domingo, 27 de março de 2022

[#809][SNES] CHRONO TRIGGER [Março de 1995]

[DISCLAIMER: Embora eu tenha jogado esse jogo um tanto antes, eu estou publicando apenas hoje porque esse é um dia especial: dia 27 de março completamos 5 anos de blog. Cara, 5 anos é alguma coisa, não? Cinco anos...
E para essa data tão especial, eu quis trazer um jogo realmente especial, um jogo que representa a própria razão pelo qual esse blog existe, um jogo que representa porque eu amo videogames. Então sem mais delongas e enrolação, o especial de aniversário de 5 anos desse blog: O GATILHO DO TEMPO!]


Eu já disse isso aqui algumas vezes, mas direi tantas vezes forem necessárias: FINAL FANTASY 6  é o jogo mais importante na história dos videogames. Porque esse jogo é tão importante, você que não quer clicar no link pergunta? Bem, eis o seguinte: foi a primeira vez que um videogame realmente se focou em ser uma experiencia narrativa emocional. Claro, muitos jogos tinham história - melhor ou pior, normalmente pior - mas FINAL FANTASY 6 não é sobre uma história, não é sobre uma aventura: é sobre personagens e como um tema é retratado através dele. Em outras palavras, é arte contada através de um jogo.

FINAL FANTASY 6 é sobre perda, é sobre chegar ao fundo do poço e então encontrar forças para continuar. É um jogo em que na metade dele o vilão vence e os heróis tem que juntar seus pedaços em um mundo pós-apocaliptico e arruinado, tendo que enfrentar as consequencias do seu fracasso. Parece algo familiar pra você?


Por mais inovador e ousado que FINAL FANTASY 6 seja, não é um jogo perfeito. Pelo contrário. Claramente a Square estava tateando no escuro, aprendendo a cada dia enquanto fazia. FINAL FANTASY 6 é mais um experimento do que uma ideia perfeitamente realizada. Mas porque eu estou falando tanto de FINAL FANTASY 6? Bem, porque é importante entender isso: o que você faz depois de descobrir o que você faria fazer? Depois de tatear no escuro e descobrir que tipo de jogo você quer fazer, o que vem depois disso? Como você dá o próximo passo?

Bem, é bastante simples na verdade: você usa tudo que você aprendeu na tentativa e erro que funciona para fazer o jogo perfeito. E é aqui que chegamos a Chrono Trigger.

Dream Project. You are goddam right.

Mas claro, fazer o jogo perfeito não é uma tarefa trivial ou que possa ser feita casualmente - suponho que você saiba disso. Não, não é algo que qualquer um possa fazer - com efeito, é algo que dificilmente QUALQUER UM poderia fazer. O futuro, como veremos em breve, se recusa a ser mudado. Então... como você faz o jogo perfeito?

Hmm, pra começar você recruta para o seu time os melhores do mundo. Você faz seu dream team, e então sai recrutando os melhores dentre os melhores. Isso é o que você tem que fazer, com efeito, isso é a ÚNICA coisa que você pode fazer se você realmente quer que essa ideia dê certo. E foi exatamente o que a Square Enix fez.


Imagine o Dream Team de basquete americano que jogou a Olimpiada de 1992 com Michael Jordan, Larry Bird, Magic Johnson, Charles Barkley, Scottie Pippen, Patrick Ewing, David Robinson e Karl Malone. Alias você não precisa imaginar: esse time não apenas jogou junto, como venceu todos os jogos por mais de 40 pontos de vantagem. Imagine então o maior time já formado de todos os tempos. Agora, imagine o equivalente disso para os RPGs japoneses. Quem você recrutaria?

Bem, para começar a trilha sonora seria composta por Nobuo Uematsu e Yasunori Mitsuda. Uematsu, é claro, dispensa apresentações, mas é sempre sempre bom mostrar seu cartão de visitas:


Eu digo sem hiperbole nenhuma que Uematsu é um gênio da música, no mesmo patamar que Beethoven ou Mozart. Sério, esse homem é fora de série. E Mitsuda não deixa nada a desejar ele  prório, saiba você:

Então todos podemos concordar que em 1995 não era humanamente, não era fisicamente possível ter dois caras melhores que esses para compor a trilha do seu jogo. É até onde a capacidade humana vai, esse é o topo. Então show, show, você tem uma trilha sonora que arrebenta a boca do balão... o que mais você precisa?

Hmm, uma boa história seria bem vinda, obrigado. Então, é claro, você quer o melhor contador de histórias que jamais trabalhou em um RPG na vida... ou seja, você quer Masato Kato. E foi exatamente quem a Square trouxe para esse time. Agora, talvez o nome não lhe seja imediatamente familiar, então me permita compartilhar alguns de seus trabalhos como roteirista e me diga se algum nome desses lhe parece vagamente familiar: Radical Dreamers, Chrono Cross, partes do Final Fantasy VII e aquele que é universalmente reconhecido como o maior e mais ambicioso jRPG jamais escrito até hoje: Xenogears. 


- Kato-san, quando Xenogears fala em "destruir Deus", você está falando literalmente, metaforicamente, filosoficamente ou religiosamente?
- Sim.

MAS ainda chegará a hora de falar de Xenogears, ainda não estamos lá. Certo, show de bola, temos então a música e a história cobertas... o que vem a seguir? Bem, precisamos de desenhos. Alguém tem que ilustrar essa joça, mas quem? Ah, já sei: por acaso um dos autores de mangas mais populares do mundo? Nah, isso é pensar pequeno, estamos falando do jogo perfeito e nada menos do que o melhor do melhor servirá. Então o autor do manga mais vendido do mundo de todos so tempos até 1995 está disponível?

Acontece que ele estava, veja só você. Mas você já sabia disso, pq é só bater o olho pra reconhecer esse traço:


A arte desse jogo é feita por ninguém menos que fucking Akira Toriyama, mais conhecido por uma coisinha que talvez você já tenha ouvido falar chamada... DRAGON BALL. Pois é. Eu sei. Só que Toriyama não apenas fez desenhos, mandou pelo correio e coletou seu cheque. Claro que não, estamos falando do jogo perfeito, lembra?

O que o mangaka mais bem sucedido do mundo (ao menos na época, hoje ele foi superado por One Piece mas continua segurando um segundo lugar com anos  afrente da concorrencia) fez foi que, em uma viagem aos Estados Unidos em 1992 ele encontrou os produtores desse jogo e passou um bom tempo (até porque a viagem do Japão até os EUA é meio planeta de viagem) discutindo ideias para o jogo mais ambicioso jamais planejado.

Akira Toriyama pode ter muitas qualidades, mas o número de personagens que ele sabe desenhar não é uma delas



Porque eis um pouco de contexto: em 1992 a ideia da Nintendo lançar um acessório de CDs para o Super Nintendo era muito forte. Esse acessório seria feito em parceria com a Sony e os jogos de SNES que tinham 5mb de tamanho poderiam ter mais de 500mb. Logo, a Squaresoft estava trabalhando em um jogo a altura de tamanha ambição: um mundo colossalmente grande, viagem no tempo, batalhas épicas, música em CD, a porra toda. Sem exagero, o jogo mais ambicioso de todos os tempos.

Só que o que eles não esperavam era que o projeto do SNES CD subiu no telhado, a Nintendo e a Sony se estranharam e a Sony disse pra Nintendo "ah, quer saber? Eu vou fazer o meu proprio videogame sozinha então, danem-se vocês seus cara de mamão". Essa é resumidamente a história de como o Playstation surgiu (bola dentro, heim Nintendona), mas o que importa aqui é que a Square ficou com cara de tacho nessa jogada.

Isso lá é jeito de falar com a tua mãe, menino?

Então o que xavascas flutuantes eles fariam com o RPG mais ambicioso de todos os tempos? Bem, pra fazer rodar no Super Nintendo eles tiveram que cortar muita coisa, e o que sobrou ainda sim foi dividido em dois jogos diferentes. Um deles foi SECRET OF MANA, e o outro - com o grosso das ideias, incluindo viagem no tempo e tal - foi Chrono Trigger. Mas apenas imagine agora uma linha do tempo paralela onde o SNES CD saiu e SECRET OF MANA e Chrono Trigger fossem fundidos em um jogo só, nós quase vivemos essa realidade.

Seja como for, em 1992 era isso que Akira Toriyama estava discutindo com os produtores do jogo. Aproposito sabe quem são os produtores desse jogo? Apenas, apenas e tão somente Hironobu Sakaguchi e Yuji Horii. Caso você não esteja ligando o nome a pessoa, eu vou explicar: o criador de Dragon Ball sentou com o criador de fucking FINAL FANTASY e com o criador de nada menos que somente DRAGON QUEST para juntos eles bolarem o maior RPG de todos os tempos.



Agora, enquanto eu sei que Dragon Quest não é tão popular no ocidente quanto Final Fantasy, mas no Japão Final Fantasy não faz nem sombra perto da popularidade de Dragon Quest naquela época. Sabe como fica o Brasil em dia de jogo da Seleção em Copa do Mundo ou os Estados Unidos na hora do Super Bowl? No Japão é o lançamento de um Dragon Quest que faz isso - isso é o quão insamente popular essa franquia é lá.

Dragon Quest é tão, mas tão popular que os seus lançamentos sempre são no domingo para evitar matação de aula e de trabalho generalizada porque se deixar geral vai pra fila e foda-se. Você faz ideia do que é necessário para fazer um japonês matar aula/trabalho e foda-se? Bem, Dragon Quest é necessário.

Boa tentativa jogo, mas eu ainda não estou convencido que Lavos não é responsável pelo Bill Gates

Então aqui estamos nós, onde o autor do manga mais popular do mundo sentou com o criador do RPG mais popular do ocidente e com o criador do RPG mais popular do Japão, e juntos eles decidiram planejar o jogo mais ambicioso jamais imaginado até então.

Ma vá bene, agora que você tem uma ideia da onde vem Chrono Trigger, de qual o contexto da obra, podemos finalmente começar a falar da obra em si.

Um jogo japonês de 1995 já entendia melhor que muita gente hoje o que é realmente importante na vida

Então... o que faz Chrono Trigger tão especial assim, afinal? Essa é a pegadinha aqui, porque uma reação de muita gente que não jogou o jogo na época e joga só hoje tem uma reação de "não entendo porque falam tanto desse jogo, parece um RPG comum, bem feito, mas comum". E nem é uma coisa da Iniciativa Lacradores, é uma confusão genuína. O que é que Chrono Trigger faz que nenhum RPG até então ou depois disso.

E não é mentira: vc tem um protagonista mudo (como era tradição em RPGs da época) em sprites que luta em sistema de combate por turnos (embora modificado, mas a essencia é a mesma coisa ainda) para salvar o mundo. Nada que não tenha sido feito antes, então o que ESSE tem de especial?

Eu culpo Chrono Trigger pelo meu crush por meninas trans. E Final Fight, pq goddamit Poison...

Não há como negar sua qualidade no acabamento, mas por alguma razão não é tão simples identificar de imediato o que exatamente sobre o jogo fez dele uma obra-prima. É a música? Provavelmente não, já que até os piores jogos podem ter músicas incríveis (veja: Sonic 2006). É o sistema de combate? Possivelmente, mas não é tão diferente dos jRPGs da época assim. É a história e os personagens? Talvez, mas a história e os personagens são relativamente simplistas em comparação com o próprio  FINAL FANTASY 6 e definitivamente foi bem mais expandido em outros jogos o sucederam.

Para entender o que faz Chrono Trigger tão especial eu preciso te falar sobre um jogo muito mais recente em comparação: The Witcher 3. De igual modo a uma primeira vista o jogo não faz nada que particularmente ninguém nunca tenha feito antes, mas é então que depois de algumas horas de jogo a ficha finalmente cai: esse jogo não faz NADA de errado. Nada, sério. É por isso que frequentemente The Witcher 3 é apontado como um jogo perfeito, não porque ele seja o melhor do mundo em um campo especifico, mas porque ele realmente não tem defeitos.

Mesmo a tradução desse jogo é realmente elegante, o que não era algo muito comum na época

E em cima de um jogo que não faz nada de errado, vão se construindo qualidades. O minigame do Gwent é a coisa mais viciante ever, a escrita é estelar, a trama emocional é sincera, as sidequests são feitas com uma atenção que não era comum naquela época, entre outros. E assim coisas positivas vão se empilhando, o jogo vai apenas dando e dando sem nunca tomar nada de volta e no fim do dia quando você olha, porra o saldo positivo é do tamanho de uma montanha e o saldo negativo é zero.

E quando você entende isso, você entende também o que é que faz Chrono Trigger tão bom. CT nunca faz nada de errado, não tem uma única coisa nesse jogo que é cansativa ou que você gostaria que fosse feita de outra forma. Não tem uma única passagem ruim nesse jogo, não tem uma música ruim nesse jogo, o ritmo é sempre ideal, não tem um personagem ruim nesse jogo. Com efeito, seu problema maior problema nesse jogo é que a party tem apenas três espaços e que você precisa escolher seus favoritos, mas qualquer formação que você escolher está ótima na verdade.

Eu posso contar nos dedos da pata de um doguinho quantos jogos no multiverso se pode dizer isso. Tak qual The Witcher 3, o jogo só te dá e dá, sem nunca tomar nada de você e quando você para pra fazer as contas, o saldo desse jogo é positivo em uma monta astronomica.

Eu ouvi alguém dizer um Gwentzinho?

Chrono Trigger tem uma ótima trilha sonora, uma premissa MUITO única que foi executada com maestria, excelentes sprites e transições, e um sistema de batalha que enquanto não explodia a cabeça de ninguém na época em que foi criado, é incrívelmente rápido e funcional. Junte tudo isso e você terá algo excelente.

Adicionalmente, e já vamos entrar em maiores detalhes sobre isso dentro em breve, a história de Masato Kato é muito complexa porém apresentada de uma forma simples e isso por si só é lindo. Você precisa ter uma noção de narrativa muito grande para fazer uma história que se passa em cinco eras diferentes não linearmente (você fica indo e voltando no tempo) não ser uma massaroca desgraçada (acredite, muitos tentaram contar histórias complexas de viagens no tempo e mais sim do que não eles falham miseravelmente).

Eu já disse isso, mas Chrono Trigger entende como as coisas funcionam


Mais importante do que isso (ou pelo menos tão importante quanto), é que cada pequena cena em Chrono Trigger é repleta de detalhes. Você só vai a lugares importantes, tudo que você faz move a história para a frente - incluindo o desenvolvimento de personagens. Sim, vc pode fazer ambos ao mesmo tempo, mas é infinitamente tricky e é um tricky que CT consegue passar com cores voando.

Por exemplo, na idade média Chrono e sua gangue vão atrás do líder dos monstros na guerra contra os humanos, Magus. Seu companheiro Frog tem uma vendeta muito pessoal contra Magus: o feiticeiro que o transformou em um sapo, e muitas pessoas tem uma certa dificuldade em perdoar esse tipo de comportamento. Porém não é apenas porque Frog quer, justificadamente, acertar as contas e sim há um interesse maior aí: o grupo acredita que foi Magus que summonou Lavos para esse mundo e quer impedi-lo. A verdade do que aconteceu, entretanto, é bem mais complexa do que isso.

Eu gosto como fizeram um sprite diferente de cada personagem dormindo, normalmente com o cabelo solto. São as pequenas coisas que mostram que eles se importam, sabe?

Então, veja só, em uma mesma cena nós temos:

a) Um objetivo claro e definido para o grande esquema das coisas;
b) Um objetivo pessoal e emocional;
c) Um desdobramento que move a história para a frente; 

Tudo isso na mesma cena. Parece simples vendo Chrono Trigger fazendo, mas sabe quantas obras em qualquer midia conseguem ter um roteiro enxuto assim que faça tudo isso ao mesmo tempo? Bem poucas cara, muitissimo poucas. Chrono Trigger, por mais ironico que seja para um jogo sobre viagens no tempo, não brinca com o SEU tempo. Toda cena importa, a coisa anda e se desenvolve e vai que vai quicando. O quanto essa escrita é enxuta sem nunca deixar de ser criativa ou interessante é impressionante, é um negócio genuinamente lindo. Apenas posso te dizer que é poesia dude, pura poesia em movimento.

O pessoal que usa como argumento "tem que ter filhos pra eles cuidarem de você na velhice" está representado nesse jogo

E já que estamos falando sobre narrativa... afinal, sobre o que é Chrono Trigger? Qual é o seu tema, sobre o que essa épica história que se passa ao longo de 5 (bem, na verdade 7) períodos diferentes de tempo durante o curso de 65 milhões de anos (não, sério) realmente é sobre?

Bem, aí é que as coisas ficam realmente interessantes, porque todo o tema de Chrono Trigger pode ser resumido em uma única imagem de um dos bad endings do jogo:


Nossa história começa no ano 1000, quando um garoto chamado Crono durante as comemorações do milésimo aniversário do reino de Guardia vê sua recem conhecida amiga Marle (que, spoilers, é uma princesa sapeca pq sim) ser sugada por um portal do tempo. 

Crono pula atrás dela e se descobre na idade média daquele mundo, quando os humanos ainda estavam em guerra contra os monstros (algo que é apenas superficialmente comentado no seu tempo de origem, porque não é como se as pessoas tivessem sentimentos muito fortes pelo que aconteceu 400 anos atrás).

Oh Ted Wosley, nunca mude =*

Devido a uma série de eventos, Crono e suas amigas acabam sendo jogados para lá e para cá no tempo tentando voltar pra casa até terminarem no ano 2300... onde a Terra está completamente devastada. O apocalipse já aconteceu e tudo que resta as pessoas é esperarem lentamente acabar a energia das máquinas que ainda mantém os seus corpos funcionando em um futuro onde o planeta é estéril como uma pedra. É realmente deprimente, de verdade.

Mas o que, o que diabos aconteceu para o mundo terminar daquele jeito? Em um terminal eles encontram as respostas: o aniversário do segundo milenio do reino de Guardia foi mais ... eventful do que qualquer um poderia esperar:


O Dia de Lavos, o dia em que o mundo morreu. No ultimo dia do ano 1999 um monstro chamado Lavos saiu das profundezas do planeta e acabou com o mundo em poucos instantes. Inicialmente os heróis acreditam que Lavos foi conjurado por um mago chamado Magus na idade média, mas não foi isso realmente que aconteceu.

Lavos é uma abominação cósmica que caiu na Terra ainda na pré-história e desde então tem absorvido a energia do planeta para, quando o planeta não for nada senão uma casca seca incapaz de sustentar a vida, ele então emergir para a superficie e espalhar seus esporos pelo espaço - recomeçando todo o processo em algum outro planeta desavisado. 

A Gordon Ramsey Game!


Porém Lavos não é apenas um parasita espacial, ele é literalmente uma abominação de horror cósmico ao melhor estilo Lovecraft, tanto que sua influencia maligna, a mera energia nefasta desse parasita sugando a vida do planeta por milhões de anos influenciou toda a história desse mundo.
 
Guerras foram travadas por líderes loucos que ao descobrir o poder da energia de Lavos e começar a canalizar ela como magia, foram tomados pelos sussurros sinistros da mente do parasita cósmico. Tudo que aconteceu nesse mundo em todas as eras é uma consequencia direto da influencia de Lavos, o que inclui o fim do mundo em 1999 (sim, eu vi o que vocês fizeram aqui).

Vc não faz a menor ideia, mas essa é uma das frases mais emocionalmente carregadas da história dos videogames

Agora, podemos tirar um momento para apreciar isso em toda sua grandeza? Quantos jogos de Super Nintendo... ou jogos em geral... ou histórias em qualquer midia na verdade... são TÃO ambiciosos assim? É a história de como um horror cósmico lovecratiano moldou toda história de um mundo inteiro ao longo de milhões de anos, da pré-história a sua morte. HOW. FREAKING. COO. IS. THAT?!?!

Não, sério, eu vou ter que perguntar mais uma vez: HOW COOL IS THAT? É infinitamente cool, é uma das ideias de histórias mais cools que eu já vi na minha vida. Claro, a execução é limitada porque só existe um tanto de texto e cenas que você consegue colocar em um cartucho de SNES, mas a ideia da coisa? Cara, é tão bonito que dá vontade de chorar. Papo sério.

E não, eu ainda não tenho maturidade para lidar com poder nomear o seu personagem

Mas enfim, seja como for quando Crono e sua gangue descobrem o que vai acontecer com o mundo - mesmo que não seja problema deles realmente, já que isso vai acontecer mil anos depois da época deles - obviamente que eles partem em uma jornada para salvar o futuro. Mas aí então... quem disse que o futuro quer ser salvo?

Como eu disse antes, a frase que define o jogo: mas o futuro se recusa a mudar. O tema de Chorno Trigger é questionar sobre a inevitabilidade do destino, sobre fazer diferença no grande esquema das coisas. Podem as suas ações mudar o futuro quando o futuro se recusa a ser mudado?

Essa cena, man...

Em termos de jogo, a narrativa de CT é cristalina: você vence batalhas, coletam itens, sobe de nível e luta com os chefes. E vence, mas nada disso faz a menor diferença no grande esquema das coisas. Você alterou as coisas de como elas foram na linha do tempo original porque os personagens agiram, mas você não mudou nada realmente. 

Você salva os humanos do dominio dos terriveis dinossauros inteligentes na pré-história, mas essa vitória realmente não faz diferença: você não tem como impedir que lavos caia do espaço em 65.000.000 AC e mate todo mundo do mesmo jeito. Você destrói a Máquina Mammon da Rainha Zeal, mas isso não faz diferença porque você não consegue salvar o reino de Zeal, nem Schala ou Janus.

Você derrota Magus na idade média e termina a guerra entre monstros e humanos, mas isso não faz diferença porque a guerra terminaria de qualquer jeito quando tentasse Magus summonar Lavos e fosse destruído no processo.

O Doutor tem algumas coisas para dizer para o Lavos também, aparentemente


Nada do que você faz nunca muda o futuro, porque o futuro se recusa a ser mudado. E isso não é uma cena ou duas, é o que acontece em 70% do jogo. Pense sobre isso: é um jogo que durante bem mais da metade da sua duração te diz "desista, nada do que você faz importa e mesmo o que importa será  engolido pelo tempo em poucos anos". E, bem, isso não é o que a vida faz, no grande esquema das coisas?

Não importa quem você é, o que você tenha, o que você fez ou fará: em algumas decadas (um peidinho, na grande escala do tempo), ninguém vai pensar em você. Em pouco mais de um século não haverá uma única pessoa viva que lembrará que você sequer existiu e mesmo na eventualidade de você ser uma pessoa absurdamente fora de série que de alguma forma seja lembrado, ainda sim vai ser apenas um nome sem peso nenhum - no máximo vai ser um dado tipo "ah, esse cara existiu e fez tal coisa". No MELHOR cenário possível, isso é o que tempo vai te oferecer. 

O Robo de bandaninha de fazendeiro japonês, gente! Morri XD

Mas então, eis a coisa a respeito dos humanos que você precisa entender realmente: nós somos uns filhos da puta teimosos. Nós sabemos de todas essas coisas, nós sabemos que nada do que fazemos realmente importa no grande esquema do tempo... e nós continuamos tentando. E nos levantamos de novo e de novo, não importa quantas vezes forem necessárias, mesmo que não faça diferença. 

E essa é a história de Chrono Trigger, sobre como um garoto de uma vilazinha pacifica deu cabeçadas contra o Tempo vez e vez novamente até que o tempo cedesse. Porque se o tempo se recusa a ser mudado, muito mais se recusa a natureza humana. Mesmo que custe a nossa vida, é o que humanos fazem. É o que Crono faz, termina sacrificando sua vida para salvar seus amigos de uma guerra que nunca foi realmente sua.

Que diferença o seu sacrificio fez na história do mundo? Nenhuma. Que diferença faz prolongar a vida de algumas pessoas aleatórias alguns anos a mais? Nenhuma. Exceto que, se é verdade que o futuro se recusa a ser mudado, também é verdade que toda ação tem consequencias, tudo que você faz gera sim ondas que mudam o mundo. Talvez não o suficiente para você perceber em alguns anos, mas todas as ações tem consequencias.

E essa não é a vida?

E quando Crono se sacrifica lutando contra Lavos para salvar seus amigos... nesse instante o futuro mudou. Mais importante ainda para o jogador, nesse instante o jogo mudou. Durante a primeira parte do jogo, enquanto Crono é o protagonista, o jogo é quase inteiramente linear. A party se move de um ponto a outro e de época em época sem quase nenhuma alternativa, você segue a sequencia de eventos pré-estabelecida e tenta fazer o seu melhor, mas não tem muita escolha realmente.

Após o sacrificio de Crono, a trama do tempo quebra e você pode construir o seu futuro, a partir dessa parte o jogo muda não apenas temátiamente como mecanicamente: é possível agora se mover livremente no tempo, enfrentando as missões na ordem que o jogador desejar, SE o jogador desejar.  Você pode inclusive não fazer absolutamente nenhuma missão adicional e ir direto lugar contra Lavos. 

Além disso, o objetivo de cada missão muda. Na primeira parte, o objetivo da maioria das missões é encontrar e derrotar Lavos ou seu suposto criador, Magus. Essas missões prossegue em um estilo RPG muito clássico: map-town-dungeon-portal, map-town-dungeon-portal e assim por diante. E como eu já disse, os resultados dessas missões são historicamente insignificantes, o jogador não muda nada de importante de uma era para outra. Após o sacrificio de Crono te libertar das amarras do destino, as coisas mudam, você toma o controle do destino em suas próprias mãos conceitualmente mas mecanicamente no jogo também.

Dude, esse é um jogo bem moderno para 1995, huh?

E sim, eu percebi as referencias a Jesus aqui, o sacrificio do messias que mudou taltaltal - referencias religiosas no trabalho de Masato Kato que seriam abertamente explicitas em Xenogears alguns anos depois. Felizmente a Nintendo não percebeu pq senão esse jogo jamais teria saído para o SNES. 

Na segunda parte do jogo, as missões não são sobre destruir Lavos, mas sobre ajudar pessoas menores. Normalmente, essas pessoas estão conectadas a um membro do grupo de alguma forma. As missões quebram o ciclo anterior e geralmente podem ser curtas e envolvem muitos usos da viagem no tempo. Porém a melhor parte é que essas missões têm um impacto histórico real e tangível, e porque você não desistiu após tantas vezes dar com os burros nagua ao tentar mudas as coisas é infinitamente recompensador quando as coisas realmente começam a funcionar.

A primeira parte de Chrono Trigger usa diferentes usos criativos de jogabilidade e combte interessante para manter o jogador interessado em uma história que vai resultar em uma tragédia de proporções épicas, mas aparentemente inevitável. Depois disso, a segunda parte do jogo desconstrói todo esse conceito, finalmente dando ao jogador a agencia para mudar as coisas, em outras palavras jogar o jogo que eles achavam que estavam jogando em primeiro lugar.

Sim, Mune, eu sei que esse texto já tá muito grande, calma que eu já to terminando!


Eu não tenho palavras para descrever o quão inteligente esse design é, sério. Porque é uma coisa dizer coisas que ele deve querer na história (salvar a princesa, derrotar um monstro, conseguir uma arma lendária), mas outro nível inteiramente diferente é prometer uma coisa ao jogador, fazer ele perceber pela metade do jogo que não estava tendo aquilo que ele queria e então depois do jogador realizar por conta própria o que ele REALMENTE queria esse tempo todo... e só então dar isso a ele. Por um preço. O futuro sempre exige um preço alto para mudar.

Isso, meus amigos, é genialidade. Não tenho outras palavras pra descrever isso, a estrutura de gameplay, quests, narrativas desse jogo... é uma das coisas mais inteligentes que eu já vi na história dos videogames. Se não for "A" mais. Sério mesmo.


A primeira chegada do grupo ao Reino de Zeal é um bom exemplo disso. Essa primeira viagem é incrível pelos combates, cenário, música, etc... mas é provável que um jogador casual nem perceba que a seção Zeal quebra completamente o padrão que o jogo estabeleceu - não tem masmorras, nenhuma missão explícita e apenas uma cutscene obrigatória. Zeal é onde Chrono Trigger começa a mostrar suas verdadeiras cores pela primeira vez

Não por coincidencia, é justamente nessa parte em que mecanicamente o jogador tem um gostinho de como vai ser o jogo no futuro, que o grupo recebe uma premonição de que um deles morrerá. Nenhuma dessas escolhas de design é por acaso, nada é aleatório. A mensagem é clara: as coisas podem ser diferentes, mas isso virá com um preço. 


Jogar CT quando criança é uma grande experiencia, mas jogar agora como adulto com a capacidade de compreender o verdadeiro design de Chrono Trigger e ver como essas coisas funcionam é algo sem igual. Um jogador casual pode achar CT legal, mas não ver o que ele tem de tão especial. Quando você entende o que eles fizeram aqui, compreende que não existe outro jogo como Chrono Trigger no mundo.

E olha só, eu já escrevi quatro biblias e meia sobre CT e nem comecei a falar sobre os multiplos finais, como a atenção de detalhes cena por cena é sem precedente (como o seu comportamento na feira afeta no julgamento é brilhante para a época), como os dialogos mudam de acordo com os personagens que você leva com vc na party (dica: sempre leve os personagens que são relevantes para a cena), como CT tem a cena mais impactante de toda história do Super Nintendo (sim background que explica porque a Lucca se dedica tanto a máquinas, estou olhando - ainda em choque - pra você), como o jogo ser relativamente curto (15 horas para um RPG é relativamente curto) casa com uma perfeição gigantesca com os multiplos finais e ser o primeiro jogo com New Game+ (algo praticamente obrigatório nos RPGs hoje) é a cereja no bolo de amor que essa ideia, como a agilidade de transição de telas é genial (sério, você poder acessar as casas e lojas direto do mapa principal dá uma agilidade MONSTRUOSA ao jogo já que você não "entra" na cidade), sobre como esse foi o primeiro jogo que a Square tentou implementar uma ideia propria de Action RPG (o que só veio a se sentir satisfeita com Final Fantasy 7 Remake em 2018), como existe uma justificativa para até sua party só poder ser composta por 3 personagens, como os personagens na reserva sobem de nível pra você poder usar qualquer membro do grupo a qualquer momento ...


Bem, esse texto já está uma monstruosidade de 5 mil palavras e eu sequer comecei a arranhar todos os elementos de Chrono Trigger. Mas suponho que eu não precise, você já pegou a ideia da coisa até aqui e porque Chrono Trigger é um dos maiores jogos de todos os tempos. É o fruto de um dia mágico em que as estrelas se alinharam, os maiores nomes da area trabalharam inspirados e tudo que podia dar certo deu certo. É um daqueles jogos que aparecem uma vez a cada geração, se tanto.

Aproveitem crianças, porque nós não temos muitos dias como esses. Ou talvez teremos, quem realmente pode dizer o que o futuro nos reserva?

Eu fiz coisas que vocês não acreditariam. Eu fiquei bebado dançando a bobonga com os homens das cavernas, eu passei fome no futuro pós apocaliptico, eu vi uma civilização onde a mágica fluia desaparecer no fundo do oceano e o Império dos Reptites ser extintos pelo meteoro. Eu fui julgado por sequestrar uma princesa e enfrentei um parasita planetário intergalático. Eu joguei Chrono Trigger.


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