terça-feira, 10 de setembro de 2024

[#1294][Jan/1999] EVOLUTION: The World of Sacred Device


A minha ideia era contar a história do desenvolvimento do Dreamcast junto com algum jogo meio merda que ninguém liga, como eu normalmente faço. Bah, não, sério, não vem me dizer que alguém se importa com BATTLE ARENA TOSHINDEN que aí vira palhaçada! Mas enfim, originalmente eu ia contar essa história na review de GODZILLA GENERATIONS e acabou que eu descobri que tinha mais coisas para falar sobre aquele jogo do que eu esperaria. Não coisas boas, de fato, mas coisas. Várias delas.

Mas tá, tudo bem, o tempo passou e eu sofri calado chegou o jogo perfeito pra isso já que Evolution é uma coisinha que eu vou te contar, viu? Quer dizer, eu vou mesmo, no fim da história do Dreamcast eu dedico algumas palavras para falar sobre esse joguinho lindo de Deus. Isso sendo dito, vamos então começar a história do último console produzido pela Sega...

Você já ouviu sobre a tragédia de Darth Dreamcast, o sábio? É, eu achei que não. Não é uma história que um Nintendista te contaria. É uma lenda Sega.


Na história dos videogames até aqui, bem, no fim não é a história dos videogames, é a história de como a Sega se afundou enquanto as outras ganhavam dinheiro. Embora a Sega esteja quietinha nesse blog nos ultimos tempos dado o ultimato fracasso do Sega Saturn, minha história de decepções com a Sega é longa nos 1293 reviews desse blog até aqui. Mas bem, estamos no final de 1998 e dizer que a Sony estava bem com o Playstation seria o maior eufemismo ever, enquanto isso a Nintendo...


... é, a Nintendo tava se virando bem sim.

Enfim, muito se fala sobre a "guerra dos 16 bits" entre Sega e Nintendo, é uma expressão bem fácil de encontrar pesquisando sobre o assunto... mas ninguém fala de "guerra" na geração seguinte simples porque não houve uma em primeiro lugar. O Playstation tava esfregando o salamito na cara de todo mundo, a Nintendo se virava do jeito que podia sobrevivendo basicamente dos jogos que ela propria e seu estúdio contratado (a Rare) faziam, e a Sega... bem, coitada da Sega.

A grande verdade é que depois do desastre do Sega Saturn, não restou mui... hã, vocês estão ouvindo isso também? Bom, seja como for, eu dizia que depois do Saturn não restou muito o q... o que... não, sério, vocês não estão ouvindo? É um som bem alto, da onde esta vindo?

Será da cozinha? Não, não é daqui.
Da sala, talvez? Hmm, também nada aqui...
Ah sim, está vindo do quintal dos fundos! Agora que eu me aproximo dá pra ouvir, ainda que abafado, vindo de uma cova rasa mal cavada. Esperem, vou compartilhar para vocês ouvirem também:

 
 
E assim, ao som da música tema dos Trapalhões, de uma cova rasa mal cavada ela se ergue mais uma vez! Está viva! Viva! A Sega se ergue mais uma vez para tentar uma nova tentativa, vocês não realmente acharam que aquele seria o fim dela, não é? Claro que não, essa história tem mais um capítulo!




Mas falando sério agora, eu só não digo que a situação da Sega era um desastre porque seria uma ofensa a todas as tragédias que já aconteceram. O Sega Saturn foi uma abominação nos Estados Unidos, e no Japão ele meio que segurou as pontas por um tempo... até ser destroçado por uma singularidade do espaço-tempo chamada FINAL FANTASY 7. A Sega tava sem pai nem mãe, e o Saturn apanhando mais que Fusca em subida. Logo, era necessário fazer alguma coisa... e alguma coisa a Sega fez. Medo.

Bem, vamos lá: aquela altura, se tinha alguma coisa que dava certo na Sega eram seus arcades. Os fliperamas da Sega eram - e ainda são - muito bons, e era o que basicamente mantinha a empresa viva por aparelhos. Um dos grandes trunfos dela nesse sentido eram seus arcades da linha M3, uma placa especial feito pela Lockheed Martin.

OS FLIPERAMAS DA SEGA ERAM FEITOS POR UMA EMPRESA COM O MESMO NOME DA EMPRESA QUE FAZ OS CAÇAS DA FORÇA AEREA AMERICANA?

Não o mesmo nome, a mesma empresa. Um fato menos conhecido da Lockheed Martin é que entre um caça F16 e outro, eles também fazem seus próprios chipsets e são incrivelmente bons em fazer suas próprias placas eletronicas. Bem, suponho que quando vc tem contratos de nível segurança nacional com o exército dos Estados Unidos aprender a fazer o máximo que você pode por conta própria é uma vantagem tática importante.

Seja como for, o ponto é que a Lockheed Martin era muito boa em desenvolver processadores e ela que montou alguns dos arcades mais bem sucedidos da Sega como VIRTUA FIGHTER 3 e SEGA RALLY 2.  


 
Tá, mas porque eu estou contando essa história? Pq é agora que isso fica importante: como o Saturn tava apanhando mais do que tapete em dia de faxina, a Sega sabia que precisava fazer alguma coisa e fazer alguma coisa rápido. Fazer um novo console seria problemático, o Saturn não tinha nem dois anos ainda e abandonar ele agora seria basicamente dizer para os consumidores "pegamo seu dinheiro mesmo e vamo deixar vocês empenhado com um videogame nem dois anos depois, otários". Não a melhor estratégia.

O que a Sega decidiu fazer então foi... o que eles já tinham feito antes: lembra do 32X? O adaptador para dar uma turbinada do Mega Drive que a Sega da América inventou e que a competição dele contra o Saturn foi uma das causas da ruína da empresa?


Então... a Sega estava seriamente considerando fazer um "32X para o Saturn" para dar uma turbinada nele e talvez assim ele ter alguma chance. Porque é claro que aprender com os erros do passado é uma skill que poucos humanos gastam pontos para comprar, eu suponho. Seja como for, a Sega então chegou pra Lockheed Martin e explicou sua proposta: usar a arquitetura que eles usavam para fazer os arcades e adaptar para um acessório doméstico.

"Espera, deixa eu ver eu entendi... vocês querem que eu pegue esse circuito que é do tamanho de uma geladeira e custa o preço de um carro (fliperamas são realmente caros, cada máquina custa milhares de dolares)... e simplesmente encolha isso pra um tamanho de caixa de pizza ao preço de 200 dolares?", a LM perguntou
"Na verdade caixa de pizza ainda é muito grande, tem que ser do tamanho de uma caixa de sapato, seria o ideal", a Sega respondeu seriamente.

Ao que, obviamente, a Lockheed Martin teve apenas uma única reação: 


"AHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA... espera, não, cês tão falando sério? Mano, tá, eu acho que posso tentar uma versão disso, mas... vai ser complicado. E caro, muito caro."

E sim, a Sega estava falando bastante sério. Eles então começaram a desenvolver um acessório para dar mais poder ao Saturn. O que foi, como a própria Lockheed havia avisado, bem caro. O projeto do Saturn V08 - como era o seu nome de desenvolvimento - entretanto, não chegou a ver a luz do dia por um motivo bem simples na verdade: só depois de uma grana e o projeto estar em fases iniciais de desenvolvimento que a noticia começou a se espalhar nos corredores da Sega e tão logo soube disso, Yu Suzuki - o principal designer de jogos da Sega, responsável por jogos como Virtua Fighter e Virtua Racing, correu para a sala do presidente metendo o bicudão na porta.

Ele simplesmente mandou um: "VOCÊS SÃO BURROS ASSIM MESMO OU TÃO DE SACANAGEM COMIGO?!?".

Depois que conseguiram acalmar o homem, Yu explicou que aquela era a ideia mais idiota de todas a história de ideais idiotas que ele já tinha ouvido na vida. O principal problema do Saturn não é que ele era menos poderoso que o Playstation (embora fosse do que o Nintendo 64, mas a Nintendo já tava meio que como café com leite aquela altura), e sim que ninguém conseguia programar pra tirar 100% do potencial praquela desgrama de hardware. Aí os caras queriam meter um adaptador que exigiria mais saltos laterais e gambiarras dos programadores que já não conseguiam programar para o Saturn em primeiro lugar? Quem é que ia fazer jogos pra um negócio desses, iam tirar o Neo da Matrix pra ser o programador deles? 

"Já avisei que vai dar merda isso daí" - Suzuki, Y.

Ouvindo esse argumento do seu melhor programador, o presidente da Sega do Japão refletiu e considerou que, realmente, a ideia de fazer um "32X para o Saturn" era uma ideia muito ruim e eles não fariam isso. Ao que Yu Suzuki suspirou aliviado (e todos nós).

O que a Sega faria seria, inevitavelmente, um novo videogame. Não era a solução ideal, o publico ia ficar uma arara de ter um novo videogame lançado tão pouco tempo depois, mas era a única solução. Porém ele estava muito ciente de todos os erros cometidos no desenvolvimento do Saturn, e não repetiriam os mesmos erros novamente.
 


A Sega agora reconhecia que deixar a briga entre a matriz e a filial americana sair do controle foi o que condenou o Saturn em primeiro lugar, e eles não deixariam isso acontecer uma segunda vez. Por isso a primeira decisão que a Sega do Japão tomou foi que não haveria uma disputa desordenada entre o novo console americano e o novo console japonês.

Como ele podia garantir isso? Simples, não haveria desordem porque a Sega secretamente estaria manipulando a luta entre o sucessor do Saturn desenvolvido no Japão e o sucessor do Saturn desenvolvido na America.
 


Sim, o plano da Sega foi exatamente esse: contratar uma empresa no Japão para fazer o projeto do seu novo videogame, e contratar uma empresa nos Estados Unidos. Só que nenhuma das duas saberia da outra, cada uma trabalharia acreditando que apenas ela estaria fazendo o novo videogame.

Com efeito, nem mesmo a Sega saberia disso: apenas a alta cupula próxima ao presidente da Sega do Japão e o circulo interno próximo ao presidente da Sega da América saberiam a verdade, todo o resto da empresa achava que a apenas a divisão deles estava trabalhando no novo videogame.

Parece uma história maluca saída de um filme de espionagem muito brisado, mas eu juro pra vcs que foi exatamente isso que a Sega fez. Vamos recapitular a história até aqui então, sim? A Sega que já estava sangrando dinheiro por todos os poros por causa do fracasso do Saturn gasta mais dinheiro para fazer o "32X do Saturn"... aí desiste para financiar não um, mas dois projetos de novo videogame do qual apenas um será aproveitado. Pior ainda, todo esse material humano, todo esse tempo e recursos gastos não estavam sendo gastos colaborativamente, e sim sendo gastos sem que um soubesse da existencia do outro.

Uau. Apenas... uau.



Quer dizer, sério, como é que eu posso explicar um negócio desses? É simplesmente a pior ideia que eu já vi uma empresa tomar na minha vida. Quando o Yahoo não quis comprar o Google ou a Blockbuster não quis comprar a Netflix, claro, olhando em retrospecto foram decisões ruins. Mas eu entendo a lógica por trás disso com as informações que eles tinham na época. Agora, isso?

Sério, Sega, apenas... pq?
 


Bem... mas, como de costume, calma que piora...

No Japão a Sega se aproximou da Videologic - que na época era famosa por suas placas de video PowerVR. Na America, a Sega se aproximou da 3dfx (famosa pelas placas Voodoo) para desenvolver o projeto. Quem é mais antigo vai lembrar desses nomes, eram realmente empresas de peso na computação da época.

O problema não é bem esse... e sim que uma não sabia da outra. Para apimentar a comédia romantica que virou essa história, a Sega da América (que não sabia do rolo) comprou 16% da sociedade da 3dfx tanto como sinal de boa fé como para aproveitar a oportunidade de "pagar pra ela mesma" (a sardinhagem nunca muda).

Então imagine a surpresa da 3dfx quando um belo dia eles estão lendo as revistas de videogames e casualmente leem que a sua rival Videologic estava trabalhando com a Sega para desenvolver um novo videogame. A primeira reação deles foi ligar para a sua acionista e pedir para esclarecer que aquela matéria obviamente estava errada, afinal ELES estavam desenvolvendo o novo videogame da Sega!

Ao menos o devkit do Dreamcast era literalmente um PC, o que dava uma esperança que seria fácil programar nesse negócio...

E para melhorar a história, a Sega da América não sabia sobre nada disso também. Foi só quando eles entraram em contato com a matriz que ouviram "ah, é, então..."

A 3Dfx ficou tão puta com estar sendo tirada pra ser "a outra" (até porque eles investiram recursos em desenvolvimento com uma empresa que estava mentindo pra eles) que tocou o foda-se: eles decidiram que iam colocar a boca no mundo e anunciaram que ELES é que estavam desenvolvendo o novo videogame da Sega. Com efeito, mais ou menos nessa época a 3Dfx fez IPO e colocou o projeto nos seus relatórios.

O que ninguém entendeu mais joça nenhuma a essa altura. As revistas da época não entendiam que porcaria tava acontecendo. A Sega ia ter dois videogames, um japonês e um americano? Eles iam ser compatíveis? Ou ia ser um videogame e um acessório tipo o 32X?

Não existem muitas imagens dos prototipos do Dreamcast americano, mas os controles pareciam uma versão nightmare fuel do controle do Nintendo 64

E se a imprensa não tinha entendido nada, muito menos o publico. Não ajuda nada que a Sega não veio a publico explicar a situação, ficou um diz-que-me-disse e todo mundo confuso. Mas mais importante que isso, as desenvolvedoras de jogos viram essa onda arrebentando e perceberam que a Sega não aprendeu nada com os erros passados.

O resultado dessa pataquada toda foi que a Sega acabou escolhendo o projeto japonês, da Videologic, para ser o seu console - que apesar de ser muito menos poderoso do que o da 3Dfx era mais barato de produzir e a Sega REALMENTE tava precisando de dinheiro a essa altura.

O que levou a uma situação bastante ... incomum. Isso pq para evitar que o projeto que não fosse escolhido acabasse indo parar nas mãos de uma concorrente (assim como a Sega colocou a Silicon Graphics encaminhada para fazer o Nintendo 64), ela fez um contrato de exclusividade do projeto tanto com a 3Dfx quanto da Videologic. Então quando o projeto da 3Dfx não foi escolhido, eles tavam com uma coisa nas mãos no qual gastaram tempo, recursos e abriram mão de outros projetos... e agora não podiam fazer nada com ele.

Resultado: a 3Dfx processou a Sega pela palhaçada, ou seja, processou sua própria acionista. Taí uma coisa que não se vê todo dia, tenho que dizer.

Mayki porra esse marketing da Sega tb, né?

A Sega conseguiu um acordo extra-judicial e acabou diminuindo o prejuízo para "apenas" 10 milhões, mas a imagem da Sega ser processada pela "pegadinha" que ela pregou na sua parceira terminou de espantar as poucas desenvolvedoras que ainda estavam cogitando em trabalhar com a Sega. Porque se é assim que ela tratava quem estava desenvolvendo o hardware com ela, imagina o que ela não faria com quem dependesse dela pra lançar software?

Não foi por nada que a Sega conseguiu a façanha de lançar seu novo videogame no Japão, o Dreamcast, com o impressionante número de QUATRO jogos prontos. CU-A-TRO. FOUR. Sendo que esses jogos eram July, PEN PEN TRICELONVIRTUA FIGHTER 3 TB e GODZILLA GENERATIONS. Ou seja, tirando Virtua Fighter 3 que é um bom jogo de luta, não fique realmente surpreso se ninguém deu meio peido sequer para esses jogos.

Some a isso que a Sega sempre foi uma empresa bem meh no Japão (tirando um curto período da vida do Saturn) e em sua terra natal geral cagou para o console da Sega. O que significava que todas as esperanças estariam depositadas no lançamento americano... mas qual eram as chances da Sega estragar o lançamento de um videogame na América da forma mais catastrófica possível?

... hey, espera...



Então a situação era que na Sega a coisa tava complicada, o desenvolvimento do seu novo videogame foi complicado (em grande parte por culpa dela mesma) e o unico dinheiro que estava entrando era basicamente o dos arcades. Ou seja, a Sega sangrava dinheiro dia após dia e os bandaids não tavam mais dando conta de estancar a hemorragia.

Para piorar a situação o lançamento do Dreamcast no Japão foi... desapontante, para dizer o minimo (embora não se possa dizer que isso foi inesperado, vide os títulos de lançamento) e todas as fichas da sobrevivencia da empresa dependiam do console ir bem na América.

Mas antes, como é de costume, as coisas pioraram ainda mais um pouquinho pq desgraça pouca é bobagem, né? Bem, vendo que a Sega estava numa situação MUITO delicada a esse ponto, era só questão de tempo até alguém tentar tirar proveito disso... e nem foi muito tempo, na verdade.




Aquela época, tal qual ainda é hoje, a maior produtora de jogos de esportes era a Eletronic Arts - que produz os jogos oficiais licenciados FIFA, Madden (jogo licenciado de futebol americano) e NBA Live. Jogos de esporte são uma grande coisa nesse lado do mundo, entre 30% a 40% do mercado sozinhos, e lançar um videogame sem grandes jogos de esporte era uma vulnerabilidade que vc não queria dar para os seus adversários (como a própria Sega havia acertado isso pegando a Nintendo com as calças na mão dado o grande numero de jogos de esporte no começo da vida do Mega Drive).

E a EA sabia disso. Então vendo que a Sega não tinha muita condição de negociar, eles apenas exigiram que a EA fosse a única desenvolvedora de jogos de esporte para o Dreamcast - a exceção dos esportes que eles não tinham interesse, tipo Worldwide Bocha Championship ou Truco World Tour' 99. Era isso ou não tinha negócio.


A Sega tentou chegar a um acordo, propondo então que apenas jogos de esporte da EA e da própria Sega, mas nada feito. A EA sentiu o cheiro de sangue na água e era pegar ou largar. A Sega então não aceitou essas condições e a Eletronic Arts se retirou inteiramente do suporte a Sega, o que quer dizer que o Dreamcast não teve FIFA, Madden, The Sims, Road Rash, NBA Live e uma lista muito longa de franquias que eram vitais para o publico ocidental.

O que já era ruim se tornou desesperador.



E claro, devido as condições financeiras da Sega aquela altura não é como se ela pudesse se dar ao luxo de oferecer grandes descontos nos royalites dos jogos produzidos a qualquer desenvolvedora, então as desenvolvedoras que já estavam com dois pés atrás com todas as pataquadas nos ultimos anos (desenvolver dois sistemas e abandonar um deles em menos de um ano, o 32X, e o outro em menos de 2 anos, o Saturn, não é algo que inspire confiança pra vc dedicar recursos e tempo), não poderiam ser seduzidas pelo dinheiro pq não tinha dinheiro do qual a Sega pudesse cortar suas margens.

Todos os elementos para um desastre inevitável estavam no palco, agora era só deixar a banda passar e assistir o sangue jorrar.



E foi então, no momento mais sombrio, na hora mais desesperadora e sem esperança... que algo impensável aquela altura aconteceu. De todas as coisas que poderiam acontecer aquele ponto, a mais inacreditável e improvavel de todas foi o que se sucedeu.

Acredite ou não, as coisas começaram a dar certo para a Sega.

O primeiro passo desse pequeno milagre foi quando, a poucas semanas do lançamento japonês do Dreamcast, a Sega descobriu que houve um problema de fabricação no aparelho e os primeiros lotes inteiros tiveram que ser jogados fora.

EU ACHEI QUE TU TINHA DITO QUE UMA COISA BOA ACONTECEU. TER QUE JOGAR LOTES INTEIROS DA PRODUÇÃO PARA UMA EMPRESA QUE JÁ ESTAVA DESCAPITALIZADA NÃO É O QUE EU, OU QUALQUER UM, CHAMARIA DE "BOM"

Então, normalmente seria o prego no caixão mesmo. Só que acabou sendo a melhor coisa que poderia acontecer com a Sega, de verdade.



Isso pq a ideia original da Sega era fazer um lançamento mundial simultaneo (o que hoje é apenas esperado, mas na época os consoles e mesmo os jogos eram lançados primeiro no Japão e só meses depois nos Estados Unidos). O que quer dizer que o Dreamcast seria lançado nos Estados Unidos com QUATRO jogos (três deles bem merda e um que todo mundo já conhecia dos fliperamas, Virtua Fighter 3) e no modo desespero.

Como literalmente faltou Dreamcast devido ao problema de produção, a Sega decidiu que lançaria apenas no Japão e o lançamento americano seria meses depois. O que quer dizer que a Sega teve alguns meses de bonus para preparar o terreno e fazer algo que funcionasse.

A primeira coisa que o então presidente da Sega da América, Bernard Stolar, bateu o pé é que o Dreamcast não seria lançado sem um jogo do Sonic. Uau, que ideia louca, lançar o videogame com um jogo que chamasse a atenção das pessoas e fizesse as pessoas comprarem o aparelho apenas por causa desse jogo especial!

Me pergunto se alguém já pensou nisso antes...



Hã, quem poderia pensar nisso...

Assim sendo, a Sega rushou as coisas para lançar o Dreamcast com o tão esperado jogo 3D do Sonic. Na verdade pq diabos não existia um jogo 3D do Sonic até então pra começo de conversa é que é a verdadeira pergunta que devia ser feita... mas seja como for, vai ter Sonic sim e se reclamar vai ter dois!

Claro, como deu pra ver na minha review de SONIC ADVENTURE, forçar um jogo do Sonic no lançamento americano do Dreamcast foi uma coisa que cobrou seu preço na qualidade do jogo. Mas a nível de marketing, bem, não dá pra dizer que não foi uma ferramenta importante.

A segunda coisa que a Sega quebrou seus últimos porquinhos na operação "vamo salvar nosso emprego, geral" foi no que a Sega sempre teve tradição de fazer muito bem: propaganda. A Sega gastou 100 milhões de dolares em publicidade, incluindo revistas inundadas de anuncios, outdoors, seis comerciais durante o MTV Music Awars de 99 (na época a MTV era uma grande coisa com o publico jovem, saiba você), com festas por todo país com ícones teen da época, o pacote completo.


Ó uma Sabrina Bruxa Adolescente jogando Dreamcast só pra vc ficar esperto.

Adicionalmente a isso, a Sega aprendeu com os erros do Saturn e reatou relações com os distribuidores, garantindo que DESSA VEZ todo mundo ia ter o aparelho, ninguém ia ser preterido em favor dos concorrentes, o sistema de distribuição estava todo organizadinho de antemão. Você sabe, o que se poderia chamar de "apenas fazer o básico", mas no caso da Sega era uma clara evolução.

Mas a parte mais importante disso tudo é que a Sega REALMENTE aprendeu com os erros do passado e o Dreamcast era deliciosamente fácil de programar. Ao contrário do Saturn, que muitos programadores ainda hoje acordam chorando em posição fetal no meio da noite ao lembrar do horror que era trabalhar com aquela coisa, o Dreamcast era essencialmente um computador. Tá, todos os videogames são um tipo de computador, mas nesse caso eu quero dizer literalmente: a coisa literalmente rodava com Windows como sistema operacional!



Assim que a Sega conseguisse convencer alguém a fazer jogos para o Dreamcast, eles logo veriam o quão simples isso era - e simples no mundo dos videogames quer dizer rápido, e rápido quer dizer dinheiro. Se desse para portar os jogos de Playstation sem ter que oferecer seu rim direito e seu primogenito a Belzebu, obviamente que as desenvolvedoras fariam isso!

Gente, tava se encaminhando a coisa! Apesar de todos os problemas iniciais, parecia que ia dar certo! Faltava só a cereja no bolo, e esse seria o preço.

A coisa do Dreamcast é que, apesar de ser bem mais poderoso que o Playstation e o Nintendo 64, ele ainda sim era muito barato de fazer - essa sendo a principal razão pelo qual a Sega escolheu o projeto japonês ao invés do americano (ao menos oficialmente). A estimativa da Sega é que se lançasse o console a 250 dolares, eles teriam 50 dolares de lucro por unidade - o que era um respiro desgraçado de necessário para a situação que a Sega estava.

Não tem como ser mais muito 1999 do que esse stand da E3 daquele ano, eu te digo

Então foi assim que na E3 de 1999, o preço do Dreamcast foi anunciado de uma forma bem menos dramática que da ocasião anterior: 200 dolares. Bem, U$199,99, mas você entendeu

EU ACHEI QUE TU TINHA DITO QUE A SEGA DECIDIU QUE 250 DOLARES ERA O PREÇO INTERESSANTE PRA ELES.

E decidiu. Só que no palco, na hora de falar, Bernard Stolar pegou todo mundo de surpresa - inclusive sua própria equipe - ao anunciar que o preço seria 199,99. Tão logo ele desceu do palco, seu VP foi falar com ele perguntando que porra era aquela, não foi esse o preço que o Japão mandou anunciar.

Ele então respondeu que não ia deixar o lançamento do Dreamcast ser arruinado como o do Saturn foi. E enquanto eles tinham essa conversa, no fundo a Sony estava naquele momento anunciando um corte de preços para o Playstation.


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Tinha sido a decisão correta ... embora a Sega do Japão não se sentiu dessa forma e no mês seguinte mandou ele passar no RH e acertar suas contas. Ainda sim, eles não voltaram atrás com o preço e o Dreamcast podia não ser lançado com lucro, mas definitivamente era o primeiro videogame da nova geração e estava saindo com um preço insanamente atraente para o consumidor.

Po, 200 dolares por um videogame de nova geração que vai ser lançado com um jogo do Sonic e que já vinha com modem para internet incluído? Putz, era um baita negócio! Hoje é óbvio que qualquer aparelho eletronico já vem com acesso a internet como algo dado - até geladeiras tem isso. Mas 1999 era algo literalmente anos a frente o console já vir com um sistema online não apenas com modem embutido, como a Sega arranjou contratos com as companhias telefonicas para planos de assinatura especial apenas para jogar online no Dreamcast.

Era, literalmente, um videogame a frente do seu tempo.



Mas enfim, o ponto é que o marketing foi bem feito, o preço era ótimo, vinha com um jogo interessante para vender o aparelho, tinha features que pareciam coisa de sci fi (como o memory card do videogame ter uma tela para passar dados e jogar minigames no proprio memory card, isso em um tempo em que smartphones sequer eram sonhados)... acreditem ou não, a Sega estava fazendo tudo certo!

Estava dando certo! E deu certo, porque no dia do lançamento do Dreamcast nos Estados Unidos em 9/9/99 (data legal, alias) o Dreamcast entrou para o livro dos recordes como maior arrecadação em 24 horas de um produto de entretenimento - arrebatando 98.4 milhões de dolares em um dia (o recorde anterior era do filme Star Wars Episódio 1, com aproxidamente 48 milhões).

Estava acontecendo! A Sega sobreviveria mais um dia, a Sega viv...

Em três meses, as vendas do Dreamcast tinham caído para 1/6. Em seis meses, ninguém sequer lembrava mais que ele existia. O Dreamcast desapareceu basicamente do dia para a noite, soprado até o último átomo para fora da história dos videogames.

O que aconteceu exatamente?

Tal como a garota que entendeu a resposta para a pergunta fundamental sobre a vida, o universo e tudo mais mas não pode contar ela ela pra ninguém porque a Terra foi destruída no instante seguinte, justamente quando a Sega finalmente tinha colocado todas as coisas no lugar um meteoro de proporções de extinção em massa atingiu o mundo dos videogames.



Isso é algo que veremos em maiores detalhes no próximo capitulo da história dos videogames, mas a ideia geral da coisa é que a Sega sabia que levaria uma pancada muito feia quando o Playstation 2 saísse. E ela se preparou para isso o melhor que pode, lançou todos os jogos que pode, fez todos os cortes de custo que pode.

Mas nada que a Sega fizesse ou deixasse de fazer realmente a prepararia para o que foi o PS2. Ela levantou sua guarda e trancou os dentes para receber uma porrada, o que lhe atingiu foi uma explosão nuclear. A Nintendo, que estava relativamente bem, sofreu um longo e doloroso inverno com o acontecimento do que foi o Playstation 2. A Sega, que já estava em um longo e doloroso inverno, não sobreviveu a isso.

O ano de 2001 começou para a Sega com a reunião mais dificil que eles já tiveram que fazer em toda sua vida. A unica forma da empresa sobreviver seria não apenas se retirar do negócio de hardware para sempre, como na segunda-feira seguinte teriam que ligar para a Sony e para a Nintendo para negociar lançar os seus jogos e os seus produtos nos consoles das concorrentes a quem espezinharam durante tantos anos.

Claro que eu não terminaria esse texto sem mencionar o homem, o mito, a lenda, Leonam - o homem culpado apenas por amar seu Dreamcast demais. Quem sabe, sabe.

Relatos dessa reunião dizem que vários executivos japoneses, diante dessa proposta, simplesmente se levantaram e sairam da sala deixando o presidente falando sozinho - o que é o ápice de demonstrar falta de respeito mundo empresarial japonês, acima disso só se você sacar uma katana e fazer um seppuku na frente de modo as suas tripas mancharem a camisa do interlocutor.

Seja como for, em março de 2001 a Sega anunciou que estaria descontinuando o Dreamcast ao final do ano fiscal japonês, e que não havia planos de voltar a fazer consoles videogames novamente. Nunca mais.



Eu não posso realmente deixar de notar o quão ironico é que o fim da Sega nessa história dos videogames tenha sido justamente com um videogame do qual ninguém realmente tem nenhuma reclamação. Os (não muitos) que tiveram um Dreamcast amavam ele, os desenvolvedores gostavam de trabalhar com ele, o custo-beneficio dele era ótimo.

É uma dessas coisas da vida, sabe? E como a vida tem coisas...


Mas bem, agora que eu falei sobre o Dreamcast, como eu tinha prometido algumas palavras sobre o jogo de hoje. Evolution: The World of Sacred Device foi o primeiro RPG tradicional a chegar ao Dreamcast dos EUA e, à primeira vista, ele sugere o quão verdadeiramente espetaculares os RPGs poderiam vir a ser na nova geração de hardware. Seus gráficos tem bonecos grandes com tantos poligonos e tão lisos que o PS1 teria uma cincope, uma quadrupe e uma sextupe se tentasse fazer algo remotamente parecido. No entanto, essa é a melhor coisa que pode ser dita sobre o jogo pq Evolution sucumbe ao fato que é um dos jRPG mais chatos que eu já joguei em todos esses anos nessa indústria vital.

Em Evolution, você joga como Mag Launcher, um jovem aventureiro que aspira seguir os passos de seus pais desaparecidos. No mundo de Evolution, os aventureiros contam com máquinas chamadas cyframes para se defender das masmorras que exploram, e Mag, apesar de sua juventude, provou sua coragem em muitas ocasiões com a ajuda de seu cyframe de mão.


Há 3 anos, cerca de um mês após o primeiro desaparecimento de seus pais aventureiros, uma misteriosa garota silenciosa chamada Linear Cannon apareceu na porta da mansão Launcher, onde Mag e o mordomo da família, Gre Nade, vivem. A moça enigmática não ofereceu nenhuma informação, carregando apenas um bilhete do pai de Mag dizendo que era imperativo que Mag cuidasse de Linear.

Mag, sendo o bom filho que é, seguiu os desejos de seu pai à risca, levando Linear junto em todas as aventuras que empreendeu desde aquele dia fatídico. Não sei bem se levar ela pra uma masmorra infestada de monstros conta como "tomar conta", mas de fato ele não perdeu ela de vista... Enfim, como resultado, os dois se tornaram amigos e quando o jogo começa, Mag aspira encontrar Evolutia, um cyframe lendário de poder supostamente ilimitado. A aquisição da máquina cobiçada tem um duplo significado para Mag: ele não apenas seria capaz de ajudar a fornecer uma fonte de poder forte o suficiente para abastecer o mundo inteiro, como também finalmente ganharia dinheiro suficiente para pagar a dívida pendente de sua família com a Society, uma organização que patrocina aventureiros.


A primeira coisa que salta a vista sobre Evolution é, como eu disse, sua apresentação visual impressionante. Os gráficos de Evolution são construídos inteiramente de polígonos, e são de longe os gráficos poligonais mais impressionantes já vistos em um RPG lançado nos EUA até então. Além disso, os efeitos de magia são impressionantes e às vezes beiram o espetacular; uma variedade de grandes efeitos são utilizados. A animação de personagens e inimigos também é notavelmente fluida. Verdade que diminui um pouco o brilho que o estilo de arte escolhido pareçam muito buddypokes, mas essa escolha pouco inspirada a parte, os gráficos são a grande atração do jogo.

No quesito jogabilidade, Evolution não é um jogo ruim mecanicamente. A maioria dos personagens jogáveis ​​usa cyframes como suas armas primárias, e cada cyframe trás o seu próprio set de golpes diferentes - desde ataques que causam status, ataques em area ou mesmo poderes de cura. 

Só que... sempre tem que ter um "só que"... embora a execução não tenha nada de errado, o real problema desse jogo é que Evolution deixa de ser interessante depois de poucas horas. O layout do jogo é absolutamente atroz, a maior parte do jogo consiste em explorar masmorras longas e monótonas geradas aleatoriamente. Dungeons geradas aleatoriamente significam apenas uma coisa: não tem nada de especial no layout delas. 


Além disso, como um dungeon crawler tem apenas uma cidade em todo o jogo, e vc passa um tempo mínimo nela. Como resultado, você passa muito pouco tempo fora masmorra, e quando vc está na masmorra não tem nada nela senão batalhas aleatórias e mapas gerados aleatoriamente sem nada de especial neles.

A ideia geral da coisa é que vc anda em corredores vazios que terminam em salas quase tão vazias quanto, salvo um lote de inimigos e itens espalhados... e é isso. Não tem há puzzles, então chegar ao próximo andar é o único objetivo - mas vc é obrigado a matar tudo no andar que vc esta pq precisa grindar para ter nível. E as masmorras consomem muito tempo, são vários e vários andares fazendo a mesma e a mesma coisa de novo e de novo antes de chegar ao chefe final. Felizmente, o jogo oferece um ponto de save quando você sai de um andar, provavelmente porque o próprio jogo sabe quanto tempo você fica dentro da masmorra.


No final das contas, Evolution é um RPG muito mediano que se arrasta alem do ponto da sanidade, e por consequencia tem um fator de diversão bem baixo. Enquanto os personagens, a câmera ajustável e o sistema de batalha são okay-ish, as masmorras vão mantê-lo ocupado durante a maior parte do jogo, e como as masmorras são mal projetadas, você se verá torcendo pra esse jogo acabar logo. A menos que você queira testar sua paciência, é recomendado que você procure em outro lugar por uma experiência de RPG... embora no começo da vida do Dreamcast não tinha muito pra onde correr, pq a coisa é daí pra baixo mesmo.

Afinal, Sega. Sega never changes.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 138 (Abril de 1999)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 056 (Novembro de 1998)


EDIÇÃO 060 (Março de 1999)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 035 (Novembro de 1998)


EDIÇÃO 038 (Fevereiro de 1999)