quarta-feira, 17 de outubro de 2018

[AÇÃO GAMES 013] ASTERIX (Master System, 1991) [#164]



Eu vou ser bem sincero com vocês: nesse projeto de jogar todos os jogos da Ação Games, não é todo jogo que realmente me deixa tão empolgado assim para jogá-lo. Loucura, eu sei - certamente o pequeno C de 10 anos de idade que passava as tardes folheando a Ação Games e apenas sonhando em como seria jogar todos aqueles joguinhos jamais entenderia. Ainda sim, tem dias que eu vejo o próximo jogo da revista e apenas digo "eh, meh...". Como o caso do jogo de hoje: Asterix, do Master System.

Começa que eu já tenho um certo preconceito com o console de 8 bits da Sega porque é um saco ler sobre ele. Como o console praticamente inexistiu nos Estados Unidos, quase 90% das paginas que você encontra sobre o assunto é escrita por brasileiros e brasileiro falando sobre nostalgia é algo mais toxico do que os defensivos agricolas que nós usamos mas são banidos em outros lugares do mundo. Você ficaria surpreso que ainda tem pessoas com cancêr no Brasil, porque os fãs de Master System (e de Cavaleiros do Zodiaco, mas isso é rant pra outro dia) falam da sua infância como tivessem crescido em casa com uma máquina que dispara arco-íris, curas para o câncer e peitos da Kate Perry de tão bom que era. É, sei.

Some a isso ser um jogo licenciado de uma marca pela qual eu não tenho nenhum sentimento em particular (nem positivo nem negativo, Asterix existe e isso é até onde vai a minha relação com a  HQ francesa) de um console tecnicamente muito limitado de uma empresa não conhecida pelo polimento dos seus produtos e temos algo bem pouco promissor.

Como diz aquele ditado, da onde menos se espera... daí mesmo que não sai nada.


Mas eu sempre tento o máximo possível jogar os jogos com a mente aberta, e hoje não será diferente. Asterix, por exemplo, tem algumas coisas a seu favor, sendo a maior delas que a equipe na Sega que  desenvolveu o jogo foi grande parte do time que desenvolveu Castle of Illusion - e os jogos da Disney sempre foram um bolsão de qualidade nos consoles da Sega. Mas seria esse o caso aqui? 

Eh, julgando pelas primeiras fases, parece pouco provável.

Não que seja ruim, longe disso, mas não tem muita coisa de marcante sobre ele. Os controles são sólidos e responsivos da melhor qualidade tal que alguns jogos de 16 bits apenas sonhariam em ser igual. A variedade de ataques do gaulês baixinho invocado  é satisfatória também: além dos sopapos tradicionais, você pode pular com um socão pra baixo que parece muito com a bundada de Castle of Illusion (jogando com Obelix você literalmente dá uma sentada nos inimigos). Você também pode arremessar uma poção explosiva que funciona mais ou menos como a agua benta de Castlevania. Afora isso, o jogo não tem muita coisa acontecendo por ele: você segue em linha reta por duas fases e ao final da terceira você tem que acertar três vezes um chefe que corre de um lado para o outro.

Obelix vs Lula Molusco, tonigh on RAW!

Em outras palavras, o tipo de jogo de plataforma que todo mundo já viu 8 octilhões de vezes. Após um longo bocejo, eu considerei seriamente desistir desse jogo. Se tem algo que é verdade sobre game design, é que os jogos tendem a usar suas melhores ideias nas primeiras fases para fisgar o jogador - nas ultimas, qualquer um que chegue até esse ponto já comprou o jogo mesmo, então foda-se. E se ESSAS são as melhores fases de Asterix, eu realmente não quero ver como são as últimas.

E ainda sim eu continuei jogando Asterix, para o Master System. Porque eu faço isso comigo mesmo? Honestamente eu não sei. Uma combinação de falta de luz do sol, amor próprio e uma tarde fazendo 5 graus fora do sofá são uma resposta tão boa quanto qualquer outra, eu suponho. Seja qual for o real motivo, eu continuei. Essa era minha expressão durante o procedimento:


E, contra todas as probabilidades, ou talvez justamente por causa delas, essa acabou se tornando uma ótima ideia.

Em uma virada de eventos raramente vista em videojogos, sobretudo jogos dessa época, o level design melhor exponencialmente. Na verdade, depois de um começo bem qualquer nota esse jogo tem algumas das fases de plataforma mais criativas que eu já vi. Coisas do tipo "Miyamoto não teria nada contra esses caras", true story.

Me permitam ilustrar com um estágio que eu particularmente gostei do seu design:

 







Se você for em linha reta, você encontrará alguns desafios padrões para um jogo desse tipo. Algumas coisas são jogadas em você, tem que usar plataformas (nesse caso, bolhas) para passar por alguns espinhos. Bem comum mesmo. Só que ao chegar ao final da fase você encontra essa porta trancada porque você não tem a chave. Mas como você consegue a chave? Bem, essa é a parte onde as coisas ficam interessantes.


Em primeiro lugar, você tem que descer nesse buraco. Não se preocupe, não é uma dedução que você tem que tirar da bunda: a essa altura do jogo você já aprendeu organicamente que existem algumas telas onde é possível descer.





Ao cair nesse buraco, você cai sobre esse carrinho-mola que te impulsiona até o telhado onde você pode fazer o caminho de volta até o começo da fase e pegar aquele pote azul que você viu mas não conseguia alcançar. Em uma nota parcialmente relacionada, eu não faço ideia de quem esta jogando essas pedras. A Grécia era conhecida por sua constante chuva de pedras aerólitos, suponho.


 Esse pote tem uma poção explosiva, que vai ser útil descendo o buraco do carrinho-mola mais uma vez mas indo para a esquerda ao invés de pular.





 Com a poção explosiva você pode abrir seu caminho pelos blocos de pedra, e isso vai te recompensar com uma poção verde.


De posse da poção verde, agora é só fazer o caminho de volta e ir para a direita dessa vez.


O que a poção verde faz é criar plataformas sobre liquidos (tanto agua como lava, acido e lagrimas dos seus inimigos) e com isso você pode cruzar  o ... lixo tóxico? Ok, eu não sabia que a civilização grega teve seu declínio por causa do lixo nuclear, todo dia se aprende uma coisa nova.





 Atravessando o lodo nuclear dos bons cidadãos gregos você encontra outro pote azul, que dentro dele terá...


A CHAVE! Alorromoras me mordam! Agora sim você pode fazer o caminho de volta, mas como o jogo sabe que ia ser um saco fazer de novo o esquema de criar plataformas no lodo depois que você já fez isso uma vez, a fase providencia um shortcut para você voltar. Obrigado, fase!


Agora sim, você pode voltar a superfície, cruzar os espinhos e então finalmente abrir a porta do final da fase!


 
 
 

Isso, meus amigos, é BOM level design! Excelente, na verdade, porque Asterix faz no Master System o que qualquer jogo de plataforma (ou mesmo jogos em geral) devem almejar fazer: ele apresenta uma mecanica de forma inocente no começo para depois exigir que o jogador a use de forma criativa. Esta mecanica sendo, no caso deste jogo, o uso dos três tipos de poções. E quando eu digo criativo, são ideias realmente boas para level design tanto quanto para a confecção de inimigos.

Uma pagina do manual em português da Tec Toy

Na fase do Egito, por exemplo, tem um soldado romano disfarçado de cactus que quando derrotado deixa sua roupa de cactus para trás que ainda sim causa dano. Não apenas a quantidade de quadros de animação gastos em um único oponente é impressionante para o Master System, como o jogo está sempre se esforçando para bolar novos desafios e inimigos que vão além do "vá para direita e soque tudo que estiver em seu caminho".

Um soldado romano (que é a cara do Hugo) surpreso que seu disfarce de flor não funcionou...

Os gráficos são tão bons que podem ser comparados com alguns jogos de 16 bits. Os heróis, Asterix e Obelix, tem mais quadros de animação na sua movimentação do que a maioria dos jogos de 8 bits acha que é permitido por lei. Para você ter uma ideia, os personagens jogáveis tem sprites diferentes quando estão virados para a direita ou para a esquerda, não é apenas o mesmo sprite espelhado como os jogos geralmente fazem. Isso sim que é dedicação! 

E os inimigos também parecem extremamente detalhados também. Do romano escondido como uma "flor" a uma múmia saindo do seu sarcófago, você pode ver todos os pedais da flor e cada bandagem da múmia. Desde o romano disfarçado de um tronco em uma floresta, até um peixe-espada em um mundo de gelo, até o pote assassino em uma pirâmide, Asterix nunca recicla inimigos entre os níveis. De fato, alguns inimigos são únicos em apenas um estágio! Acrescente isso à miríade de ambientes lançados no player e você terá um conjunto diversificado de recursos visuais que mantém o jogo interessante do início ao fim!

Para de quebrar minha casa, cara!

Mais impressionante ainda é que isso é apenas metade do jogo! Acontece que após a terceira fase você pode escolher entre Asterix e Obelix (a primeira você joga necessariamente com o baixinho, a segunda com o gordão) e qual não minha surpresa ao descobrir que as fases são diferentes dependendo de qual personagem você escolher.

Quando eu pesquisei sobre o jogo antes de jogá-lo, achei muito estranho que o gameplay completo dele tinha duas horas quando a maioria dos jogos de 8 bits não chega a uma, mas assistindo eu entendi: jogar com Asterix ou Obelix resulta em dois jogos quase completamente diferentes e por isso o jogo pode ser jogado duas vezes.

Claro que não poderia faltar a famosa força aerea de tapetes voadores romanos, elemento historicamente fundamental na conquista romana.


A principal diferença entre os dois sendo que Asterix é menor, então cabe em espaços que Obelix não passaria. Já o outro é mais forte, então pode quebrar pedras com golpes normais que Asterix precisaria jogar uma poção explosiva para quebrar e mesmo assim alguns são completamente inacessíveis a ele (Asterix não consegue quebrar pedras no teto, por exemplo, mas Obelix pode abrir caminho a cabeçadas sem maiores problemas). As fases aproveitam bem essa diferenciação entre os dois e é um exercício de game design realmente criativo ver como o tema de cada fase é levemente modificado para comportar o estilo de jogo de Asterix e depois ver a mesma versão jogada como Obelix.

A este ponto, eu sei exatamente o que você esta pensando: uau, esse jogo parece realmente incrível e um dos melhores jogos de plataforma da sua época (o que não é dizer pouca coisa) será que ele pode ficar melhor?

E agora você está pensando: uau, isso era exatamente o que eu estava pensando!

E agora está pensando: ok, para cara, isso já está ficando creepy!

Mas respondendo sua pergunta, é claro que pode. Não parece possível, mas fica. Acontece que a cada 50 ossos coletados você joga uma fase de bonus no final do estágio (mais ou menos como em Sonic), sendo que nessa fase de bonus você controla ninguém menos do que o cachorro do Asterix, o doguinho Ideafix.





Sim, exatamente, esse é o jogo em que você pode jogar como o mais fenomenal de todos os doguinhos: um Schnauzer! FOR THE PUPPIES!!!

10/10 GOTY.



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