Era uma vez um grupo de outrora promissores desenvolvedores de jogos australianos que haviam chego ao fundo do poço. A história da Beam Software começou em 1982 com um dos jogos adventure de texto mais populares daquela época, The Hobbit, e daí foi só ladeira abaixo. Enquanto evitavam aranhas do tamanho de cachorros em uma terra que, de alguma forma, até os mamiferos são venenosos, os caras da Beam Software foram reduzidos a serem os caras do "jogo de cricket para o NES" e então realmente o fundo do poço: eles lançaram um jogo publicado pela LJN.
E não apenas qualquer jogo, mas um dos piores jogos de todos os tempos: Back to the Future Part II e III. Parecia o fim. Cheirava como o fim. Tinha cara de fim. Foi nesse ponto que os chefões da BS chegaram a conclusão que eles precisavam voltar as raízes e se focar em adventures - principalmente com o sucesso estrondoso que os games da Lucas Arts estavam fazendo, sobretudo o ótimo Secret of Monkey Island.
Porém, eles tinham uma ideia genial, daquelas que só executivos que nunca colocaram a mão na massa podem ter: ao invés de disputar o mercado de point'n clicks de PCs, eles iriam desbravar uma praia totalmente virgem. E assim eles seriam os criadores e líderes do mercado de adventures do... NINTENDINHO!
Os funcionários da Beam Software tentaram protestar alegando que existia um motivo pelo qual não se fazia point'n clicks no NES, porém seus chefes haviam desaparecido em uma núvem de repelentes para coalas antes que eles pudessem argumentar. Assim sendo, eles não tinham outra opção senão começar a produção. Isto posto, seguiremos nossa tradição e vamos espiar a introdução do inovador joguim para Nintedim...
Mas antes de começarmos, aquele bom e velho Jazz Noir pra entrar no clima!
Ah, Metro City... Metro City nunca muda. Terra de gente boa, gente honesta e trabalhadora. O lugar para criar um filho, essa é Metro City. Ou costumava ser. Metro City mudou, e não foi para melhor...
A paz e a tranquilidade de Metro City pendia nas costas de fantasiadas de um único homem. Uma sombra na noite que mantinha os bandidos na linha e os cidadões de bem a salvo. Ninguém nunca soube realmente quem estava por baixo da mascara do Vortex Man, mas o que sabemos com certeza é que ele era apenas um homem e há um limite do quanto apenas um homem pode fazer...
A queda do diabo de Metro City foi como a queda da própria cidade. O funeral de Vortex Man foi como um convite para que todos os ratos dessa cidade saissem das suas tocas, e isso não demorou a acontecer...
Metro City havia se transformado em uma maldita guerra civil, com bandidos roubando bandidos enquanto roubavam em plena luz do dia. A policia não ousava mais sair as ruas, as crianças não brincavam nas calçadas e os gatos continuavam se lambendo nas pálidas noites de luar porque são gatos e o crime basicamente não afeta os animais.
Então, um dia tudo mudou. Os bandidos mudaram. Eles passaram a obedecer ordens, havia um novo queijo quente no pedaço... e esse queijo era um felino muito grande. Esse é o homem vestido de gato que eu quero, porque sem esse líder criminoso a criminalidade... basicamente vai voltar ao que era antes, o que de alguma forma era bem pior então talvez esse o plano de pegar o cara que está mantendo os bandidos sob controle sem fazer nada a respeito da criminalidade em si talvez não seja a melhor ideia...
Mas certamente não a prefeitura, já que eles não conseguem nem ter uma placa que claramente foi desenhada por uma criança de 8 anos de idade. Muito provavelmente em um contrato superfaturado. Não, não posso contar com os políticos de São Leopoldo Metro City, se quiser algo feito...
... terei que fazer eu mesmo. Um homem precisa agir, mas para isso eu preciso me tornar mais do que um homem, eu preciso me tornar uma ideia, um conceito, um sentimento no coração do crime. Em outras palavras, eu preciso me tornar...
... ERVA-MOURA™!
... o que me fez entender o motivo pelo qual noir nunca foi um gênero tão popular em português, é dificil ter frases de efeito quando seu nome de combater o crime é "erva-moura™"...
... seja como for, minha transformação de cidadão pacato a combatente do crime começa...
... tão bem quanto você poderia imaginar. O jogador assume o controle do personagem nesta tela inicial: nosso novato (e impopular) herói enfrentou a temível mente criminosa, Sutekh, e saiu disso exatamente como se poderia esperar de um novato e infame herói enfrentando o Rei do Crime: amarrado perto de uma bomba.
Antes que eu discorra em mais detalhes sobre o gameplay, eu realmente preciso dizer o quanto eu gostei dessa ideia. Nosso herói não é realmente um super-herói, mas apenas um pacato cidadão que morava em Arkham ou Hell's Kitchen e viu as coisas degringolarem loucamente depois que o Batman/Demolidor bateu as super botas.
Mapa completo de Metro City |
O jogo tem vários objetivos para ser completado: antes de você poder entrar no covil de Sutekh para o confronto final, você tem que conseguir 5 escaravelhos de ouro dos chefes do crime para abrir o covil, além de colocar uma cupula de proteção impermeavel em 4 objetos valiosos que Sutekh pretende roubar. Mas antes de fazer qualquer uma dessas coisas, você tem que ganhar popularidade ajudando as pessoas de Metro City e assim que você tiver popularidade o suficiente você pode entrar na antiga Vortex Caverna - a qual te dará os meios para fazer tal.
É um conceito de jogo muito inteligente, tenho que te dizer, e a proposta é deveras agradavel: nesta adventure existe o mapa principal de Metro City que é onde você ajuda os cidadões de diversas formas para ganhar popularidade, e alguns prédios você entra que é onde você enfrenta chefes do crime ou encontra os itens valiosos a serem protegidos depois de alguns puzzles.
Porém antes que você seja abalroado pela quantidade de informações do mapa de Metro City (e é um mapa colossal e com muita coisa para fazer considerando que é um jogo de NES), o jogo te dá essa espécie de tutorial no covil de Sutekh que é uma parte bem direta do jogo e te ensina todas as mecanicas que você usará pelo restante do jogo. Isso tudo SEM parecer um tutorial, você apenas vai jogando e aprendendo antes de ser solto na grande metrópolis do crime. Vou te dizer, em 2018 muitos jogos se batem para conseguir fazer um tutorial tão bom e eficiente assim.
Falando em jogar, outra coisa que a Beam Software acertou muito foi na adaptação do modelo adventure para o NES: ao contrário de Maniac Mansion, que tenta fazer uma adaptação literal do point'n click dos PCs e o resultado não é muito satisfatório, Nightshade faz um uso muito melhor de quando converter o modelo de jogo de andar com o direcional para usar um cursor e selecionar itens.
Na maior parte do tempo você anda com o direcional, mas apertando A o jogo se transforma em um cursor para "clicar" em coisas e obter informações sobre o cenário. Existem duas características muito importantes aqui: a primeira é que o cursor sempre começa centrado no personagem e isso agiliza as coisas mais do que você poderia imaginar. Parece um pequeno detalhe, e é, mas dá uma dinamicidade porque você nunca perde tempo navegando como cursor.
A outra coisa importante disso é que o menu principal de ações (usar, mover, interagir, falar) é aberto apertando select porém os desenvolvedores te deram um atalho rápido para "inspecionar" usando A que já te dá as informações sobre os itens e uma ideia do que você precisa fazer antes de entrar no menu. Parece uma ideia louca, mas é como se os desenvolvedores estivessem realmente preocupados em fornecer uma experiencia agradavel para o usuário - doido, hã? - e uma das coisas mais importantes do que isso é um menu agil para que esse sistema funcione. E funciona!
Então até onde é possível adaptar um point'n click para ser jogado com um joystick de 2 botões, Nightshade é o melhor resultado possível.
Agora que falamos dos controles, vamos falar um pouco do texto do jogo em si - afinal o que é um adventure sem aqueles risquinhos engraçados conhecidos como "palavras" que se juntam em coisas absurdas, as tais das "frases"?
Nesse quesito, tenho que dizer que a Beam Software... manda incrivelmente bem também.O que realmente vende a aventura é o humor sarcástico de seu roteiro e design. O próprio Nightshade é um cara afável que demonstra muito entusiasmo por combater o crime e tentar dar uma de super-herói, embora ele seja mais bem intencionado do que qualificado para o serviço. Logo no início, depois de descobrir uma passagem secreta, Nightshade tenta emplacar uma frase de efeito: "Grandes enigmas trêmulos com uma salada e um leve molho tártaro!" apenas para perceber logo em seguida que não vai pegar. O tom geral do jogo lembra muito Secret of Monkey Island, embora não tão absurdo.
Existem vários cidadãos da cidade com quem falar, como um velho que o esnoba condescendentemente até que você derrote um chefão do crime, um curador de museu a quem você pode espantar destruindo uma de suas exibições de ossos de dinossauro (e ganhar popularidade consertando-a... que foi, heróis não são permitidos criar sua própria demanda?), e até mesmo o super-herói morto Vortex que tem mensagens pré-gravadas estranhamente específicas para o seu benefício, referindo-se a você como "menino" ao lado de incentivos espirituosos. Além dos seres humanos, você pode realmente falar com os gatos depois de adquirir um certo livro, mas, inexplicavelmente, você sempre pode falar com os esquilos (e alguns deles têm algumas divagações anarquistas interessantes). O jogo tem diversos momentos de humor que lembram muito o estilo da Lucas Arts, como uma piada recorrente em que todo mundo se refere ao nosso herói como "Lampshade" ou outro nome errôneo, um retrato de um homem que impossivelmente muda expressões faciais exageradas toda vez que você vê, as manchetes dos jornais terem notícias como “Homem come cerca - e vive!” e alguns gangsters idiotas vagamente-alfabetizados que parecem ter sido tirados de Dick Tracy.
Enquanto a escrita do jogo não é consistentemente engraçada e definitivamente não é nenhum Monkey's Island, uma coisa que eu sempre digo é que só o fato de você estar sendo comparado a uma das obras-primas é sinal de que alguma coisa muito certa você fez.
Por toda a sua investigação e exploração, Nightshade não é um título de adventure puro-sangue, pois há um elemento de ação pesado na forma de combate corpo-a-corpo. Sempre que você se deparar com um ladino nas ruas, você se envolverá em uma luta cara-a-cara (e ocasionalmente contra um-contra-dois) em um estilo proto-Street Fighter. Existem várias variedades diferentes de inimigos a serem combatidos, desde patifes britânicos elegantes que jogam seus chapéus-cocos em você até “Ratos Samurai Irradiados Anormais” (heroes in a half-lepstospirose!), que disparam projéteis duvidosos de seus narizes. Adversários mais resistentes são as ninjas femininas que muitas vezes se teletransportam para perto de você para te dar um chute na cara. Inimigos menos convencionais incluem robôs com cabeça de chacal e múmias que só podem ser atacadas por trás. A detecção de hits pode ser um pouco insatisfatória, por vezes, e não há como bloquear ataques, apenas sendo possível abaixar ou pular sobre eles.
O que nos leva ao grande problema do jogo: a sua dificuldade. Essas sessões de combate podem ser extremamente taxativas contra a sua barra de energia, e existem poucos meios de recuperá-la (sendo basicamente limitado a descansar na Vortex Caverna, uma vez que você já tiver acesso a ela). Nightshade é um jogo bastante difícil, o que é piorado por uma infeliz falta de um recurso de salvamento. Se você sabe exatamente o que está fazendo, o jogo pode realmente ser vencido em menos de uma hora, desde que você não morra. Ainda assim, mesmo quando você sabe para onde ir, você pode ser destruído em várias lutas e esta em constante risco de perder seu progresso suado.
Por causa desse sistema de combate você provavelmente vai morrer com frequência, embora tenha algo de positivo nisso. Nightshade lida com o "Game Overs" de uma forma muito original. Quando você "morre" seu personagem é capturado por Sutekh e você tem que resolver um puzzle para poder voltar ao jogo. Existem quatro armadilhas mortais, cada uma, têm suas próprias soluções para escapar e evitar a perdição certa, mas não há absolutamente nenhuma maneira de evitar a quinta armadilha mortal, fazendo com que o Game Over definitivo ocorra. Ou seja, você tem cinco vidas... desde que resolva os puzzles de cada tela de Game Over. É um pouco cruel fazer com que você possa falhar em continuar, mas, ao mesmo tempo, é também uma implementação bastante inteligente de um sistema padrão de vidas que se integra bem à atmosfera geral do jogo.
Nightshade merecia mais reconhecimento do que o pouco que teve em sua época. Embora tecnicamente seja um jogo bastante curto com dificuldade desequilibrada, ele tinha bastante charme e peculiaridade para garantir mais aventuras do herói não tão habilidoso da noite. O jogo pode ter sido planejado como parte de uma série, já que tem o subtítulo: "Episódio I: As Garras de Sutekh". No entanto, também é provável que este subtítulo episódico tenha sido inserido apenas pela piada. Nightshade nunca se leva muito a sério e é possível que a promessa de um segundo possa ter sido uma piada sobre sobre a natureza episódica dos quadrinhos e de filmes de super-heróis com orçamentos que muitas vezes têm sequências de maior orçamento. Seja como for, Nightshade é um dos títulos mais originais do NES que, apesar de suas arestas, deve ser checado pelos entusiastas de adventures.
Sutekh>Darth Vader>The Joker. Best. Villain. |
O que nos leva ao grande problema do jogo: a sua dificuldade. Essas sessões de combate podem ser extremamente taxativas contra a sua barra de energia, e existem poucos meios de recuperá-la (sendo basicamente limitado a descansar na Vortex Caverna, uma vez que você já tiver acesso a ela). Nightshade é um jogo bastante difícil, o que é piorado por uma infeliz falta de um recurso de salvamento. Se você sabe exatamente o que está fazendo, o jogo pode realmente ser vencido em menos de uma hora, desde que você não morra. Ainda assim, mesmo quando você sabe para onde ir, você pode ser destruído em várias lutas e esta em constante risco de perder seu progresso suado.
Por causa desse sistema de combate você provavelmente vai morrer com frequência, embora tenha algo de positivo nisso. Nightshade lida com o "Game Overs" de uma forma muito original. Quando você "morre" seu personagem é capturado por Sutekh e você tem que resolver um puzzle para poder voltar ao jogo. Existem quatro armadilhas mortais, cada uma, têm suas próprias soluções para escapar e evitar a perdição certa, mas não há absolutamente nenhuma maneira de evitar a quinta armadilha mortal, fazendo com que o Game Over definitivo ocorra. Ou seja, você tem cinco vidas... desde que resolva os puzzles de cada tela de Game Over. É um pouco cruel fazer com que você possa falhar em continuar, mas, ao mesmo tempo, é também uma implementação bastante inteligente de um sistema padrão de vidas que se integra bem à atmosfera geral do jogo.
Esse é o primeiro dos puzzles de Game Over. O que você tem que fazer aqui é esperar a esteira levar Nightshade até o pé dele passar pela alavanca e só então interagir com ela. |
Nightshade merecia mais reconhecimento do que o pouco que teve em sua época. Embora tecnicamente seja um jogo bastante curto com dificuldade desequilibrada, ele tinha bastante charme e peculiaridade para garantir mais aventuras do herói não tão habilidoso da noite. O jogo pode ter sido planejado como parte de uma série, já que tem o subtítulo: "Episódio I: As Garras de Sutekh". No entanto, também é provável que este subtítulo episódico tenha sido inserido apenas pela piada. Nightshade nunca se leva muito a sério e é possível que a promessa de um segundo possa ter sido uma piada sobre sobre a natureza episódica dos quadrinhos e de filmes de super-heróis com orçamentos que muitas vezes têm sequências de maior orçamento. Seja como for, Nightshade é um dos títulos mais originais do NES que, apesar de suas arestas, deve ser checado pelos entusiastas de adventures.