segunda-feira, 15 de julho de 2024

[#1276][Dez/98] SOUTH PARK

 

Ok, aqui vai algo interessante sobre mim: eu não era, exatamente, o que se podia chamar de "maior fã de South Park". Sim, isso é a parte interessante sobre mim, imagine o resto, mas divago. Até jogar esse jogo e pesquisar a respeito, tudo que eu poderia dizer de ter visto de South Park é UM episódio que eu não lembro nada senão que o Kenny morre jogando volei (ou queimada?) e o filme de 1999 no SBT - o qual eu lembro de ter gostado.

Não é que eu tenha nada contra South Park em si, exceto pelo fato de que a animação está na temporada 22 e eu não estava tão motivado assim para assistir 22 anos de desenho animado atrasado - o que é mesmo problema que eu tinha com One Piece e aqui estamos nós...

Acho que esse disclaimer é importante para estabelecer o quanto eu era fã da série, porque se alguma coisa isso exponencia o quanto eu me diverti descobrindo South Park. Vê, a coisa é que eu não fazia o menor tipo de humor que South Park era, e o que eu descobri foi bem diferente do que eu esperava.



MAS SOBRE O QUE É SOUTH PARK, ENTÃO?

Na minha cabeça inculta, eu achava que South Park era da mesma linha de desenhos asquerosos da Nick dos anos 90. E quando eu digo "asquerosos", eu não estou fazendo juízo de qualidade  e sim dizendo que o objetivo tácito dos cartoons era despertar asco e incomodar. Embora eles sejam adjetivamente asquerosos também.

THE REN & STIMPY SHOW é o melhor exemplo que eu consigo pensar desses cartoons que me incomodam tanto, desenhos animados feitos única e exclusivamente com o propósito de ver o quanto alguém poderia chocar e ofender na televisão antes de ser demitido e nada além disso.

Permitam-me fazer minhas as palavras do Blog do Amer:




 Eu odeio esse tipo de desenho animado e uma coisa que você jamais precisará se preocupar em me dar de presente é uma coleção de DVDs da Vida Moderna de Rocko. Até porque quem dá DVDs hoje em dia? Tome rumo na vida e compre presentes decentes!

Então, o ponto é que eu achei que South Park era um desses desenhos asquerosos e feitos apenas para chocar por chocar. A que conclusão eu cheguei depois de jogar esse jogo? Bem, tecnicamente, é. Dificilmente você vai encontrar alguma animação com tanta coisa politicamente incorreta e/ou visualmente agressiva em um desenho animado.

Mas ao mesmo tempo, não é ESSE  tipo de cartoon. O truque aqui está no tom do humor e, para minha grande surpresa, South Park é bastante o meu tipo de humor.


Não me entenda errado, South Park é tão moralmente e visualmente ofensivo quanto seus criadores conseguem imaginar ser, mas o que o diferencia dos desenhos profanos que eu citei anteriormente é POR QUE ele é ofensivo e incomodo. 

Não é porque seus criadores são adolescentes revoltados com o mundo que querem chocar por chocar porque é o que caras descolados fazem SEU COROA QUADRADÃO. Não é assim que funciona. O humor de South Park se assemelha muito mais ao de Cards Against Humanity onde você ri não porque aquilo está fazendo piada de algo que você odeia secretamente, mas porque é algo tão errado, mas tão errado que é engraçado!



Um exemplo que eu uso bastante é o humor brasileiro dos anos 90: quando um humorista fazia piada sobre gays, negros ou mulheres, a reação que o humorista está buscando do seu publico é "hey, eu odeio esses caras, olha só uma chance de externar meu ódio com alguma coisa socialmente aceita!". Isso não é engraçado, isso é triste e doentio.

Porém, quando South Park (ou Cards Against Humanity) está fazendo piada com gays, negros e mulheres, o objetivo não é esse. O objetivo é fazer dizer "uau, isso é tão errado... tão errado..." que não tem como não rir. E os criadores sabem que isso é errado, é justamente por isso que eles estão fazendo a piada em primeiro lugar.

Em uma das cenas do filme de South Park, por exemplo, o general do exército divisa que sua estratégia de combate começará com a fase 1: operação escudo humano. Que é basicamente enviar tropas na frente para que os inimigos gastem toda sua munição. 


 O fato de todos os integrantes do batalhão designado para a "Operação Escudo Humano" serem todos negros é apenas uma coincidencia sem nenhum significado maior, é claro. 

Assim, South Park dança uma dança muito única sua que é entre o humor de "uau, isso é engraçado porque é muito errado" e "uau, isso é muito errado mas é engraçado porque acontece mesmo" sem nunca realmente tomar partido de nenhum lado. É um tipo de humor/sátira muito dificil de fazer, mas justamente por causa disso tão recompensador.

Por exemplo, depois de terminar o jogo eu me senti instigado a assistir um episódio de South Park, que aconteceu de ser aquele com a Jennifer Anniston onde as crianças entram em um coral que tenta conscientizar as pessoas sobre a devastação das florestas tropicais. Eventualmente eles se perdem na floresta, a missionaria do coral passa a odiar aquela merda toda e eles fazem campanha para acabar com essa merda antes que essa merda acabe com a gente.

 

Por um lado, a parte do "isso é tão errado que é engraçado" é bastante óbvia. Ninguém razoavelmente inteligente é realmente a favor de derrubar florestas por razões ambientais muito blatantes, obviamente. Mas então, o episódio faz alguns comentários muito inteligentes de que as pessoas que defendem as florestas o fazem apenas para satisfazer seu próprio ego e nunca estiveram nem perto de uma. É muito fácil ser contra derrubar florestas para criação de gado, mas reclamar se o preço da carne subir 15 centavos ou entrar em panico você ver UM Aedes Egypt. Talvez as pessoas tenham parado de morar nesses lugares por uma razão, sabe? Quer dizer, exceto os manauaras, mas então eles não sabem nem colorir uma cupula, isso já diz muito sobre eles realmente. Ah, esses manauaras...

Vê? Você tem humor através do absurdo porém fazendo pontos bastante válidos sobre o tema abordado. Outro grande exemplo é o episódio sobre transexuais. Na internet é muito comum isso ser tratado na palhaçada pq algum cara decide "se identificar como mulher" como se ele não tivesse nada melhor pra fazer da vida.

South Park então pega esse conceito e mostra isso na prática, realmente mostrando um cara que decide virar mulher just because (como a internet acredita que é) apenas para enfatizar que não tem nada de realmente leviano nisso. É um processo brutal e visceral, não é algo que alguém faça só de zoas.


O episódio onde o Cartman se passa por uma criança com deficiencia mental para participar das paraolimpiadas e ganhar uma grana fácil é, acredite ou não, baseado em fatos reais. A seleção de basquete da Espanha fez isso em 2000


Ou então o episódio sobre jornalismo, que mostra as crianças correndo o episódio todo atrás de uma matéria enquanto o Craig (aquele maldito genio) apenas lucra com populismo barato. No final do episódio, após muito ralar e conseguir uma grande matéria, as crianças exaustas recebem um premio... apenas para dizer que eles tem que fazer outro desses para semana que vem. Enquanto isso Craig continua sendo popular sem esforço nenhum. Se isso não te fez entender pq o jornalismo é do jeito que é hoje, nada mais o fará.

E essa é a grande coisa a respeito de South Park, no fim do dia: ele usa todo gore e horrorshow dos absurdos de forçar conceitos até os ultimos limites para te dar uma visão bastante razoavel sobre como as coisas realmente funcionam. Idosos dirigindo, time sharing, imigração, racismo, democracia, Kanye West, Family Guy, Islamismo ... em todo seu caos e putaria, South Park realmente se permite colocar o dedo na ferida e fazer os apontamentos que ninguem mais faz.

South Park é, no fim do dia, sobre te fazer pensar em como as coisas realmente são, na prática, no mundo real... e sobre uma familia de cocôs cantando um especial de natal, apenas pq Matt Parker e  Troy Baker são desses, você sabe.



South Park está entrando em sua 27ª temporada. E posso dizer que nunca esteve melhor. O novo especial sobre obesidade - uma aula de comentário social - tem um take brutal sobre mulheres brancas suburbanas ansiando por doses de Ozempic como os viciados em metanfetamina, um musical e uma digressão sobre a insanidade do sistema de saúde americano. Tudo isso em apenas um episódio.

Você pode ler livros sobre Ozempic, ler artigos de opinião, absorver TikToks e até ouvir podcasts - mas nada realmente captura todas as possíveis rugas sociais, médicas e psicológicas desta nova droga do que esta hora de desenho mal animados e repleto de momentos grosseiros. Sim, existem piadas de peido. Sempre tem piadas de peido. Mas piadas de peido em meio a uma paródia sofisticada e profundamente informada de companhias de seguros? Ou, em outros episódios, o humor de banheiro que nos guia através da brutalidade da Disney como megacorporação, da vaidade estúpida de Kanye, da wokificação de Hollywood, da exploração de atletas universitários negros, do mal das empresas de TV a cabo, do vazio das leis contra crimes de ódio, da bizarrice do rock cristão ou do ganho de dinheiro por trás da maconha legal? Apenas South Park consegue isso. Apenas South Park escapa impune de tudo isso.



Então agora que você entende o que é South Park... vamos falar sobre uma das coisas menos South Park ever: o jogo baseado nas primeiras temporadas da série para Nintendo 64, PC e PS1. Esse jogo em paricular tem vários problemas inerentes a sua produção, a começar que ele foi feito pela Iguana Enterteinment.

MAS A IGUANA NÃO É A PIOR PRODUTORA DO MUNDO, ELES FIZERAM JOGOS PELO MENOS NÃO TÃO MISERAVEIS ASSIM COMO TUROK 2: Seeds of Evil

De facto, a Iguana não é o problema, e sim as condições que ele foi feito: sanduichado entre o segundo e terceiro jogo do Turokão da Massa, a equipe da Iguana teve apenas alguns meses para fazer um rom hack de TUROK 2: Seeds of Evil. Então o jogo de South Park roda na engine de TUROK 2: Seeds of Evil, apenas mudando os gráficos.

TÁ, MAS ISSO NÃO É NECESSARIAMENTE UMA COISA RUIM. É ESTRANHO O JOGO DE SOUTH PARK SER UM FPS... POR ALGUMA RAZÃO... MAS NÃO É O FIM DO MUNDO.

Não, não é. Porém vc não entendeu o ponto da coisa aqui, Jorge: a Iguana realmente teve tempo apenas de colocar os gráficos do jogo e foi bom. E por isso eu quero dizer que o level design, variedade de inimigos ou qualquer coisa particularmente única que torne esse jogo minimamente memorável.



Eu estou falando de coisas tipo as fases terem apenas UM TIPO DE INIMIGO A FASE INTEIRA, algumas duas com muito luxo. Porra véi, ah véiooo, em DOOM (um jogo de CINCO anos antes) já tinha mais de um tipo de inimigo por fase! Mas aqui você passa duas ou três fases atirando na mesma coisa antes de ver algo diferente.

Não que faça muita diferença realmente, pq a programação dos inimigos é essencialmente a mesma. Todos inimigos do jogo tem o mesmo padrão de ataque: eles rusham pra cima de você spawnando indefinidamente, e se a Iguana levou mais que 0,18segundos programando esse jogo eu sou um Toyota Etios com tração nas três rodas. Mais com efeito ainda, eu tenho bastante certeza que eles apenas deixaram as configurações default da engine e não mexeram nisso.

Dizer que o level design é tenebroso é um tremendo elogio, pq todas as fases são a mesma coisa: você derrota um certo número de inimigos que só rusham pra cima de você, depois avança e faz tudo de novo com os mesmo inimigos - sempre com sons repetitivos e irritantes. O apelo de passear por uma versão tridimensional da cidade se esgota em menos de 3 minutos na primeira fase, depois o jogo passa em lugares genéricos. 


Adicione a isso o fog (pq o Nintendo 64 explodiria se renderizasse mais do que 3 metros para alem do personagem) que já era um problema bem grande em TUROK 2: Seeds of Evil, mas aqui beira o ridiculo pq o jogo só renderiza poucos palmos a frente do seu campo de visão e foda-se.

O que eu posso dizer que esse jogo tem de bom? Hã... tem a abertura do desenho em versão 3D? Isso é okay, todo o um minuto dela pelo menos... e meio que até onde vai. A parte de atirar, para ser justo, não é quebrado ou difícil de controlar, e o armamento infantil é único em certo sentido (nenhum outro jogo tem bolas de neve com munição especial de cobrir elas de urina), mas é extremamente básico, com os primeiros inimigos levando apenas um único tiro para morrer. 

Personagens, cenários e animações são todos abaixo do padrão, mal capturando a estética do show, e o desempenho é desconfortável, com algumas quedas severas quase o tempo todo. O som é simplesmente péssimo, já que embora o jogo use as vozes do show, as falas enlatadas e severamente repetitivas são nauseantes – e isso sem contar o quão comprimidas elas soam. Você vai querer arrancar suas orelhas na primeira vez que encontrar vários perus, e personagens clássicos gritando as mesmas falas novamente só pioram as coisas. A música – e enfase em "A" musica – é a mesma melodia em loop, repetida até enjoar.


Enfim, South Park é um jogo ruim feito nas coxas pra lucrar em cima da licença. Embora a ideia de um jogo de tiro em primeira pessoa ambientado na cidade fictícia do Colorado não seja a pior coisa ever, ela é completamente arruinada por um tiroteio tediosamente projetado que varia de entorpecente a frustrante, dependendo dos caprichos do jogo. Quando combinado com uma apresentação péssima, uma notável ausência do humor característico do programa e frases enlatadas suficientes para destruir a sua sanidade, o resultado é uma miséria. 

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 135 (Janeiro de 1999)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 057 (Dezembro de 1998)


EDIÇÃO 059 (Fevereiro de 1999)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 038 (Março de 1999)


EDIÇÃO 045 (Outubro de 1999)