quarta-feira, 14 de novembro de 2018

[AÇÃO GAMES 012] MYSTICAL FIGHTER (Mega Drive, 1992) [#169]


Capa americana e japonesa do jogo, respectivamente


O ano é 1868, a era dos Xoguns está terminando. O manual do jogo diz que apenas que o fim do xoguntato foi a trezentos anos atrás, então ou este jogo foi feito para ser jogado em 2168 ou a KID (mesma empresa  responsável pelo classico PEPSIMAN, saiba você) não faz ideia de como fazer contas - acredite no que quiser. O fato é que o Senhor das Trevas Kabuki desafiou os guerreiros místicos pelo seu Reino Místico. O fato de ter dado uma data histórica para depois apontar um reino de fantasia me parece confuso, mas prossigamos.

Provavelmente o Senhor das Trevas Kabuki ficou de saco cheio de não ser levado a sério, já que seu nome remete ao equivalente feudal japonês a teatro experimental. Sabe aqueles caras que se vestem de preto e ficam duas horas em um palco escuro repetindo a palavra "calistenia" durante duas horas em diferentes entonações? Então, no Japão Feudal nós tinhamos esses caras fazendo cosplay de Jiraya.


Enfim, o Senhor das Trevas Kabuki estava boladão, e ele tinha a seu lado o controle sobre as artes mágicas kabuki... o que realmente me faz pensar que essa palavra não significa o que os caras da KID acham que significa, mas enfim... e com sua pesada magia kabuki o Senhor das Trevas estava prestes a conquistar o Reino Místico.

Impotentes contra as kabukagens, a última esperança dos guerreiros místicos foi se arrascar quase sem vida ao sopé do Monte Fuji e romper o selo de Kentari, libertando os guerreiros místicos: o Leão Branco e o Leão Vermelho.



Sabe, isso realmente me levanta algumas perguntas. Se esses espiritos estavam SELADOS, suponho que tinha algum motivo para isso, não? E, enquanto estamos nisso, eu gostaria também que eles tivessem outro nome além de "guerreiros místicos" porque eles foram libertados por "guerreiros místicos" então meio que todo mundo é "guerreiro místico" aqui?

Bom, de qualquer jeito as dadivas dos ninjas encurralaram o Senhor das Trevas Kabuki, mas mal sabiam eles que isso era uma armadilha e agora eles estão presos nas profundezas do submundo. Cabe aos Lion Mans branco e vermelho lutarem seu caminho de volta até o mundo fisico através das hordas controladas pela kabukagem e darem uns sopapos no Senhor das Trevas Kabuki enquanto eles estão por lá de bobeira.

Nem uma única linha disso está no jogo, mas então você tem que agradecer a gloriosa era dos manuais que nos motivavam adequadamente para seguirmos com nossa jornada. Sem isso eu jamais encontraria em mim a motivação necessária para dar pilões giratórios em demonios na versão Tokugawa do inferno.



Os beat -'em-ups foram criados para serem jogados nos arcades com um pouco de agressividade, um pouco de raiva concentrada. Para realmente aproveitar o que o gênero tem a oferecer, você precisa se aproximar de todos os inimigos como se quisesse eralmente machucá-los. Talvez seja por isso que quase todos os clássicos do gênero nasceram nos arcadas dos anos 80 e 90, lugares barulhentos, vagamente deploráveis, onde você tinha que jogar em pé, constantemente lutando entre o cheiro de maconha e o risco de ser assaltado enquanto tentava tirar o máximo de seu punhado de fichas. Depois os fliperamas acabaram indo para os shoppings, o que diminuiu bastante a possibilidade de ter seu rim roubado enquanto jogava em uma bocada suja, você ainda tinha que lutar por cada polegada de espaço contra outros três marmanjos que não tomavam banho desde a grande enchente de 1928. Fliperamas nunca foram para os fracos.

Boa sorte tentando achar um lugar para jogar no meio de outros três parças de 120kg, parça


Então, é claro, existe a enorme lacuna tecnológica entre os fliperamas da época e os sistemas domésticos; portar significava cortar muitas coisas, incluindo tipicamente o número de inimigos que o jogador enfrentaria simultaneamente, e grande parte da intensidade seria perdida. Assim, beat'm ups originais de console decentes não são tão comuns no gênero, acho que eu consigo pensar só na trilogia Streets of Rage, porque sem a fúria dos arcades (ou a necessidade de respirar ar limpo e seus olhos marejando), não estavam lá presentes os elementos para cozinhar um bom beat'm up.
 

O que nos leva a uma saudavel exceção: o muito menos famoso Mystical Fighter de 1992. Mystical Fighter não pareceu atrair muita atenção no seu lançamento, nem depois. O pouco que se pode achar sobre ele on-line parece ser principalmente o resultado de pessoas tropeçando nele através da emulação. 

A primeira coisa que você notará, então, é o cenário. White e Red Lion foram aparentemente inspirados por uma famosa peça de Kabuki intitulada Renjishi, à qual o título original do jogo se refere diretamente (Maou Renjishi). Neste mítico submundo japonês, você lutará com lutadores de sumô, samurai mortos-vivos, kunoichi, espadachins yakuza e todo e qualquer estereótipo japones medieval que os caras da KID conseguiram pensar. Como eles não conheciam tanto assim de folclore japones, no entanto, eles tiveram que improvisar um pouco e você muito menos kitsunes e muito mais ghouls because why not?



Os garotos do Leão são ageis e móveis, capazes de rolar de uma ponta a outra da tela com velocidade, terminando com uma rasteira ou uma voadora. É claro que você tem o combo de socos e, similar ao Golden Axe, você pode usar ataques mágicos ao pegar no máximo cinco pergaminhos ao longo dos níveis. Esses feitiços não são muito poderosos e muito escassos, por isso não desempenham um papel tão grande neste jogo como seria de esperar. Da mesma forma, há poucas armas a serem encontradas, de parcos dois tipos: o Jitte, usado para esfaquear - o que só joga o inimigo longe e mais atrapalha do que ajuda - e o leque que funciona como um bumerangue; depois de jogá-lo, é possível pegá-lo dando um soco no momento certo - mas você nunca vai acertar isso, então apenas esqueça dele depois de atirar.

Mas até aí isso é completamente igual a qualquer outro beat'm up existente. O que difere Mystical Fighters dos outros jogos do genero é a sensação satisfatória da sua fisicalidade. Os inimigos são, em sua maioria, grandes e lentos e é muito gostoso bater neles. Os combos de golpes dos kabukis são ageis e fortes, porém a grande atração do jogo são os agarrões: é possível agarrar seus inimigos e dispara-los contra o outro lado da tela, fazendo um strike de boliche no processo, ou sair rodopiando eles como o pião da casa própria só que sem a músiquinha creep que me dava medo.

Usar os inimigos como armas para bater nos outros inimigos é uma das coisas mais satisfatórias que um jogo desse tipo pode fazer, e MF faz isso muito bem. Ajuda também que os níveis tenham um design variado, repleto de buracos, barrancos e pontes onde é possível arremessar seus inimigos, ou engana-los para que eles se suicidem. Ou o seu amigo, jogando de dois jogadores é possivel aplicar os mesmos golpes que se pode aplicar nos oponentes, o que inclui agarrar o segundo jogador e sair rodopiando ele selvagemente ou arremessa-lo como o garoto bola de canhão humana. Boa diversão, eu te digo!



Também digno de nota é que, talvez devido à experiência da KID Corp com outros tipos de side-scrollers, existem salas bem escondidas nas quais você pode encontrar sushi para restaurar sua energia (pq é claro que ia ser sushi, obvio), armas ou uma fase de bônus na qual você tenta pegar água gotas para ganhar pontos. Os chefes também tem um padrão de ataque mais repetitivo do que é habitual para o gênero, e combatê-los adequadamente envolve encontrar e explorar suas fraquezas. Em nível técnico, o jogo é essencialmente médio para 1992. Além da primeira parte do estágio 1, uma antiga cidade japonesa à noite, e os estágios 5 e 6, os cenários são simples e sem detalhes, especialmente quando dentro de edifícios. Os sprites são decentes, mas nada se destaca como verdadeiramente impressionante e os feitiços mágicos são assim-assim. A trilha sonora consiste principalmente no tipo de música rápida comum aos jogos de ação da época, com sons que evocam instrumentos japoneses incorporados em poucas canções. Como de costume, a apreciação de determinadas faixas dependerá do fato de você gostar dos sons estranhos do chip de som Mega Drive.

Apesar do jogo não ser tão popular, achei bastante fanarts sobre ele, no entanto. Estranho...

 No final, Mystical Fighter não é um jogo tão bem polido e certamente não tem um grande nome, mas é um jogo divertido que faz o que pode para quebrar a repetitibilidade que assola os jogos do genero - seja usando os inimigos como arma, seja sacaneando seu coleguinha. É um jogo divertido e tranquilo com um cenário pouco explorado que deve valer uma jogada para qualquer fã do gênero.

Ah, só para terminar, por padrão o jogo começa na dificuldade média. Ao terminar a quinta fase, o jogo te exibe essa mensagem: 


Ou seja, jogue de novo no hard. Ok, MAS EU NÃO ESCOLHI O MODO FÁCIL, só joguei o que o jogo oferece como padrão! Teu cú que eu vou jogar isso de novo, abiguinhu.  E não só não vou jogar como vou botar spoiler do final aqui



Isso vai te ensinar uma lição, jogo obscuro de 26 anos atrás que sequer foi popular o suficiente para ganhar uma continuação, port ou remake! Hmpf!