudo — a singularidade transdimensional, profana e inexplicável que era, a inenarravel balada da vendedora de flores que fez o mundo inteiro chorar e se apaixonar por RPGs japoneses...
E por que tudo isso importa para a 64DD? Porque a Nintendo não havia levado em conta nada disso. Eles não esperavam que a Sony sobrevivesse. Eles definitivamente não esperavam que o PlayStation prosperasse. E eles com certeza nunca esperaram — nem em um milhão de anos — perder. Mas era exatamente isso que estava acontecendo.
O PlayStation, apesar de ter um hardware objetivamente inferior ao Nintendo 64 em termos de potência bruta, não estava apenas sobrevivendo — estava vencendo. Consumindo fatias de mercado como rosquinhas em uma convenção policial. A Nintendo nunca havia imaginado um cenário em que fosse a azarona. Isso simplesmente não estava nos planos. Não fazia parte do plano mestre. Mas estava acontecendo, e pior — estava acontecendo rápido.
A verdade nua e crua era: a Nintendo estava agora em modo de sobrevivência. O sonho do 64DD — o futuro digital, a revolução dos DLCs, a utopia das lojas online — não era mais uma prioridade. Não havia tempo para revolucionar o modelo de negócios quando as tropas desembarcavam na praia, agitando bandeiras da Sony e carregando FINAL FANTASY 7 em suas mochilas.
Então isso nos leva ao fim da nossa história.
O ano é 1999, e a quinta geração de consoles está dando seus últimos suspiros. O Sega Dreamcast acabou de ser lançado em setembro. O PlayStation 2 surge no horizonte, com lançamento previsto para março de 2000. A próxima guerra já está começando. É. A quinta geração chegou e se foi. Nós rimos e choramos, nos divertimos e xingamos controles, mas é um fato inexoravel do tempo que a era do Playstation, Sega Saturn e Nintendo 64 caminha para o seu ocaso.
E ainda assim... eles tinham perdido. Eles não previram isso. Eles não poderiam ter previsto isso — não de seu trono dourado durante os dias do Super Nintendo. Mas o mundo mudou, e o futuro seguiu em frente sem eles. A sexta geração havia chegado e, pela primeira vez em décadas, a Nintendo não a liderava. Eles lutavam para sobreviver.
E em algum lugar em Kyoto, em meio à névoa do fracasso e da reavaliação corporativa, algum engenheiro — com os olhos arregalados e ocos, vagando pelos corredores estéreis da sede da Nintendo — tropeçou em um protótipo empoeirado escondido em uma sala de desenvolvimento esquecida. Lá estava.
O 64DD.
Não como um farol de progresso. Não como uma nova fronteira. Mas como uma relíquia. Uma lápide. Um lembrete do que eles pensavam que o futuro seria — um futuro que deveria ser gentil, lucrativo, previsível. Um futuro onde a Nintendo ainda dominasse o mundo. E talvez — apenas talvez — eles pensassem: "Bem, já chegamos até aqui. É melhor lançar essa porcaria". E eles fizeram.
Final de 1999.
Bem no final da geração que ele deveria revolucionar. Não como o novo e ousado modelo de negócios que remodelaria os jogos para sempre... mas como um desesperado e sussurrado "por que não?". E foi assim que o efêmero N64DD surgiu. Lançado tarde demais. Apoiado por poucos jogos. Aposentado rápido demais. Não foi uma revolução.
Foi um eulogia — uma despedida silenciosa do sonho mais ambicioso da Nintendo: o sonho de monetizar os jogos exatamente da maneira que hoje conhecemos como padrão. Um sonho que se mostrou distante demais e sem suporte suficiente para sobreviver.
Porque, no final do milênio, a Nintendo tinha problemas muito maiores para se preocupar do que moldar o futuro. O PlayStation 2 estava chegando. E desta vez, a Nintendo sabia — com absoluta certeza — que ia doer. O inverno estava chegando. E não havia mais espaço para sonhar com verões dourados como o 64DD.
Epílogo: O Futuro Que Nunca Existiu
E assim a cortina caiu sobre o Nintendo 64DD — não com uma fanfarra triunfante, nem mesmo com indignação ou escândalo, mas com silêncio. Um suspiro abafado de uma empresa antes tão certa de sua infalibilidade, agora encarando um futuro que não reconhecia mais.
Pela primeira vez em sua história, a Nintendo havia experimentado a derrota. Não o tipo de tropeço que se ignora com um sorriso de Mario e um comercial inteligente. Não um fracasso peculiar como o Virtual Boy, facilmente descartado como um experimento paralelo.
O mundo havia mudado sob os pés da Nintendo. Os jogadores haviam crescido. Os desenvolvedores haviam seguido em frente. As regras haviam mudado — e a Nintendo fora orgulhosa demais para ver isso. Eles passaram a década de 1990 criando sonhos em silício e plástico, acreditando que somente seu legado poderia traçar o curso da indústria. E, no entanto, lá estavam eles, no final da década, perdidos no frio.
O 64DD tornou-se um monumento — não à inovação, mas à arrogância da certeza. Um fóssil de uma linha do tempo alternativa. Um vislumbre de um mundo onde a Nintendo reinventou o negócio antes que a Sony pudesse colonizá-lo. Onde o futuro chegaria pelos portões de Kyoto em vez dos de Tóquio. Mas esse mundo nunca se concretizou. E o 64DD foi silenciosamente deixado para trás — seu potencial enterrado sob prioridades mutáveis, recursos escassos e a longa e sombria sombra do PlayStation.
E é aqui que o deixamos. Não com resolução. Não com redenção. Mas com uma pergunta, pairando no monte de neve:
O que você faz quando o mundo segue em frente sem você?MATÉRIA NA GAMERS