quinta-feira, 13 de agosto de 2020

[AÇÃO GAMES 056] DOOM (PC, 1993)[#459]




Quando se fala em videogames, é inevitavel associar o próprio conceito de videogames a estrutura montada pela Nintendo quando da ressurreição da indústria em 1985. O modelo de venda e distribuição de jogos, a coberturada “imprensa”, o publico alvo, a própria definição do que nós esperavamos de videogames veio do primeiro Nintendinho em 1985 e foi evoluindo até chegarmos aos dias de hoje.

Porém isso são os videogames, mas... e os computadores? Jogos de PC operam sob uma métrica inteiramente dos videogames. Tem o foco em publico diferente, tem modelo de negócios diferentes (que apenas após a criação da PSN e a XBOX Live videogames e PCs começaram a falar o mesmo idioma), as empresas que faziam jogos pra PC era diferentes das que faziam para consoles (não que nem hoje que PCs são apenas outro tipo de plataforma de games), e os jogos tem regras de programação e recursos de jogos diferentes. Jogos que eram nativos aos PCs (como RTS e point and clicks) eram praticamente injogaveis em consoles, ao passo que demorou muito tempo até os PCs conseguiram rodar jogos de plataforma e luta decentemente.

Eu gostaria de destacar a capa da versão australiana de Doom, mais conhecida como "meu sobrinho fez duas aulas de photoshop"

Tanto que o maior expoente dos jogos em computador na primeira metade dos anos 90 foi a hecatombe tóxica radioativa que atendia pelo infame, maldito e desgracento nome de... AMIGA. Eu suponho que a este ponto da história do blog eu não precise explicar muito meus sentimentos a respeito dessa desgraça. Porém a pergunta é: se a cena de jogos de computador era tão desgracenta assim... como o PC gaming apenas não morreu? Por que as pessoas continuaram insistindo nisso?

As pessoas eram burras ou o que?

Então, a resposta a essa pergunta passa majoritariamente pelo jogo de hoje.




Nossa história começa, entretanto, no final de outro jogo que eu já comentei aqui: Castle of Wolfenstein 3D. Hoje Wolfenstein é conhecido como “a série sobre atirar em nazistas da KKK em Mercúrio”, mas em 1992 era mais conhecido como o primeiro jogo 3D que muita gente viu na vida, e definitivamente o primeiro jogo de tiro em primeira pessoa (FPS) que quase todo mundo jogou.

A ID Software, uma das primeiras empresas formadas por moleques que cresceram jogando os fliperama e videogames dos anos 80, havia criado um novo genero de jogos e que só não foi massivamente copiado porque... honestamente ninguém entendeu como aquele jogo funcionava. Isso porque hoje FPS são jogos 3D, então o jogo cria um cenário virtual na memória do console ou computador e pode movimentar a camera e os personagens em ambiente tridimensional.



Em 1992 não havia poder de processamento nos computadores para isso, então como a ID Software criou um jogo 3D que rodasse tão bem assim? O segredo está no coração da ID Software: a dupla de Johns que comandava a equipe. John Carmack e John Romero eram tão diferentes entre si que vendo os dois trabalharem juntos não tinha como achar que era um setup de filme isso. Sabe aqueles flmes de buddy cops que tem dois caras com personalidades totalmente diferentes só que eles tinham que trabalhar juntos e daí nascia a dinamica do filme?

Então, essa era a ID Software. John Carmack era o paragon da nerdice, o tipo de pessoa que aos 9 anos de idade lia livros de Cálculo apenas por diversão. Ele tinha cabelo curtinho, usava camisa social, era sério, calado, antissocial, falava Klingon e não saia muito de casa. No outro canto do time, John Romero era o diametral oposto disso: cabelo comprido, sempre em festas e ouvindo música alta, normalmente era a pessoa que falava mais alto na sala. Enfim, Carmack era um nerd, Romero era um rockstar.

E de alguma forma os dois acabaram trabalhando juntos. Mas como isso funcionava, exatamente?

No começo dos anos 2000, John Carmack deixou a ID Software para perseguir um antigo sonho seu: como CEO da Oculus, ele criou o modelo economicamente viavel de óculos de realidade virtual. Sim, ele criou a VR como conhecemos hoje, esse é o nível de genialidade do cara
Então, Carmack fazia a parte de programação do jogo e essa foi a grande sacada da coisa toda: ele conseguiu criar uma programação que era um jogo 2D, mas fazia paranaues gráficos e matemáticos que eu nem sei explicar mas que faziam o jogo PARECER ser 3D - e esse era o truque que ninguem sabia reproduzir exatamente. Sim, Wolfenstein 3D na verdade é um jogo 2D.

É por isso inclusive que Wolfenstein 3D não tem diferença de altura: não tem escadas, buracos, plataformas nem nada, você anda sempre no mesmo plano porque é um jogo 2D realmente.

O jogo de verdade é o mapinha a esquerda, é isso que o computador processa e como dá pra ver ele é muito leve. O grande truque aqui é que Carmack achou um jeito de enganar o computador com a programação e exibir os gráficos do que o personagem está vendo como se fosse em primeira pessoa. Como ele fez isso está além da minha capacidade explicar, bruxaria e sacrificio de bebes cabras, eu suponho
Para o próximo jogo da empresa, entretanto, ele se debruçou sobre o código de programação afim de fazer a coisa rodar ainda melhor. E por melhor eu quero dizer MUITO mais rápido consumindo menos recursos da máquina, mas com novidades como diferença de altura entre os níveis e até mesmo janelas mostrando o lado de fora ou salas adjacentes. Mas porque parar aí? Cada sala teria também sua iluminação própria, gerando uma sensação de imersão e profundidade nunca sonhada na história dos videogames.

E tudo isso com o jogo rodando liso e rapidão, porque afinal o processador do PC ainda estava trabalhando só com um jogo 2D como qualquer outro, esse era o nível da magia da programação de Romero. Com efeito, algum tempo após o lançamento de Doom a ID Softare licenciou a engine do jogo pronta para outras empresas e fez quase tanto dinheiro com isso como com o jogo em si. A programação desse jogo é tão boa e roda tão bem, que ele roda até em uma calculadora hoje em dia



Porém de nada adiante uma engine que rode ultramacia se, bem, você não tiver um bom jogo para usar essa engine, não? E é aqui que o outro John da Id Software entra: Romero era meio (na verdade, muito) diva para se trabalhar, mas também era um artista e tinha aquela visão que faltava a precisão matemática de Carmack.

Então se o próximo jogo da ID Software era mecanicamente um desbunde a frente do que foi Wolfenstein 3D, na parte conceitual, de level design, de armas, de inimigos, de trilha sonora o jogo não poderia ficar atrás. Mas... como topear o jogo anterior?

Quer dizer, Wolfenstein 3D é sobre invadir uma fortaleza nazista e no final meter bala em um mecha Hitler! Como algo pode ser mais over the top, mais heavy metal do que isso? Parece uma tarefa dificil, não?


“Super easy, barely an inconvenience”

O que pode ser mais satisfatório do que atirar em nazistas? Quer dizer, que tipo de inimigo pode ser pior e mais abjeto do que nazistas, como você escalona isso? Vai fazer o que, um jogo onde você vai literalmente ao próprio inferno cerrar capirotos com uma motosserra? Então, basicamente... sim.

Nossa história começa no futurístico ano de 2019 (Doom foi feito em 1993), quando o nosso herói sem nome é enviado para Marte para cumprir sentença de corte marcial. O motivo? Um superior mandou ele atirar contra civis desarmados em um protesto, ao que nosso herói prontamente respondeu afundando a cara do infeliz na porrada, tá pensando o que safado? Aqui é heavy metal, não tem essas putaria não!

Escadas em um jogo, o grande avanço tecnologico da decada

Ma benne, o que rola em Marte então? Bem, rola que nas duas luas de Marte foram encontradas ruínas de uma civilização perdida e existe um posto avançado científico lá onde os restos dessa tecnologia estão sendo estudados. Parece que os marcianos desenvolveram um avançado sistema de teletransporte interdimensional antes de serem extintos, e eu tenho certeza que esses dois fatos são completamente não relacionados. Certeza.

Para surpresa de exatamente zero pessoas, os cientistas em Marte conseguem fazer os portais voltarem a funcionar e descobrem do jeito dificil para onde eles levam: para o inferno. Quer dizer, literalmente para o inferno e toda sorte de encosto, capiroto e jaburu rapidamente tomam as ruínas marcianas convertidas em instalações militares nas luas de Phobos e Deimos.

Sangue de Satanas tem poder, mas não tanto quanto uma BAZUCA!

Algumas horas atrás, a base militar em Marte recebeu uma mensagem ininteligível de Phobos. "Precisamos de apoio militar imediato. Algo terrível está saindo dos portais! Os computadores ficaram loucos!" O resto é incoerente. Logo depois, Deimos simplesmente perdeu completamente comunicações. As tentativas de estabelecer contato com qualquer uma das luas não tiveram êxito.

O exercito então envia seus melhores homens para Phobos e Deimos, apenas para nunca mais ouvir falar deles. Como medida desesperada, eles decidem enviar uma segunda equipe com o que quer que estivesse disponível... e isso incluí um certo space marine com problemas de autoridade. Você e seu time, única tropa de combate que restou por 80 milhões de quilômetros, foi enviada prontamente para Phobos. Você recebeu ordens de proteger o perímetro da base enquanto o restante da equipe entrava. Por várias horas, seu rádio captou sons de combate: armas disparando, homens gritando ordens, gritos, ossos quebrando e, finalmente, silêncio. Parece que seu time está morto, na melhor das hipoteses.

As coisas não estão parecendo muito boas. Você nunca vai sair do planeta por conta própria. Além disso, todas as armas pesadas foram levadas pela equipe de assalto, deixando você apenas com uma pistola. Bem, fazer o que então? Entrar lá, recuperar algumas armas pesadas, fechar o portão do inferno e encontrar uma forma de voltar para casa. Você herói então passa pela entrada principal da base enquanto você ouve rugidos de animais do inferno ecoando pelos corredores distantes. Eles sabem que você está aqui. Ótimo, é hora de ensinar aos demonios o que significa ter medo.

John Romero (e seu mullets incrível) não apenas desenhou os demonios, mas fez esculturas em argila dos inimigos para uma melhor visualização da equipe na hora de programar o jogo
Como dá pra ver, Doom é a versão videogame de uma capa de disco de heavy metal onde você enfrenta cyberdemonios, literalmente atravessa o portão do inferno e mete mais terror no coração da capirotagem. Doom é um jogo muito sobre heavy metal, a imagem e semelhança do seu criador metaleiro John Romero, e não estaria completo sem uma trilha sonora totalmente inspirada no melhor do metal pesado.

“Inspirado” talvez não seja a palavra certa, já que o produtor musical da ID Software na época era formado em direito. Isso é importante porque eles pegaram as músicas favoritas de John Romero e modificaram apenas o suficiente para não terem problemas legais. Então toda trilha sonora é um compilado de bandas como Slayer, Pantera, Iron Maiden, Metallica, Alice in Chains e gente desse nível.


Então no quesito atmosfera e atitude, Doom é exatamente o que você poderia esperar da fantasia de um metaleiro de engatilhar uma escopeta e espalhar miolos de demonios e zumbis por toda parte. O que é AWESOME porque isso é Doom e eu vim aqui para mascar chiclete e chutar bundas - e eu estou sem chiclete.

Sabe, em 1993 a primeira geração de crianças que cresceu jogando videogames já estava se tornando adolescentes e a indústria dos games sabia disso. O que eles não sabiam, entretanto, era como explorar isso já que a maior parte das decisões eram tomadas por executivos que não sabiam o que era ser adolescente a decadas. Ou então por japoneses, que são de um mundo inteiramente diferente com regras inteiramente diferentes. Por isso a febre dos “mascotes cheios de atitude” e os comerciais malucos da Sega, porque é isso que os executivos achavam que os jovens queriam.


Eu sei que eu digo muito isso por aqui, mas... QUAL É O SEU PROBLEMA, SEGA?!?

Mas, não é preciso ser um genio para deduzir, isso não é o que os jovens realmente queriam. O adolescente tipico que passava o dia trancado no quarto ouvindo metal no talo e fumando maconha e que só se vestia de preto não queria “um mascote com atitude”, ele queria DOOM. John Romero entendia isso perfeitamente porque ele era esse cara (na verdade, ainda hoje meio que não deixou de ser), e ele fez um jogo para esse cara. Então, sim, é um jogo todo sobre atitude, é sobre tripas de demonios espalhadas na parede e heavy metal.

E, como experiencia, eu acho que Doom consegue entregar perfeitamente o que ele se propõe a fazer. Sim, claro que o reboot feito em 2016 é a obra prima dessa sensação awesome, mas sabe eu realmente acho que o jogo de 1993 consegue entregar essa sensação perfeitamente dadas as limitações da época. Então em atmosfera, DOOM é 10 de 10 cranios de capistofeles espalhados na parede.

Mas aí você pode estar pensando que isso não parece uma divisão do trabalho justa. Quer dizer, John Carmack era um genio que criou um código tão a frente do seu tempo que os outros desenvolvedores sequer entendiam como aquele jogo podia funcionar do jeito que funcionava, e tudo que Romero tinha que fazer era ter ideias que qualquer adolescente fumando maconha no porão dos país teria? Não parece muito uma “parceria”, não é?



Então, de fato John Romero não era um genio da programação como Carmack. Mas ele era um artista, e o level design era o seu canvas.

Frequentemente eu reclamo aqui que odeio, abomino, tenho nojinho de jogos com fases labirinticas. Poucas coisas são mais frustrantes em um videogame do que não saber para onde ir, ficar pateteando sem ideia de como avançar. E Doom nada mais é do que um conjunto de labirintos que você pega chaves para abrir portas que te permitirão abrir mais portas. As vezes você ativa um botão ou uma alavanca e EM ALGUM LUGAR DA FASE uma porta abre, ou pior, uma parede desce. Uau, isso é apenas o pior que se pode ter em um jogo, não?

Então... não.

Eu não estou preso aqui com vocês, vocês estão presos aqui comigo

Embora seja verdade que eu odeie labirintos em videogames, eu não realmente tive nenhum problema com Doom. Pelo contrário, eu achei essa porra do caralho! Porque? Porque o level design em Doom não é apenas aleatório, não, ele flui naturalmente, há uma progressão lógica que não é dita especificamente por uma setinha na tela (felizmente), mas que o jogador consegue sentir no desenho da fase. Há um nível de dialogo entre o level design e o jogador, e você “conversa” com a fase e na grande parte do tempo você sempre tem uma boa noção do que fazer por maior que seja o mapa.

É um tanto dificil de explicar sem jogar, mas o desenho da fases aqui é tão fluído, tão redondinho, roda tão macio que você não realmente se sente perdido. Doom apenas flui como um rio, e esse rio é feito com o sangue de demonios marcianos.

Esse level design... ele canta
Então John Romero tem toda esse jeitão de rockstar, tem divacidades de quem se considera um artista, mas quando você entrega fases desenhadas desse jeito, você meio que tem o direito de ser diva.

Desnecessário dizer que Doom não foi apenas um sucesso, é considerado por muitos o jogo ocidental mais influente de todos os tempos e definitivamente o melhor jogo no ocidente nos anos 90. Embora o número de vendas de Doom não seja claro, o que as pesquisas da Microsoft apontaram é que em 1994 mais pessoas tinham Doom instalado no seu computador do que o Windows 3.11 (a última versão antes do Windows 95) - o jogo foi um sucesso desse tamanho E TINHA QUE SER MESMO, PORRA!



Mas Doom não é o jogo ocidental mais influente de todos os tempos apenas porque é um jogão da porra (e é), mas por vários outros fatores. Um deles era o modelo de negócios da ID Software e como eles vendiam Doom. Basicamente, eles distribuiam as primeiras fases do jogo de graça em revistas da época, ou via download na BBS (um sistema de rede que era mais ou menos o avô da internet, muito comum em faculdades na época).

O resultado é que as pessoas jogavam aquilo, achavam foda pra caralho, queriam comprar o jogo, e então emprestavam o disquete com o demo das primeiras fases para os amigos que também achavam foda e assim o ciclo se autoalimentava. Algumas pessoas, com razão, perceberam que na verdade aquele era um modelo de negócios muito bom. Dar uma parte do jogo de graça pode parecer um contrasenso e talvez não funcione se você não tiver um jogo muito bom (senão as pessoas vão apenas jogar e pensar “meh, já joguei o bastante”), mas se você confia no seu produto então é algo que realmente vale a pena.

E porque isso é tão, mas tão importante assim? Porque isso definiu a forma com os videogames existem hoje. Como?

Essa animação de recarregar a arma é muito satisfatória, o som dos zumbis do inferno levando chumbo é muito satisfatório, tudo no gameplay desse jogo é muito bom
Bem, em 1995 um funcionário da Microsoft sugeriu ao tio Gates que eles adotassem essa politica de distribuição para vender jogos no Windows. As pessoas fariam questão de ter um windows rodando na sua máquina se essa fosse a forma mais simples de jogar joguinhos com ele. O que hoje é basicamente a politica da Microsoft com o Xbox, eles estão mais interessados em que você use e continue usando o sistema deles do que em vender o console propriamente. Só que em 1995 a Microsoft não achou que as redes ou publico estavam prontos para distribuição digital e rejeitou a ideia do rapaz.

Ele então decidiu que tinha muito, muito dinheiro a ser feito com a venda e distribuição digital de jogos - como a Id Software fazia - e decidiu sair da Microsoft para fundar a sua própria empresa. O nome desse cara era Gabe Newell e a empresa que ele fundou se chamou Valve. E o que uma valvula solta?



Sim, o Steam, aquilo que se tornou sinonimo de videogames ao ponto que foi incorporado até mesmo pelos consoles (na forma da XBOX Live e da PSN), nasceu quando alguém decidiu replicar o modelo de negócios da Id Software. Videogames só são do jeito que são hoje por causa de Doom.

Mas essa não é a única influencia deixada pelo nosso amigo sem nome socador de capirotos, definitivamente não.

Isso porque em 1993 já existia a tecnologia em ligar computadores em rede para jogar com os coleguinhas, mas a real é que ninguém dava muita bola pra isso porque não haviam jogos interessantes o suficiente. Sério, você iria juntar vários amigos para fazer um campeonato de Zool - O Ninja da Nth Dimensão? Claro que não, você sequer contaria para alguém que jogou esse jogo.



Porém Doom era diferente, era um sucesso pangalactico poliglobal e todos queriam jogar esse jogo. Doom tem um modo cooperativo para jogar a campanha até quatro jogadores, e um modo competitivo em que até quatro jogadores se enfrentam em um labirinto tentando eliminar uns ao outros. Mas o interessante aqui é COMO você joga o multiplayer de Doom: você precisa de quatro computadores ligados em rede, com quatro cópias do jogo.

Aí você pode imaginar que em 1993, antes da invenção dos notebooks, e quando computadores pessoais ainda eram bem caros, não era provavel você ter outros tres amigos tão nerds quanto você a ponto de carregarem seus PCs e monitores para fazer um madrugadão de Doom... exceto que era exatamente isso que as pessoas faziam.

Os boys hangeando no porão, só de boas

Afora isso, o lugar mais provavel de você encontrar computadores assim ligados em rede eram nos laboratórios das universidades, e os cursos de ciencia da computação explodiram em popularidade. Porque pensa só: até 1993, computadores eram coisa de NEEEEEEEEERRRRRRDDDDDDDSSSSS e nenhum dos garotos descolados queria ser associado com isso. Porém agora tinha um jogo tão AWESOME, tão sangue nos zóio, tão brutal que mesmo as fraternidades quarterback macho-alfa agora achavam cool ter computadores. Isso foi uma mudança de percepção colossal na forma que a sociedade americana percebia a tecnologia, videojogos agora não eram mais brinquedos para jogar os joguinhos bonitinhos dos anos 80, eram coisas cools para fazer disputas brutais.

Muitas consequencias nasceram disso, porém a mais famosa de todas é que alguém reparou que as lan parties (LAN é como se chama você conectar os computadores em rede) eram bastante populares nas universidades por causa de Doom. Então, olha só, será que as pessoas fora das faculdades também não pagariam para jogar esses joguinhos dessa forma?

Sim, foi por causa de DOOM que nasceram as LAN Houses. Hoje onde a facilidade de acesso a internet é abundante e a sua televisão tem uma conexão com a internet melhor que a NASA tinha em 1993 não parece tão relevante, mas até meados dos anos 2000 foi uma coisa enorme na cultura ocidental. Pessoas pagavam para usar os computadores para jogar jogos em rede, posteriormente esse foco se mudou em usar a internet mas jogos em rede como Counter Strike ainda continuaram bem fortes.

Lan Houses, o sucessor espiritual dos fliperamas

O que nos leva ao segundo ponto criado por Doom: existia toda uma estrutura montada por pessoas que queriam se juntar para jogar Doom - seja nas faculdades, seja nas LAN Houses, seja com seus amigos levando aqueles monitores de 14 polegadas e 56 quilos. Com todo esse aparato criado pela febre de um jogo só, e com tanta gente jogando competitivo entre si, era apenas questão de tempo até isso se tornar praticamente um esporte.

Hoje nós temos vários e vários e vários jogos montados justamente sobre essa premissa de colocar um bando de gente numa arena e ver o que dá, jogos que sequer tem uma campanha singleplayer. Com efeito, tirando GTA Online, os jogos que mais arrecadam dinheiro hoje no mundo são esses filhotes de Doom como Fortnite, Overwatch e FreeFire. Então numa taca só Doom criou não apenas os jogos multiplayer online, como criou os e-Sports.

Claro que naquela época já existiam campeonatos de jogos como Street Fighter 2 ou de jogos da Nintendo, mas foi com Doom que isso tomou cara de profissionalização sendo organizado por faculdades.



Então agora quando você se perguntar como diabos jogos de computador não morreram depois de sofrer anos na mão de uma desgraça como o Amiga, essa é a resposta. Doom é a resposta, sempre foi. Doom não é apenas um dos melhores feitos no ocidente na decada, como mudou toda a cultura ocidental pelas próximas decadas já que hoje, e cada vez mais, nossa cultura é firmemente calcada na nossa relação com a tecnologia. Mas foi necessário um space marine muito pistola descarregando uma escopeta de cano duplo na cara de um demonio para o mundo ver isso.

Da forma que Deus planejou que fosse.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 056



Edição 073


Edição 092


Edição 110


Edição 116


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 004


Edição 006


Edição 008


Edição 009


Edição 010



Edição 012


Edição 019


Edição 021


Edição 022 (Janeiro de 1996)


Edição 025



Edição 029



Edição 031


Edição 032


Edição 037




MATÉRIA NA GAMERS
Edição 002


Edição 007


Edição 016


Edição 019