No final de 1994, a Sega estava em guerra declarada. O que, você pode pensar, era algo apenas esperado. Afinal eles tinham o segundo lugar no mercado mais lucrativo do entretenimento e todos os peixes grandes agora queriam uma fatia desse mercado (gente como a Sony, a Panasonic e até mesmo a Microsoft estava começando a se interessar pelo assunto). Não bastasse tentar lutar para tentar tirar o primeiro lugar da Nintendo, eles tinham uma luta dia e noite para apenas manter o segundo lugar.
Então, sim, claro que a Sega vivia dia de guerra...
... exceto que a guerra da Sega não era contra a Nintendo, contra a Sony, a Panasonic ou mesmo a Atari. O inimigo que a Sega saiu de casa armada até os dentes para matar e não descansaria até faze-lo era... a própria Sega.
Porém antes de contar como a Sega pegou sua arma da gaveta e deu dois tiros no próprio estomago (aquilo não a mataria imediatamente, ela agonizaria uma hemorragia terrivelmente dolorosa por um bom tempo antes de morrer), é necessário recapitular a situação da Sega até então. Ou, melhor dizendo, DAS SegaS.
Isso porque definir a relação da Sega do Japão com a Sega da América como "dificil" seria um understatement do tamanho do mundo. A Sega do Japão tinha um relacionamento melhor com a Nintendo do que com seus colegas ocidentais. Mas como as coisas chegaram a esse ponto?
A resposta curta, culturas corporativas. A Sega do Japão era conduzida como, surpresa surpresa, uma empresa japonesa. O que significa uma estrutura incompreensivelmente rigida para um ocidental, hierarquia acima do ego, muito trabalhar até tarde e pouco dar sua opinião.
Já na América as coisas eram conduzidas como, olha só que loucura, americanos fazem. O que significa a figura do executivo arrogante com seu ego infinito, muito da cultura do selfmade man, a coisa do sonho americano de construir o SEU império onde a empresa serve a você e não você existe para servir a empresa como é no Japão.
MAS COMO AS COISAS CHEGARAM A ESSE PONTO? POR QUE A NINTENDO NUNCA TEVE ESSE PROBLEMA, POR EXEMPLO?
Existe um ditado no esporte que é "cara de quem ganha não é a cara de quem perde". A Nintendo nunca teve porque eles sempre estiveram na liderança, com exceção de um período em que o Mega Drive competiu contra o Nintendinho antes do lançamento do SNES. Então a Nintendo do Japão nunca precisou realmente dar muitas liberdades a Nintendo da América. Faz o básico e os jogos vendem a si mesmos, era com o que eles trabalhavam.
Mas na Sega as coisas eram diferentes, a Sega do Japão teve que dar mais e mais autonomia para a Sega da América conforme ia apanhando nas vendas. O que, diga-se de passagem, acabou dando certo porque a Sega da América entregava resultados melhores que o Japão desde que fosse livre para fazer as coisas ao bom e velho estilo texano.
Tom Kalinske, presidente da Sega da América, podia ser o executivo mais executivesco que você vai encontrar na vida parecendo ter saído de um filme dos anos 90, mas ninguém podia negar que ele entendia o mercado americano muito melhor do que qualquer japones podia sonhar. O fato dele ter transformado um jogo ruim como Sonic em uma coisa que ainda se houve falar até hoje não é nada senão um testamento a habilidade desse homem como executivo.
Porém isso não vem sem consequencias, e junto com os resultados vieram ter que lidar com o ego de executivo americano executivando, e assim começou um atrito de decisões que levaria ao ponto que chegamos hoje. A Sega do Japão, por exemplo, queria que SONIC 3 fosse um jogão do caralho, algo padrão Nintendo de qualidade para que esse fosse um jogo que virasse o cenário ao seu favor... a Sega da América só queria que fosse lançado qualquer coisa desde que fosse rápido, e para garantir isso eles conseguiram um contrato com o Mcdonnalds que não tinha como recusar.
Isso e coisas pequenas mas irritantes como deixar os jogos mais dificeis para que eles não pudessem ser terminados em um fim de semana, ou mesmo modificar inteiramente o jogo para parecer mais "RADICAL E MANEIRO, DUDE!" como aconteceu com STREETS OF RAGE 3 e DYNAMITE HEADDY que eram bons jogos no Japão e se tornaram abominações na América foram minando a relação entre as duas frentes da companhia.
Mas tudo isso que aconteceu até agora, toda a história até esse ponto, é simplesmente brincadeira de criança quando se compara ao que aconteceu com os rumos a tomar para o futuro da empresa na quinta geração de consoles.
A Sega do Japão queria construir um novo console. Era inevitável, a quarta geração de consoles estava com os dias contados e nenhuma pirotecnia do mundo faria o Mega Drive viver pra sempre... o que nem era uma prioridade para a Sega do Japão, já que o Mega Drive sequer foi competição para o SNES lá.
Falando em SNES, a Nintendo estava tomando seu doce tempo com seu console da próxima geração e se eles estavam fazendo sem pressa, não era um bom sinal para a concorrência - para não falar de quem mais poderia entrar nessa briga. Era obvio, ululante que eles tinham que fazer um novo console e um bom! Assim nasceu o projeto que viria a ser o Sega Saturn, o console de 32 bits da Sega.
Já nos Estados Unidos, Tom Kalinske não achava essa resposta tão óbvia assim. A Sega, a muito pau e corda, tinha conseguido o segundo lugar. Fazer um novo console significaria começar do zero com nada para mostrar senão o nome da empresa e um enorme "confia no pai" da Sega. Isso não lhe atraiu tanto assim, e eu consigo entender o porque.
O que ele queria mesmo era poder manter a base instalada de clientes que ele já tinha, mas ao mesmo tempo saciando a necessidade do seu publico de jogos mais poderosos. Em outras palavras ele não queria resolver o problema em definitivo, ele queria colocar um bandaid na situação que ele já tinha e seguir em frente.
Pode não parecer a melhor decisão do mundo olhando em retrospecto, mas ele tinha plena convicção que conseguiria levar o publico na conversa com marketing - como já havia feito uma vez. Não apenas isso, mas olha a concorrencia que a "próxima geração" representava na época: Jaguar e 3DO. Uau, que bela pilha de bosta, heim?
Kalinske olhou o que a concorrencia estava fazendo e decidiu que realmente não valia a pena jogar fora tudo que ele conquistou a tanta luta para enfrentar ESSES caras. O que, que saber, realmente faz sentido. Um Mega Drive 1.5 era mais do que suficiente para matar no peito um Jaguar ou um 3DO da vida. A Nintendo não lançaria seu novo console até o final de 1995 (quase um ano e meio depois) e ninguém no mundo fazia a mais remota ideia do que caralhas a Sony estava fazendo. Então quando você olha pelo ponto de vista dele, essa ideia não é tão sem noção quanto pode parecer a uma primeira vista.
Nascia assim, então, não apenas um add-on para o Mega Drive que daria um boost na sua capacidade, como a mais agressiva campanha de marketing já feita para um videogame até então: mais de 10 milhões de dolares foram gastos apenas em publicidade para vender a idéia do acessório 32X
OK, E QUAL DOS DOIS A SEGA ACABOU FAZENDO? O SATURN OU O 32X?
Os dois.
O QUE?! ISSO É... A COISA MAIS ESTÚPIDA QUE EU JÁ VI NA MINHA VIDA.
E eles foram lançados basicamente ao mesmo tempo.
AH, VAI A MERDA SEGA.
Pois é, foi exatamente como o publico se sentiu ao ver o 32X nas lojas sabendo que no mesmo mês o Saturn já havia sido lançado no Japão. Adicione a isso que a produção do 32X foi rushada desesperadamente e os primeiros lotes do acessório funcionavam pior que Cyberpunk 2077 para consoles em dezembro de 2020. Fora que a instalação dele é um terror, fica uma desgraça de cabos na sua sala e o 32X ainda tinha sua própria fonte de energia pra ligar na tomada, que não encaixava com a já grande fonte de energia do Mega Drive. Era um monstrengo a coisa toda, se ligasse o Sega CD então (que tinha sua própria fonte tb), virava piada.
Mano, olha essa desgraça que você tinha que fazer na tomada |
Eu diria que essa foi a obra prima da Sega, definitivamente. Embora não a última, mas a mais icônica. Veja, desenvolver um produto é um negócio arriscado: você gasta muito dinheiro e muito tempo, tempo durante o qual você naõ está sendo pago por isso.
Então quando um produto sai, o que você quer, não o que você PRECISA é que todas as pessoas que possivelmente podem comprar o seu produto acabem comprando ele. Agora, sabe o que você não precisa, sequer pode cogitar é que apenas METADE das pessoas que possivelmente comprariam o seu produto o façam pelo belo motivo que você decidiu que iria competi consigo mesma.
Sério, eu sequer consigo começar a elaborar o quão ruim é essa estratégia. Desenvolver o 32X custou dinheiro, desenvolver o Saturn custou dinheiro. Você gastou dois dinheiros e seu publico potencial ainda é o mesmo. Como possivelmente, em que realidade louca alguém achou que isso daria certo?
A resposta é que ninguém deliberadamente decidiu isso, apenas foi um total colapso nas relações entre a Sega do Japão e a Sega da América em que cada uma fez a sua coisa e foda-se. A Sega deu uma aula de como não gerir uma empresa, e uma hora a conta de fazer tanta barbeiragem vem. O fracasso do 32X foi o primeiro boleto, mas não o último.
Porém a fragmentação do publico alvo não foi o único problema, tinha também a confusão na cabeça do público. Veja, o Wii U, lançado em 2012, foi o maior fracasso comercial da Nintendo até hoje (pior que ele apenas o Virtual Boy) e por vários motivos. O principal entre eles foi, acredite ou não, o nome. Mesmo para o público gamer não ficou claro que o Wii U era um novo console e não apenas um acessório para o Wii - como o nome sugere.
Isso estamos falando de 2012, em que videogames já são um mercado estabelecido direcionado para adultos e que todos tem acesso amplo e pleno a informação com a internet. Agora imagine em 1994, que videogames eram vendidos para crianças e nossa fonte de informação eram as revistas que sabiam menos do que a gente?
Todo mês na sessão de cartas das revistas tinham perguntas de gente que não entendeu o que a Sega estava fazendo, e o consumidor confuso é um consumidor que não compra. Isso é o básico do marketing, e de todas as empresas do mundo pelo menos de marketing a Sega deveria entender... mas não.
Agora imagine, apenas imagine. Que você caiu no conto da Sega e comprou um 32X. Ok. Aí sabe o que acontece dois meses depois? A própria Sega lança um novo console mais poderoso (o Saturno). Você se sentiria enganado, perderia completamente a fé nessa empresa. Só que fica pior: imagine que você não é uma criança e sim uma desenvolvedora que gastou recursos fazendo um jogo para 32X sob fortes promessas que o sistema seria suportado pela Sega.
Crianças (e a Ação Games) podem não saber fazer essa conta, mas uma desenvolvedora sabe: uma empresa só consegue dar suporte a um console de cada vez. Não existe a opção de você dividir atenção igualmente entre dois sistemas ao mesmo tempo, não é assim que videogames funcionam. E as desenvolvedoras sabiam que ou foram enganadas, ou estavam lidando com amadores do caralho. Qualquer que seja a verdade, não muda o fato que quem fez jogos para o 32X aprendeu que lidar com a Sega era lidar com um amadorismo que não cabia mais no mercado.
Tá bom, Sega, isso realmente já passou do rídiculo... |
Isso, somado aos bolsos fundos da Sony, ocorreu em uma debandada de desenvolvedoras de trabalhar com a Sega que ela jamais veio a recuperar. Mas... você acha que os problemas terminam aí? Quem dera.
Porque você sabe o que acontece com um console que tem um desenvolvimento corrido e atabalhoado? Ele 3DOzeia. Por mais que o 32X fosse tecnicamente superior a concorrencia, isso nada adianta se não tiver jogos pra colocar isso na prática. Embora eu não possa falar sobre os jogos do 32X ainda, é algo que veremos daqui pra frente, posso dizer que:
Virtua Racing já havia saído até para Mega Drive, Doom então nem se fala (sendo que aqui teve um port horroroso que conseguia ser muito pior que a versão de SNES) e Star Wars Arcade era um ripoff de STAR WARS: TIE Fighter, que também já tinha feito bico de tanto ser portado - para o Sega CD inclusive.
Ou seja, Cosmic Carnage era o único jogo original para o lançamento do 32X. Parece justo então analisar esse jogo, não?
Se algo bom pode ser dito a respeito de Cosmic Carnage, acredite ou não é a sua história: a muitos anos-luz daqui, em uma galaxia não mapeada, uma nave vagava serenamente levando prisioneiros. O que teria sido uma viagem bastante esquecível, não fosse que os prisioneiros estavam entendiados e decidiram fazer uma rebelião só de zoas.
A versão americana dos personagens tiveram um visual muito mais RADICAL TUBULAR DUDE! |