sábado, 20 de janeiro de 2018

[AÇÃO GAMES 008] MANIAC MANSION (PC, 1987) [#097]

 

Em 1986, os jogos de aventura de texto era um genero particularmente comuns nos computadores. Funcionava assim: o jogo te dava um bloco de texto e você podia digitar um comando (dentre uma lista que o jogo estava pre-programado para reconhecer). O aspecto era mais ou menos assim:


Então você podia digitar comandos como "walk left", "punch eric" ou "fill the existencial void of my mortal and lonely soul" e o jogo respondia de acordo com mais texto se as palavras estivessem pré-programadas no jogo.. Algumas vezes a lista de comandos possiveis vinha no manual do jogo, as vezes não.

Com o avanço dos games, eventualmente os jogos desse tipo passaram a ganhar gráficos, embora a interface de interação continuasse basicamente a mesma.



Naquela época, Ron Gilbert and Gary Winnick estavam desenvolvendo um jogo original para a LucasArts (a produtora de games do George Lucas), e estavam bastante interessados no genero mas alguma coisa sobre esse formato não estava exatamente funcionando para eles. Se eles pudessem pegar esse conceito e deixar mais simples, usar melhor as capacidades do mouse para deixar os jogos de computador mais fluídos...

E foi assim que nasceu não só um novo genero, mas um dos conceitos que mudou para sempre a concepção dos jogos de videogames.




Ron e Gary criaram uma interface totalmente visual para o seu jogo. O que significava que todos os comandos que o jogador precisaria colocar ja estavam na tela, bastava apenas clicar nas coisas. Ou seja, criaram isso:

Só clicar na ação que você quer fazer e então no item que você quer interagir.

Claro que se houvesse internet na época Gary e Ron teriam sido enxovalhados por tornar o genero mais acessível, teriam sido chamados de nutelinhas e entre pedidos para ver sua gamertag para provarem que eram gamers de verdade, rolariam uma ou duas ameaças de morte. Felizmente isso não aconteceu nos anos 2010's e sim em tempos mais civilizados, os anos 80.

Foi assim que nasceu o genero "Point'n click" que tem esse nome por motivos óbvios, e que eventualmente foi traduzido pela ação games como "Adventure game". Quer dizer, metade dos generos são "adventure" para a Ação Games, mas esse é um que nunca teve outro nome nas páginas da revista até o começo dos anos 2000.

Bem, esse é o um ponto. Criar um novo genero de jogos não é algo que acontece todo dia, mas eles mudaram a industria de games de uma forma muito mais profunda do que eles sequer poderiam imaginar.

Acontece que Gary e Ron tinham uma ideia ambiciosa: reproduzir o feeling de filme B de terror usando diversos protagonistas, tendo várias soluções possíveis para terminar o jogo de acordo com as habilidades de cada um. De fato, o jogo tem um grupo de 6 personagens e você tem que escolher 3 = e como o jogo termina depende de  quais personagens voce tem e das habilidades deles.

A coisa é que jogos de texto (ou mesmo com gráficos, mas lineares), era relativamente simples preparar respostas programadas para todos os caminhos possiveis do jogador. Alguns minutos e você podia escrever tanto texto quanto precisasse.

Com gráficos, a coisa é mais complicada que isso. Existe um número pré-determinado de cutscenes e animações que você pode deixar engatilhados, e amarrar todos os possíveis cenários na mesma programação seria, no mínimo enlouquecedor...



... a menos que eles tivessem um cenário básico pré-programado e apenas adicionassem variaveis. Assim a programação do jogo seria uma só, apenas situações X deflagariam respostas Y. 

E porque isso é tão importante?

Até aquele ponto os jogos eram manualmente programados do começo ao fim. Ron e Gary pensaram em um sistema pré-pronto que voce só precisava alterar as variaveis (como gráficos e música, por exemplo) para ter outro jogo quase inteiramente diferente. O que torna essa ideia tão importante é que a LucasArts se ligou que eles não precisavam usar aquilo apenas para criar variações do mesmo jogo: eles podiam reaproveitar esse "esqueleto" de programação para jogos inteiramente novos!

E foi assim que nasceu a SCUMM (Script Creation Utility for Maniac Mansion). Nos jogos sequentes da LucasArts eles usaram a programação base da SCUMM apenas mudando os eventos, os graficos dos personagens, as musicas e voilá, outros jogos inteiramente novinhos!

Hoje essa prática é chamada de "engine", é o pilar fundamental da industria de games. Quando a Konami quer lançar um novo Metal Gear, por exemplo, eles não começam a programar do zero - isso levaria anos e milhares (senão milhões) de dolares! Eles pegam a base de programação para luz, física dos personagens, como os objetos interagem, movimentação, etc que eles já tem usam em jogos como o PES (sim, a série de futebol) e mudam o cenário e personagens e eventos para ser um Metal Gear!

Com efeito, você pode reprogramar uma engine para ser qualquer coisa que você quiser, pode exemplo usar a Unreal Engine 4 (uma das mais populares atualmente) para recriar um jogo do Mário sem precisar começar do zero!


E tudo isso começou com Maniac Mansion!

MAS O JOGO EM SI?

Ah, bem... como a maioria dos jogos inovadores para sua época, Maniac Mansion tem um punhado de boas ideias brilhantes que são executadas de formas... que seriam melhor polidas nos anos seguintes em outros jogos.

Nossa história começa 20 anos atrás quando um meteoro do mal cai perto da mansão dos  Edison, e sua influencia maligna toma domina a mente do cientista e inventor Fred. Depois de 20 anos construindo um aparato para que o meteoro domine o mundo, tudo que falta a Fred é o corpo de uma jovem garota para concluir seu experimento...

... mas não se o namorado dela e outros dois de seus seis amigos puderem impedir!

No tom geral, Maniac Mansion é uma grande homenagem/paródia dos clichés de ficção cientifica/terror dos filmes B dos anos 50/70. Se o jogo tem um feeling de humor dark a lá Rock Horror Show, não é mera coincidência.


Com efeito, a versão do Nintendinho do jogo entrou na faca e muitas coisas não "family friendly" tiveram que ser limadas para que o jogo fosse adaptado para o console mais quente da época.

Um exemplo bem claro do que eu estou falando é essa cena com a Edna (uma das NPCs residentes da mansão, filha do cientista louco):

A versão original a esquerda, e a versão do NES a direita que perdeu totalmente o "Grrrrrrrr tigrona!"


 Outra adição interessante é que os NPCs tem sua agenda na casa, e como seu grupo de aventureiros está invadindo para salvar a mocinha, esbarrar com eles atrapalha sua jornada. Isso cria um elemento de tensão e urgencia não muito comum nesse tipo de genero, sendo em alguns trechos um jogo de nervousor a lá jogos de furtividade.

No aspecto negativo, bem, Maniac Mansion tem mais boas ideias do que o seu tempo de desenvolvimento e recursos permitem executa-las. Como a maior parte do projeto foi voltada ao desenvolvimento da SCUMM, não sobrou tanto tempo assim para polir o jogo como deveria.

Os desenvolvedores mesmo dizem que gostariam de fazer um  jogo sem becos sem situações onde o jogador só percebe que não vai ter como terminar o jogo horas depois e ter que recomeçar de novo - como por exemplo interagir com um item fora do momento adequado e só dali a três horas o jogador vai saber que o jogo não pode mais ser vencido por causa daquilo. Infelizmente a LucasArts disponibilizou apenas um beta tester para os desenvolvedores e várias falhas assim passaram batidas, o que torna Maniac Mansion um jogo mais punitivo e exigente do que os seus criadores gostariam que ele fosse.




Nos anos 90,  Maniac Mansion ganhou uma série de 4 temporadas super família (com efeito, passava no FAMILY CHANNEL!) sobre as aventuras muito loucas do professor Edison e seu meteoro aprontando altas confusões! O que é meio que a prova cabal de que Deus existe, apenas uma mente muito doentia desenharia um universo onde isso é possível!


Claro, isso serviu como aprendizado para todos os futuros grandes jogos da LA, mas para os padrões de hoje eu diria que MM vale mais pelo fator histórico e por suas boas intenções do que sua execução realmente.