sábado, 18 de maio de 2024

[#1268][Nov/98] SMALL SOLDIERS

Talvez o nome "Joe Dante" não seja imediatamente familiar a você, mas se você cresceu nos anos 80 certamente os seus filmes o são: Gremlins e GREMLINS 2

Pois muito que bem, agora que você sabe isso, e sabe que filmes são esses, então já sabe que Dante tem um estilo bastante único: filmes family friendly que não são tãaaaaaaao family friendly assim e flertam bem de perto com o terror - com efeito, eu assisti vários filmes de terror durante a minha infancia e eu sempre levei de boa, eu nunca fui muito de ter medo de monstros dos filmes... exceto por apenas um que realmente me fez ter pesadelos, justamente o primeiro Gremlins.

Capa europeia dos jogos

Estou falando isso, pq em 1998 alguém na Dreamworks pensou "hãm, essa molecada realmente gostou de TOY STORY, então e se, veja bem, E SE a gente fizesse um TOY STORY mais dark pra uma gurizadinha mais velha?". E ora, eu não acabei de dizer que Joe Dante fazia filmes family friendly que flertavam fortemente com o terror?

Era a combinação perfeita! 

... ou será que foi? Bem, então...

Acontece que Joe Dante foi contratado para fazer exatamente o que ele faz de melhor: um filme para toda familia que flerta com o terror. E esse era o conceito original de Small Soldiers, tanto que o roteiro é bem parecido com Gremlins: alguns adolescentes levam um monstrinho exótico (que é do bem) pra casa, mas existem outros da mesma espécie (que são do mal) que o seguem e daí pra frente é dedo no cu e gritaria.

A grande diferença aqui é que não são algum tipo de goblins comercialmente fofinhos e sim brinquedos com inteligencia propria comercialmente comerciais, e por uma razão meio aleatória (e meio forçada na minha opinião) o bonzinho vai parar nas mãos do nosso protagonista adolescente e os brinquedos maus vem tocar terror na sua casa.

Então quando eu digo que esse filme é um reboot de Gremlis com uma skin de TOY STORY é pq é exatamente o que esse filme. No papel. Na prática, as coisas são um pouco mais complicadas do que isso...


Pra começar, suponho que a escolha de fazer com que os "monstros" desse filme fossem brinquedos não é por obra e acaso do espirito santo. Obviamente o filme vinha não apenas com uma linha de brinquedos associada, como brinquedos no Burger King, talvez um desenho animado conexo, o pacote todo dos anos 90 que você já conhece.

E aí que reside o problema, pq essa galera toda chiou pra caralho ao saber que iam estar se metendo com um filme para vender brinquedos para crianças... com classificação etária para maiores de 13 anos. Isso inclusive chegou a gerar uma campanha de marketing bizarra que dizia que "o filme não é para todas as crianças, mas os brinquedos são". Em alguns lugares o Burger King quando viu o tom do filme substituiu a linha de brinquedos de Small Soldiers pelo Senhor Cabeça de Batata, que eles sempre mantem no porão para emergencias como essa.

Porém como eu sei que todos vocês 4,78 pessoas que me leem são biscoitinhos espertos, sabem que isso mexe com muito dinheiro e onde mexe com dinheiro o estúdio montou num porco pra ir em cima do diretor e o resultado é que Small Soldiers não é exatamente o filme de terror-like que Joe Dante sabe fazer, mas tambem não é uma comédia sessão da tarde inofensiva... quer dizer, melhor dizendo ele tenta ser as duas coisas ao mesmo tempo, e por isso mesmo falha miseravalmente nas duas. Poucas vezes eu vi um filme com uma crise de identidade tonal tão grande quanto esse aqui.

Nossa história aqui é que uma empresa de brinquedos inventa uma nova linha de brinquedos robóticos de última geração, composta pelo corajoso Commando Elite e seus inimigos jurados, os monstruosos Gorgonites. No entanto, devido a um descuido no seu design, os brinquedos recebem microchips contendo IA militar experimental e se tornam seres sensientes. 

Só que aí começam nossos problemas: sabe esse paragrafo que eu descrevi acima? O filme usa 15% de todo seu tempo, seus primeiros quinze minutos justamente para estabelecer essa premissa da forma mais desinteressante possível. Pq, hey, que forma melhor de chamar atenção de seu filme para crianças e adolescentes do que abrir com 15 minutos de executivos tendo reuniões e fazendo apresentações em powerpoint? É isso que todos os jovens descolados estão curtindo atualmente? Vish...

E o filme é todo esquisito assim, alternando cenas onde muppets/CG explodem coisas e se machucam de formas muito graçolas ao estilo Gremlins enquanto adolescentes vivem altas confusões... intercaladas por criticas sociais, tipo o filme argumenta que quando uma empresa busca o lucro acima de tudo, todo o resto será sacrificado ao longo do caminho. Por que a GloboTech não fez nenhum teste para saber se os Comandos eram perigosos? Pq eles estavam correndo para cumprir o prazo de estar nas lojas para o Natal. Para citar Joe, o motorista do caminhão: "Corporações, a mão direita não sabe o que a mão esquerda está ferrando."


Não é ruim RUIM, apenas é esquisito, como se tivesse costurado dois filmes inteiramente diferentes um no outro. O que, dada a interferencia do estudio pelas razões citadas, meio que foi exatamente o que aconteceu.

E tanto não é ruim que algumas das criticas sociais são realmente boas, tipo o fim do filme, quando os vilões nominais — o Commando Elite — são destruídos, os verdadeiros vilões — a GloboTech — não são punidos de forma alguma. O presidente da empresa apenas assina uma série de cheques para as diversas partes traumatizadas, comprando seu silêncio. 

Ele então pega a casca carbonizada de um Comando e, depois de perguntar a Irwin por quanto eles estão vendendo isso, diz: "Adicione alguns zeros ao final desse número e entre em contato com nossa divisão militar. Conheço alguns rebeldes sul-americanos que irão acho esses brinquedos muito divertidos". O sistema é foda, parceiro.


Outra coisa que eu gosto muito desse filme é a dublagem dos bonecos. Todo elenco de vilões do filme, os brinquedos militares durões Commando Elite, são dublados pelo elenco de militares durões de Os Doze Condenados e claramente isso não foi coincidencia (incluindo Tommy Lee Jones como protagonista). Da parte dos heróis, os estranhos Gorgonoides, seu elenco de dublagem vem basicamente de "This is Spinal Tap!"... ao que eu não sei qual é a mensagem aqui, exatamente para ser honesto.

O que eu sei, no entanto, é que no meio do filme se juntam aos vilões Cristina Ricci e Sarah Michele Gellar, e ter a Vandinha e a Buffy juntas no mesmo filme é o maior sonho de qualquer nerd dos anos 90, atrás apenas de passar uma semana sem apanhar no colégio pq ser nerd naquela época não era para os fortes.

Porém enquanto as alterações de tom do filme ser bipolar é algo que dá pra relevar, o nosso protagonista adolescentes definitivamente não. Enquanto Kirsten Dunst é uma fofa (e essencialmente interpreta a MJ de 14 anos), o nosso herói é uma das criaturas mais pulhas que jamais pulhou em um pulhamento cinematográfico. Eu quero dizer, tá, adolescentes são um porre mesmo na vida real, não é que nao seja realista, mas via de regra os filmes tentam amortecer o golpe fazendo eles menos obnoxiosos do que o são no nosso mundo. Bem, "os filmes" exceto esse, pq o aborrescentezinho chato pra caceta e mimado que tem as paradas extraordinárias acontecendo e ele no "eu quero do meu jeito pq eu quero e eu quero". Enfim, saco


Mas enfim, isso resume bem Small Soldiers que tem toda essa estrutura estranha: boas ideias misturadas com "que caralhas eles estavam pensando?". É tipo Gremlins 3, mas tem os primeiros 15 minutos mais desinteressantes da história dos filmes familiares, a Kirsten Dunst é gostável mas o moleque lá uurgh, as CG misturadas com puppets são impressionantemente boas para a época mas... entende o ponto aqui? É sempre um "mas" que torna esse filme bem esquecível no fim do dia e nenhum juri do mundo o condenaria por não lembrar que esse filme foi uma coisa um dia.

Isso sendo dito, por falar de coisas que foram coisas um dia, então vamos falar agora o inexorável jogo licenciado para PS1 que, definitivamente, também é um dos jogos já feitos na história dos videojogos. Um deles, ao menos, pq esse é um jogo de filme feito pela EA. E, como praticamente qualquer um que já olhou para um joystick na vida poderá te dizer, isso geralmente não é um bom sinal. Será este jogo a exceção à regra?


Na versão jogo de "Small Soldiers” você joga na lore dos brinquedos dentro do filme, o que quer dizer que ao invés de serem bonecos sensientes no nosso mundo, você joga como um alienígena Gorgonite chamado Archer, que deve defender seu planeta natal contra uma invasão por um grupo de comandos humanóides malignos, liderados por um homem chamado Chip Hazard. E isso é toda a história do jogo, é até onde vai a história e foi bom.

Isso sendo dito, vamos aos trabalhos: a jogabilidade é... bem, ela é exatamente o que você imagina quando ouve as palavras "tiro em terceira pessoa genérico do PS1", sem tirar nem por. Não é perfeito mas também não é terrível, apenas é exatamente o padrão que vc esperaria. Tá, tem que as armas do jogo não são tão precisas e pode demorar um pouco para se acostumar com elas e descobrir exatamente onde você está atirando... mas então eu já piores realmente (assim como já vi melhores também)

Provavelmente a coisa mais única a respeito do gameplay desse jogo é que o protagonista é canhoto... o que não muda muita coisa realmente, mas pelo menos UMA coisa diferente ele tem, eu não disse que era uma coisa grande

Então os controles são de tanque com mira semiautomatica (como é padrão nos TPS de PS1), e você pode pressionar o botão R2 e o jogo mudará para uma perspectiva “por cima do ombro”, o que permite uma mira mais precisa (e que vc usa tipo umas 3 vezes em 5 horas de jogo). Não é realmente nada diferente de jogos genericos de PS1 que eu já falei aqui como C: The Contra Adventure, padrãozinho padrãozinho de PS1. Ainda assim, pelo lado positivo, você pode usar torretas de metralhadoras instaladas em vários pontos do jogo e há até alguns inimigos que só podem ser derrotados usando essas torretas, então ao menos isso dá uma variada no jogo.

Dica aos devs: na duvida, sempre deixe o jogador usar elementos do cenário para acachapar os inimigos, sempre é maneiro

E embora o combate neste jogo não seja particularmente perfeito ou intuitivo, ao menos o level design é razoavelmente bom. Não é algo que se diga "minha noooooossa, é um TOMB RAIDER 2 Starring Lara Croft", mas ao menos os niveis são grandes o suficiente para fazer você querer explorar, mas pequenos o suficiente para garantir que você não se perca.

E, sim, este é um jogo da época em que se esperava que os níveis fossem não lineares. Portanto, espere passar algum tempo procurando por chaves, áreas secretas (mal escondidas) e portas. O que não é algo que eu acho tão divertido assim, e eu totalmente entendo pq os jogos pararam de fazer esse tipo de coisa. Ainda sim, essa definitivamente é uma das coisas que já foram feitas e era assim que essa época rolava.

Verdade que os gráficos de PS1 tornam a experiencia mais frustrante do que ela PRECISARIA ser, tipo ver que tem uma chave do outro lado desse buraco, tá vendo ela? Pois é, eu levei mais tempo do que gostaria para ver

Alias, o sistema de chaves em “Small Soldiers” é bastante diferente porque você não procura realmente por chaves. Em vez disso, você procura por esses estranhos talismãs semelhantes a dragões que você deve trazer de volta para uma área próxima ao começo da fase que tenha a mesma cor do talismã. Depois de fazer isso, um alienígena cantando se materializará do nada e lhe dará uma chave. Embora eu ame a teatralidade disso e o fato de que às vezes você encontra inimigos adicionais no caminho de volta para a área principal, não posso deixar de sentir que esta foi uma maneira bastante sem vergonha de estender a quantidade de tempo que você gasta em cada fase, pq quem nao ama um bom e velho backtracking? Tá, ninguém...

Agora, se tem algo mesmo MESMO digno de nota nesse jogo, isso com certeza seria a música de fundo. Todas as fases são repletas de cantos tribais dramáticos que realmente passa a sensação que a musica foi colocada esforço demais para um jogo tão mediano. Sério, tipo isso:


Definitivamente alguem colocou BEM mais esforço na musica desse jogo do que o jogo merece... mas enfim, tal como o filme este não é o melhor jogo de plataforma 3D que já joguei – mas também está longe de ser o pior. Ajudaria ter um um ataque corpo a corpo, o sistema de mira poderia ser um pouco mais intuitivo e o level design não tem nada particularmente incrível nele - ainda que não seja ruim. É um jogo jogável mas não memorável, tanto quando o filme é assistível mas nao memorável - e de igual forma, o filme poderia usar várias pequenas reformas para ser algo maior do que já foi.

Porém como nenhuma dessas coisas aconteceu, Small Soldiers é apenas mais um dos jogos/filmes já feitos e era isso.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 047 (Fevereiro de 1998)


EDIÇÃO 057 (Dezembro de 1998)