[SNES] DONKEY KONG COUNTRY (Novembro de 1994) [#667]
Nossa história de hoje começa um pouquinho antes do que costuma começar,
mais precisamente no dia 23 de setembro de 1889. Uma coisa muito importantes aconteceu na última semana de setembro de 1889: a
Convenção Geral de Pesos e Medidas definiu como “metro” a distancia entre
duas linhas em uma barra padrão de aluminio com 10% irídio, medidas no ponto
de derretimento do gelo.
Agora você sabe, e saber é metade da batalha.
Ah sim, outra coisa que aconteceu foi que no dia 23 de setembro do ano de
1889 em Kyoto um japonês muito simpático chamado Fusajiro Yamauchi abriu uma
loja de cartas para um jogo chamado Hanafuda. Naquela época o governo
japoneses tinha umas leis estranhas completamente xenofobas (totalmente
diferente de hoje, claro) e uma das consequencias é que jogos de cartas
estrangeiros eram completamente banidos, incluindo aí o Hanafuda (que era
uma variação do Zanga, que é um jogo tão complicado que mesmo RPGistas com
seus livros de regras de 300 páginas não se metem com ele). Acontece que
Fusajiro viu aí uma oportunidade de fazer dinheiro onde ninguém mais via:
sua loja vendia cartas de Hanafuda artisticamente pintadas a mão, assim
mesmo que você não jogasse o jogo ainda poderia comprar as cartas para
decoração ou impressionar sua gueixa favorita e prometer tira-la dessa vida,
algo assim.
E sabe de quem caiu no gosto por essas cartas? A Yakuza. Ora, uma reunião
de mafiosos não é uma reunião de mafioso em nenhum lugar do mundo sem
gangsters tatuados mal encarados jogando cartas em uma sala mal iluminada. E
se estas cartas forem pequenas obras de arte de um jogo proibido pelo
governo, bonus de estilo gangsta! E a mafia é tudo sobre estilo, afinal. E
tomar dinheiro das pessoas por intimidação, eu acho que é uma parte
importante disso também.
E assim graças a Yakuza os jogos de Hanafuda voltaram a moda e por tabela a
loja de Fusajiro se popularizou imensamente. Porque você acha que isso de
pagar pau pras modinhas dos "vidaloka" é coisa de hoje?
Seja como for, videogames só existem hoje graças a máfia japonesa, quem diria,
não?
Durante os próximos 80 anos a Nintendo procurou sem sucesso um ramo para
expandir os seus negócios, e olha que eles tentaram: a Nintendo tentou com uma
rede de TV, uma companhia alimentícia – que tentou vender arroz instantâneo,
no estilo do macarrão instantâneo – e até mesmo uma cadeia de motéis. Eu
simplesmente não sei nem por onde começar com a quantia de piadas que podem
ser feitas disso, mas tenho fé na sua inteligência.
Nos anos 60 a Nintendo estava praticamente falida afinal era uma fucking
empresa que vendia baralhos, o quão financeiramente saudável pode ser esse
negócio? (Você fique quieta, Copag). O primeiro grande e verdadeiro sucesso da
empresa veio com a Ultra Hand, uma mão bionica bagaceira desenvolvida por um
dos seus engenheiros de manutenção nas horas vagas. O sucesso da Ultra Hand
fez a Nintendo acreditar que o futuro para sua salvação estava no setor de
brinquedos – e pelos antigos deuses e pelos novos, não é como se eles não
tivessem tentado de tudo mesmo até aquele ponto.
É Nintendo ou nada!
Como a política da Nintendo era topar qualquer coisa desde que a mantivesse
viva, não foi sem surpresa que ela decidiu arriscar e ser a distribuidora do
Magnavox Odyssey no Japão. E como você já pode imaginar a essa altura que o
primeiro videogame do mundo era uma merda e nem mesmo o gosto altamente
peculiar dos japoneses era páreo para isso.
Quando você é rejeitado em um país em que existe a calcinha jeans, você
sabe que não era para ser.
Entretanto a Nintendo viu um potencial nesse ramo e continuou batendo nessa
tecla de “tralhas eletronicas para a família” e você já pode
começar a imaginar onde nisso vai terminar. Após muitas tralhas que fariam
qualquer loja de 1,99 sentir vergonha (como um infame “amorometro”), a
Nintendo acabou se metendo a fazer arcades também entretanto havia um grande
problema nisso: a Nintendo tinha tanto talento para fazer jogos quanto tinha
para gerenciar uma rede de moteis e seus arcades eram notoriamente HORRÍVEIS.
Ok, você pode achar que eu estou exagerando, então me pertmita te apresentar o
EVR RACE, que era um "jogo" onde tinha uma duzia de corridas pré-gravadas e
até 5 “jogadores” podiam apostar em quem ia ganhar. Uau, exatamente o que as
crianças estava esperando para torrar o dinheiro de suas mesadas, hã? Depois
esses birutas vão a falência e não sabem o porque…
Esse era o nível da coisa...
O destino da Nintendo no ramo de games era tão brilhante quanto havia sido em
tudo até então, não fosse o fato que o destino certo dia olhou bem para os
caras e disse: “Ah, quer saber? É hoje!”.
Aconteceu que na época Hiroshi Amauchi era o presidente da Nintendo e um amigo
de um amigo dele conseguiu um carteiraço para que o filho dele, recém-formado
em artes, tivesse uma boquinha na empresa – e você achando que os japoneses
não faziam esse tipo de patifaria, né?
Bem, o que uma empresa que se focava em arcades e brinquedos eletrônicos faria
com um cara recém-formado em, pff, design industrial? Sério, pra que diabos
contrataram um wannabe artista, além do fato do presidente fazer uma média com
seus chegados? Por isso colocam o cara para pintar as laterais dos arcades da
empresa, já que ele era um “artista”, né?
Sabe, até aquela época jogos eram feitos por nerds cabeçudos quase
individualmente de forma bastante técnica. Você tinha uma ideia, ia lá,
programava, e tava feito o seu jogo. Não existiam coisas como “arte
conceitual” ou um pensamento mais profundo de um artista de verdade, ninguém
nunca havia feito algo assim antes... e não tão frequentemente assim depois,
videogames ainda não são conhecidos por serem uma expressão de arte ou
quererem passar qualquer coisa realmente... De toda forma, agora a Nintendo
tinha um artista na sua folha de pagamento de qualquer maneira…
Como o cara estava de bobeira por lá mesmo começou a dar sugestões nos
conceitos de jogos que via seus colegas trabalhando – idéias que só podiam vir
de alguém que não entendia absolutamente nada de programação. E os palpites
dele começaram a fazer com que os jogos ficassem exponencialmente melhores e
isso fez com que ele fosse levado para o departamento de planejamento.
Naquele ano, em 1980, a Nintendo estava embuchada com dezenas de arcades
de um clone genérico de Space Invaders que eles havam feito chamado Radar
Scope que havia sido mais um “próximo grande sucesso fracassado” da empresa.
Como não tinha mais o que fazer com aqueles arcades o presidente decidiu
tentar não ter uma perda total e converter o equipamento em algum outro jogo
para arrancar o maximo de lucro daquelas porcarias com o menor esforço
possível, mas como não era um projeto realmente importante (era mais um “ah,
melhor que nada, né…”) a Nintendo jogou para o único noob vadiando que tinha
por lá, justamente o nosso “artista” em questão.
Um tal de Shigeru Miyamoto, alias.
Que totalmente será interpretado pelo Willem Dafoe na biografia da
sua vida
E mesmo que fosse um projeto da décima oitava prioridade de uma empresa
pequena, pela primeira vez Miyamoto tinha carta branca para criar qualquer
coisa que ele quisesse. Ele finalmente poderia fazer “arte”, e efetivamente
“arte” ele fez.
Juntando meia dúzia de conceitos diferentes (King Kong, Popeye, A Bela e a
Fera) e trabalhando com as limitações técnicas da época (o herói teria que
usar um boné porque não tinha como fazer a animação do cabelo dele balançando
quando ele pulava, por exemplo), Miyamoto dirigiu (e aqui pela primeira vez se
usou a palavra “diretor” para um jogo, porque Miyamoto pessoalmente não
entendia muito de programação e ele mais coordenou a equipe do que outra
coisa) um arcade que viria a ser conhecido como “Donkey Kong”.
BOOM.
Conhece o Jumpman?
Sucesso. Fama. Iates. Mansões. Mulheres. Cem mil dolares.
Pela primeira vez o mundo parava para ver quem diabos eram esses japoneses
dessa tal de Nintendo porque o jogo deles não era nada como havia sido visto
até então. Não era um jogo de tiro, não era um labirinto nem nada do tipo,
era… era… o que diabos era aquilo? Era um novo gênero de jogo? E podia se
fazer isso?
Bem, não importava realmente: Donkey Kong foi primeiro grande sucesso da
Nintendo. Depois disso, todo mundo sabe como essa história termina: a Nintendo
reinventou a indústria de videogames e Mario é um dos personagens mais
reconhecidos do mundo. Mas... o que foi feito do vilão do jogo, Donkey Kong?
Bem, não muita coisa realmente. Teve mais algumas sequencias, incluindo
"Donkey Kong Jr" onde ele era sequestrado pelo Mario e seu filho tinha que
salva-lo, DK Jr se tornou personagem jogável em SUPER MARIO KART e isso é meio que tudo.
Como tantas estrelas do passado, Donkey Kong caiu no ostracismo e foi engolido
pelas areias do tempo. Ou teria sido, se não fosse que em 1994 a Nintendo
estava com um grande problema em suas mãos. A passagem de uma geração para
outra de consoles nunca é fácil, é mais ou menos como mudar de casa e se você
já fez isso sabe que são algumas semanas nas quais sua rotina completamente
sai do normal e você vive apenas em função disso.
De igual modo, a Nintendo estava realmente com as mãos cheias em 1994. Seus
principais times internos estavam trabalhando a todo vapor para entregar o
Nintendo 64 em 1995 com um jogo que venderia o console novo, como é a tradição
da Nintendo fazer (imagina só ter 4 sistema diferentes no mercado ao mesmo
tempo e não dar sequer uma razão para comprar qualquer um deles? Uma empresa
teria que ser muito sega para não ver que isso é uma péssima ideia).
Talvez... tenhamos ido longe demais
O que é muito bom, mas não mudava o fato que a Big N ainda precisava lançar
jogos para o SNES. Tipo agora, não ano que vem. Uma parte da equipe estava
trabalhando no que originalmente seria Super Mario World 2 e acabou sendo
lançado como Yoshi's Island... mas esse jogo ficaria pronto apenas para 95
também. O que não resolvia o problema que a Nintendo precisava de um jogo para
o natal de 1994 e um jogo foda pra caralho.
O natal de 94 era um ponto muito importante porque a Sega estava lançando um
console novo e um acessório para o Mega Drive (sabe-se lá Deus pq...) e a Sony
também estava lançando o seu console, então eles definitivamente precisavam de
algo de peso para roubar o trovão da concorrencia. Mas da onde eles tirariam
um jogo assim?
Não havia ninguém no Japão com o tempo livre necessário, todas as grandes
produtoras estavam até o pescoço de trabalho com seus próprios projetos e se
preparando para a próxima geração, de modo que a única saída foi fazer algo
que japoneses não são muito fãs de fazer: buscar ajuda no exterior.
O que, em caso de videogames, era um problema bem sério porque eu acho que já
deixei muito claro nesse blog o que eu penso das escolhas de design ocidentais
para level design. Tirando empresas que faziam jogos de nichos específicos,
como os point'n click da Lucas Arts, os puzzle plataformer da Delphine
Software ou os FPS da ID Software, no geral os jogos ocidentais não costumavam
ser... você sabe, bons. Acho que nada é mais iconico do que lembrar que o jogo
ocidental mais bem sucedido era Mortal Kombat que ficou famoso por tudo exceto
ter um gameplay bom. E eu não vou nem começar sobre os jogos de plataforma
europeus...
Eis aqui a REAL história dos bastidores de DKC
Então era possível encontrar ajuda no ocidente? Sim, mas seria necessário
algum esforço. A Blizzard seria uma boa escolha, mas eles estavam trabalhando
em um RTS inspirado em DUNE: The Battle for Arrakis só que com orcs e humanos - um tal de Warcrat, não sei se isso deu em
alguma coisa. A ID Software idem, preparando seus FPS para rodar em ambientes
totalmente 3D. A Lucas Arts e a Delphine, como já dito, faziam jogos muito de
nicho que não dariam um bom blockbuster.
O que a Nintendo queria, o que eles precisavam, era de um estúdio
particularmente talentoso mas que não estivesse muito ocupado. Talvez alguém
que mostrasse um bom potencial mas nunca tivesse conseguido realizar todo ele
devido a falta de experiencia... ou de bom senso. Vamos imaginar, sei lá, um
jogo que poderia ter sido realmente bom e que teria chegado lá e tivesse
alguém mais experiente aconselhando. Onde pode se achar alguém assim?
Oh sim, eles fizeram isso. Ao que a Rareware simplesmente respondeu:
Bem, a lógica da Nintendo não estava realmente errada. A Rare de fato cria
bons jogos com gráficos bonitos, gameplay supervariado e controles sólidos -
sem o bullshit floatsy Amiga-like. Se apenas eles pudessem ser contidos por
sua paixão demente por fazer jogos injogaveis pela sua dificuldade... bem,
pelo menos isso é a parte mais fácil de resolver, basta colocar dinheiro
nisso.
Com efeito, a Nintendo comprou 49% da Rare e colocou ordem na casa: "vocês
vão continuar fazendo o que sabem fazer, mas que nem gente decente". E foi o
que aconteceu, porque afinal:
Bem, então nós temos aqui que a Nintendo pegou um personagem dela para os
quais eles não tinham realmente grandes planos (para não dizer que eles
tinham até esquecido que o Donkey Kong era um personagem deles) e deu na
mão de um bando de caras que sabem fazer um bom jogo, são altamente
criativos e estão proibidos de foder a porra toda. O que possivelmente
poderia dar errado? Bem, nada.
Ao que quando a Nintendo pediu para eles "façam um jogo que possa competir
com os consoles da próxima geração", eles responderam apenas "super easy,
barely an inconvenience!". O que nos leva a pergunta: como um jogo de SNES
pode competir com jogos de sistemas muito mais avançados? Não é como se ele
pudesse, sei lá, tipo rodar gráficos renderizados em 3D mais bonitos do que
Toy Story (que só sairia dali a um ano, alias)... mas será que não podia
mesmo?
NÃO, NÃO PODIA.
Mas será que não mesmo?
NÃO TEM COMO, O SUPER NINTENDO NÃO TEM CAPACIDADE DE FAZER ISSO.
Hmm, e se o jogo só PARECER que está é uma produção 3D de altíssima
qualidade?
ESPERA, O QUE?
E esse é o truque realmente esperto que a Rare tirou da manga aqui: todo
mundo estava perdendo seus marmores a respeito de jogos 3D super
renderizados e tal, e é claro que o SNES não podia fazer uma coisa dessas.
Com efeito, nem o Playstation podia.
Holy shit... mas se nem o PS1 podia exibir gráficos bonitos desse jeito,
como foi que eles conseguiram fazer ISSO no SNES:
Super simples: MORTAL KOMBAT. Como todo mundo sabe, os gráficos do SNES são formados por desenhozinhos
chamados de sprites. Mortal Kombat teve a sacada que esses sprites não
precisavam ser necessariamente desenhos, podiam ser fotografias
digitalizadas por exemplo. CLAYFIGHTER foi um passo além e fez isso com fotografias de massinhas de
modelar.
Lembrando disso, não é tão misterioso então como a Rare fez esses gráficos
no SNES: eles modelaram os gráficos em 3D no jogo criados em computadores da
NASA da Sillicon Graphics (parceira da Nintend que estava desenvolvendo o
Nintendo 64, e que havia ficado famosa pelos efeitos especiais do
Exterminador do Futuro 2). Cada frame de modelo 3D levava alguns dias para
ser renderizado com os computadores da época (o que não mudou tanto assim,
um filme 3D de altissima qualidade como os da Disney as vezes levam dias
processando cada quadro de animação), assim que os gráficos estavam prontos
a Rare então transformava em um jpg (tá, não um .jpg, mas vc entendeu a
ideia) e transformava em um sprite de Super Nintendo.
Uma animação 3D no computador é desse jeito. HOJE você precisa de um
computador tão poderoso que só o calor que ele gera cozinharia um
costelão 12 horas trabalhando durante aproximadamente 30 horas em
potencia máxima para transformar isso aí...
... nisso. 30 horas para cada quadro de animação, sendo que um filme
tem 24 por segundo. Mas ainda sim deixar um computador trabalhando e
ir dormir é mais barato do que ter um artista profissional
desenhando cada quadro de animação a mão, então animação 3D acaba
saindo mais barato que 2D
Parece algo bem simples de fazer em teoria, mas na prática a quantidade de
quadro de animação que eles tinham que usar e a qualidade das imagens
necessárias para o jogo enganar que estava rodando em 3D em tempo real e não
fosse percebido que era apenas um jogo de plataforma 2D com sprites como
qualquer outro era algo mais fácil de falar do que fazer. A Nintendo
desenvolveu um cartucho maior para a Rare trabalhar, de 32 MB (até então o
maior cartucho jamais feito tinha sido o de SUPER METROID com 24 MB) e mesmo assim a Rare virou noites e noites em claro
tentando enfiar todos os quadros de animação e gráficos com a maior
qualidade possível dentro do espaço limitado do cartucho.
Pra vc ter uma ideia, em SUPER MARIO WORLD todas as ações que o Mario faz no jogo são compostas por de 18
sprites (que exibidas em sequencia dão a ilusão de movimento):
TODA existencia do Mario nesse jogo está comprimida em 18 imagens. Em DKC,
apenas caminhar da direita para a esquerda tem 20 sprites. Apenas caminhar,
sem contar pular, pegar itens, nadar, montar nas montarias, todo o resto.
Apenas andar é toda existencia do Mario. Agora ISSO é trabalho.
Então, okay, devido a uma ilusão de ótica em que o publico leigo na época não
saberia explicar como foi feito senão acreditar que era realmente um jogo
rodando com gráficos 3D super impressionantes (e, sejamos honestos, nem as
revistas especializadas), esse era o jogo mais bonito jamais feito até então.
O que por si só já era muita coisa e certamente por si só venderia
perfeitamente o game. Mas para nosso proposito aqui não adiantaria todas
conquistas técnicas do mundo se o jogo não fosse, você sabe, bom. E aí, Donkey
Kong Country é bom?
É o que veremos a seguir.
Nossa história se passa muitos anos após o Donkey Kong original do arcade.
Nosso herói (ou melhor, antigo vilão) agora contempla o ocaso de seus dias,
lembrando dos bons e velhos tempos quando a vida era sequestrar Paulines e
arremessar barris em italianos bigodudos chamados Jumpman. Aqueles foram os
dias da sua vida, eu te digo.
Hoje as coisas são bem diferentes, os italianos bigodudos tem nome e são
grandes estrelas e ninguém mais aprecia a nobre e velha arte de arremessar
barris, o charme de uma bela concussão perdido para sempre nas areias do
tempo. Ah, os jovens de hoje em dia...
Mas sobre o que será esse jogo então? Um épico introspectivo sobre os últimos
dias de uma antiga estrela? Uma versão de Old Man Logan com macacos? Old
Monkey Kong?
Claro que não, SEU COROA! O FUTURO É AGORA, OLD MAN!
Mas falando sério, eu gosto bastante do tom que a Rare empregou aqui, não se
levando tão a sério porque essa vai ser uma aventura divertida, e essa
introdução passa bem a ideia de uma aventura sessão da tarde. Ela faz o que
uma introdução de jogo realmente deveria fazer: passar o tom do que você vai
encontrar, e o tom aqui é relaxar e ter um bom tempo. Vai ser divertido, é
isso que a abertura te diz.
DKC não foi o primeiro jogo vendido pelo seu espetáculo visual, mas é um dos
poucos a ser lembrado por isso... bem, ao menos lembrado com carinho,
né EARTHWORM JIM?
Então, o que exatamente sobre o jogo garantiu que ele persistisse em nossa
memória como um grande jogo após todo esse tempo? No final do dia, era um
jogo incompreensívelmente bonito para sua época mas ainda era um jogo de
plataforma, certo? Você tem um botão pra correr, um pra pular... e é isso.
Sem nenhum grande gimmick no gameplay, nada que o primeiro Super Mario Bros
já não tivesse feito quase uma década antes.
Mas se DKC é mais do que os seus gráficos e o jogo é simples... então o que
acontece aqui?
Bem, acho que a resposta para isso é um tanto complexa, mas se eu tivesse
que resumir em alguma coisa resumiria em uma palavra: imersão. Apesar de ser
só sobre um macaco procurando recuperar seu hoard de banadas, Donkey Kong
Country desperta emoções e proporcionou sensações que poucos de seus pares o
fizeram. E assim como são necessárias algumas bananas para fazer um cacho,
também existem várias razões para explicar como Donkey Kong Country elevou a
imersão ao próximo nível.
Para começar os gráficos. Não apenas "pq é bonito", sim claro, mas vamos
além dessa redução simplista, vamos olhar mais a fundo no que eles
representam na prática. Os gráficos de DKC foram originalmente renderizados
em computadores termonucleares de tão poderosos que levaria muitas decadas
até poderem ser reproduzidos em consoles domésticos. O resultado mais claro
disso são os gráficos redondinhos e bonitos, mas vai além disso. Os
computadores da Silicon Graphics podiam calcular iluminação e peso das
coisas com uma precisão que nunca havia sido utilizada em um jogo antes.
Esse é um dos motivos pelos quais os gráficos de DKC não apenas porque eles
são bonitos, mas eles tem uma sensação de peso e a iluminação das fases é
algo que nunca tinha sido feito em um videojogo antes. Claro que no processo
de "spritelizar" isso tudo muita coisa se perdeu, mas ainda sim esse jogo
está vários passos a frente de qualquer coisa na sua época na física do seu
mundo. E honestamente, afrente de muita coisa que viria a ser feita depois,
mesmo o PS3 teria dificuldade em fazer em tempo real algo com a qualidade de
DKC (que, preciso lembrar, claro que foi renderizado a velocidade de um
quadro de animação por semana).
Uma coisa que eu não aproveitei quando criança e me diverti bastante
rejogando agora foi as falas do Cranky Kong reclamando dos jogos de
hoje em dia, que no tempo dele... além de reclamar das limitações
técnicas do jogo
Para a época era quase como se o seu Super Nintendo estivesse exibindo um
filme da Pixar em tempo real ... sendo que isso foi um ano antes de Toy
Story ser lançado.
Então você tem esse jogo com uma fisica e iluminação, efeitos de sombra
(quando um raio cai no background, por exemplo, ele ilumina a fase toda
considerando a sombra projetada pelas arvores entre você e o background) e
etc, nunca antes feitos na história dos videogames. Agora, sabe o que esse
jogo NÃO tem? Um HUD. Repare bem, não tem nada na tela além do jogo. Sem
contador de pontos, de vida, de energia, nada.
Durante a maior experiencia do tempo você tem a tela completamente limpa, e
isso faz maravilhas pela imersão também. A Rare foi realmente inteligente
sobre isso, porque não apenas deixa o jogo mais bonito, mas ele só te mostra
o minimo possível para não ficar te distraindo. O número de bananas que você
tem aparece apenas quando você pega bananas e some logo em seguida, o número
de vidas aparece só quando você perde uma e os macacos na tela são o próprio
medidor de energia (Se vc tem dois macacos tem dois hits, se tem um é um
só).
Isso gera um efeito que o jogo parece menos com um jogo e sim que você está
imerso assistindo um mundo próprio. E definitivamente está ouvindo um. Uma
coisa que eu insisto é que os efeitos sonoros em um jogo tem a função de
causar sensações positivas ou negativas ao jogador. Pisar nos inimigos tem
que ter um som satisfatório, ter uma ação frustrada tem que ter um som
negativo. É apenas assim que o cerebro humano funciona, através de um
sistema de recompensa e punição, e mais do que poucos jogos falham em
entender isso.
A trilha sonora desse jogo é tão boa que consegue a façanha de transformar a
nemesis de todo gamer, a fase da água, em... paz.
DKC não é um desses jogos, todos os efeitos sonoros desse jogo tão
deliciosos. Melhor ainda as músicas do jogo contribuem muito também com a
imersão já que as trilhas sonoras são compostas com elementos da fase que
elas estão representando. Por exemplo a fase da caverna tem o som de gotejar
de ecos como parte da música, a fase da floresta a noite tem o som de gritos
e a fase durante a nevasca passa uma sensação de frio e isolamento que
aumenta conforme a nevasca piora. Além de serem, claro das melhores trilhas
sonoras já compostas para um jogo de SNES, isso costuma ajudar tb.
Mas okay, agora que temos uma imersão ideal no jogo com física tão boa
quanto possível calculada por computadores subatomicos... o que você faz
nele, exatamente? Algumas culturas costumam achar isso importante, sabe?
Bem, o level design aqui é bastante interessante. A priori basta você ir da
esquerda para a direita e isso é isso, porém a Rare aproveitou uma coisa que
eu sempre defendo: quanto mais simples alguma coisa, mais você tem o dever
de fazer mais ainda com isso. Então ao invés de ter um gameplay super
complexo com mecanicas que precisam de seis páginas do manual para ser
explicadas (né ZERO THE KAMIKAZE SQUIRREL?), eles se focaram em um gameplay bastante simples e rechear as fases com
muitos segredos e colecionaveis, atalhos, fases de bonus e tudo mais que
você puder imaginar.
Para o garoto médio, pré-internet dos anos 90, não haviam gamefaqs,
tutoriais no Youtube, nenhuma mente coletiva de jogadores que descobriram
todos os segredos na hora do almoço do dia do lançamento. O melhor que
você tinha é saber no recreio de alguém que soube de um primo que consegue
fazer.
Pra vc ter uma ideia, o detonado completo da Nintendo Power tinha 164
páginas mostrando todos opcionais que o jogo tinha e ainda sim algumas
coisas ficaram de fora. Agora imagine que você é uma criança que ganhou
esse jogo no natal de 1994, como tantos milhões de crianças ganharam. Esse
é um jogo plataforma que não apenas você pode jogar e terminar, mas passar
meses sobre ele explorando cada canto e segredo que há para ser
descoberto. Isso dá um valor muito grande ao jogo, e é justamente a
mensagem que a Nintendo quer passar, "compre coisas da Nintendo e não se
incomode".
Uau, mais de vinte e cinco anos depois eu realmente não fazia ideia
disso
O que é algo que eles mantém até hoje, embora ao longo de todos esses anos
a Nintendo tenha cometido muitos erros com seu hardware, a nível de jogos
hoje é tão verdade quanto era em 1994 que ao comprar um jogo com o logo da
Big N na capa você está resolvido pelos próximos meses.
E sabe, isso me levou de volta à minha infância. Todo mês, eu abria minha
mais nova edição da Ação Games, passava para o meio da revista e
encontrava a seção de dicas - aquelas páginas valiosas com fundo branco -
e anotava num caderno as dicas de todos os jogos que tinham nas locadoras
da minha região.
Ainda me lembro dos meus favoritos: a dica de dinheiro infinito em SIM CITY, o password para ver o final em ALIEN 3 (naquela época ver finais de jogo era algo muito raro) e, claro, o
truque para vidas infinitas em Donkey Kong Country.
Se isso não é fazer valer seu dinheiro, não sei mais o que seria.
E, para encerrar, eu queria adereçar em como a Nintendo impediu que a Rare
cagasse o jogo. Porque, como qualquer um que jogou BATTLETOADS sabe muito bem, essa é a maior ruína da Rare: sua tendencia
autodestrutiva de tornar seu jogo injogável porque dificuldadeeee.
O que a Nintendo acordou com a Rare então: já que vocês tem essa tendencia
patológica de tornar o jogo injogável, vamos fazer isso de uma forma
civilizada. Eis como as coisas funcionam: um jogo de plataforma da época
tinha algo em torno de uma hora de gameplay e em torno de algo como vinte
fases. Donkey Kong Country tem duas horas de gameplay e cerca de quarenta
fases
Durante a primeira hora o jogo é acessível e user friendly (ou seja, a
duração de um jogo "normal" inteiro), a partir da segunda hora a Rare faz o
que a patologia deles os obriga a fazer e arrepia na dificuldade. E, mesmo
assim, não é nada comparado com o que já vimos a Rare fazer antes. A segunda
metade de DKC é um jogo incrivelmente dificil, mas nada que faça você atirar
o controle na parede e amaldiçoar todas as gerações antepassadas de
gamemaníacos.
A Rare é como aqueles diretores que fazem cenas individualmente muito boas,
mas que precisam de um produtor para colocar a mão no ombro deles para dizer
"Amiga, seje menas". O que foi exatamente o que a Nintendo fez. A Rare foi
menas Rare, e com isso todos ganhamos exponencialmente.
O final dessa história é que Donkey Kong Country é o terceiro jogo mais
vendido da história do SNES (atrás apenas de SUPER MARIO WORLD e SUPER MARIO ALL-STARS), e mais importante que isso, enquanto todo mundo estava perdendo seus
marmores com os novos consoles ou mesmo o acessório do Mega Drive, DKC foi o
jogo que disse "gente, acalmem suas tetas, o SNES ainda dá conta do recado e
sobra". E de fato deu e sobrou.
Embora eu não seja muito fã de todos os jogos dessa lista, essa
propaganda passa bem a ideia de que enquanto a nova geração começava a
ganhar corpo o bom e velho Super Nintendo ainda tinha muita lenha pra
queimar
Um jogo dessa qualidade ser lançado no momento em que foi se configura um
dos melhores acertos da Nintendo em sua história. O jogo certo na hora
certa.