quarta-feira, 25 de julho de 2018

[AÇÃO GAMES 011] TEX MURPHY: Martian Memorandum (PC, 1991) [#147]



O ano é 2039, o uisque gelado ainda é servido quente e a cidade é o antro de corrupção e crime conhecida como San Francisco. A guerra nuclear terminou a alguns anos, mas a atmosfera do planeta ainda está toda fodida. Dizem que ficará com esse ar sujo e esse céu vermelho pelos próximos milhões de anos. Combina bem com essa cidade que cheira a mijo e cigarro barato.

Meu nome é Tex Murphy, detetive particular. Meu trabalho é encontrar Alexis Alexander, filha do figurão da terraformação marciana que me contratou para recuperar sua preciosa boneca, mas meus instintos me dizem que há algo de podre nessa história que ele não está me contando.

Não que eu me importe com os detalhes sujos, ser um bom moço nunca pagou as contas de ninguém...




Tex Murphy: Martian Memorandum é o segundo jogo da série Tex Murphy, e diferente do primeiro esse é inteiramente um point'n click. Seu objetivo nesse jogo não é tão diferente dos jogos da série Phoenix Wright, onde você explora os cenários, coleta itens e usa os itens que coletou na hora certa para fazer as testemunhas cuspirem os feijões. Nada nessa vida vem de graça, sugarface.

Ao menos a primeira metade do jogo é assim, a segunda metade tenta ser um adventure mais tradicional ao estilo da Lucas Arts e... bem, eles claramente não tem os recursos ou o talento para competir com a Lucas Arts nisso. Seria melhor se o jogo se focasse mais na coisa da investigação mesmo.

Como esquecer a terceira guerra mundial, que arrasou o mundo com bombas de edição barata no paint?

Interrogar as pessoas desempenha um grande papel, e como eu disse quase todos que você conhece são hostis a princípio, exigindo que você os amacie primeiro - seja dando um item que eles querem, seja navegando por uma série de respostas de múltipla escolha para fazê-las cooperar.

A melhor amiga de Alexis, por exemplo, Chantal não fala nada para você a principio. Por sorte ela é sua vizinha, então você pode ir até as janelas do seu escritório e tirar algunas fotos comprometedoras dela comprando substancias pouco-cristãs. Mostrar essas fotos a ela a torna mais cooperativa, e assim você fica sabendo o nome do ex-namorado de Alexis e seu endereço. E assim você vai seguindo a trilha até descobrir onde está a garota.

Se você responder errado e eles te expulsarem, nada demais - basta entrar novamente na área e eles agirão como se nada tivesse acontecido. A maioria dos personagens fala através de vídeo e fala digitalizados, tornando-se notável para um jogo baseado em disquete de 1991. Claro, a atuação e o diálogo são terríveis, mas isso meio que casa com a atmosfera da produção. Sabendo que tinham valores de produção ridiculamente baixos a sua disposição, a Acess decidiu abraçar a galhofa e intencionalmente produzir o jogo como se fosse um filme B de detetive noir. Tanto que uma das "trophy wife" que você interroga é um cara barbudo de peruca e peitos feitos no photoshop. Isso que eu não vou nem falar dos efeitos especiais dos "mutantes" que você interroga no jogo.



A escrita é exagerada, em um sentido bem ruim: e parece que foi feita por um estudante de segundo grau que acabou de ler The Maltese Falcon e achou que foi a coisa mais incrível que já existiu.O que fecha 200% com a proposta intencional do jogo de parecer um filme noir ruim.

Muito do jogo, que culmina com o herói salvando uma Marte repleta de mutantes tratados em condições sub-humanas parece muito reminiscente do filme Total Recall, que por sua vez foi baseado em uma novela de Phillip K. Dick chamada We Can Remember It for You Wholesale.

Um sistema de dica no jogo existe também. Clique no botão "Ajuda" e você verá uma lista de itens em cada tela e clicar no item fornece uma sugestão bastante contundente de como usá-lo. Lançado em uma época sem internet, é uma alternativa valida o jogo vir com uma opção para te ajudar a desempacar quando você estiver sem saber para onde ir.

Regra de detetitve noir #63: don't be doughnut

E enquanto a escrita tosca do jogo não é um problema - é até um charme - o mesmo não pode ser dito da interface que, mesmo para a época, é muito travada e tacanha. Conforme você avança no jogo, você vai recebendo mais nomes e lugares para interrogar e visitar, porém a interface é tão ruim que navegar entre eles acaba se tornando mais uma tarefa do que um prazer. Não ajuda que as janelas sejam programadas com uma qualidade inferior a do windows 3.11, então você nunca sabe se terminou de descer toda a lista de nomes a não ser que clique até o fim. O sistema de saves é uma das coisas menos intuitivas que eu já vi na vida, ao ponto que a maior parte das perguntas no forum da Steam sobre o jogo é como salvar o jogo.

Falando ainda em programação, o jogo também conta com a coisa que eu mais detesto em point'n clicks que são "areias movediças". Isso significa que o jogo deixa você avançar até determinado ponto, porém se chegar lá sem os itens que precisa ou ter feito determinada coisa, você trava em um beco sem saída e tem que recomeçar o jogo. O problema é que o jogo nunca te diz exatamente o que você deixou passsar, então você não sabe onde errou.

Eu vou presumir que esses óculos são aqueles óculos 3D de papel celofane dos anos 80

Nos grandes jogos da época - ou nos jogos modernos - isso não acontece, se você não tem o suficiente para avançar o jogo não te deixa passar, mas em um point'n click de 1991 é cheio desses atoleiros que você não tem como continuar o jogo e só descobre depois de muita tentativa e erro que tem que começar de novo.

De fato, para um jogo de investigação o "Memorando de Marte" é incrivelmente linear, exigindo que você escolha precisamente a combinação certa de respostas para descobrir uma pista que você não tinha. Alguns dos dialogos não são exatamente bem escritos no sentido de não te levar a deduzir de forma alguma que aquela era a escolha certa a ser feita. Dessa forma, você é forçado a tentar quase todas as combinações possíveis de opções de conversação com todos os personagens possíveis, na esperança de que eles possam conter a pista de que você precisa para seguir em frente. Não é divertido nem um pouco, e fica cansativo depois de um tempo. Para complicar, isso se aplica também a usar os itens de inventário que coletou com as pessoas com quem fala, e isso é eficaz apenas se feito no momento exato da conversa, o que também é muitas vezes menos do que óbvio.

Ok, Tex, eu entendi. Ela é gata. Tu realmente precisava usar 13 linhas para dizer isso?



São pequenas coisinhas como essa que ficam atravancando sua experiencia e fazem Tex Murphy ser um jogo muito menos relevante - ou divertido - do que poderia ter sido.