Em 1998, o cenário de animações era muito diferente do que é hoje. Durante sua era de renascença, a Disney teve praticamente monopolio do setor emplacando um sucesso devastador atrás do outro com filmes como THE LITTLE MERMAID, THE LION KING, THE BEAUTY AND THE BEAST e por aí vai. Só tijolaço um atrás do outro.
Porém na segunda metade da decada, as coisas mudaram um pouco. POCAHONTAS e "O Corcunda de Notre Dame" talvez não tenham sido os melhores titulos a serem adaptados para uma animação family friendly sem polemicas e sem tentar incomodar ninguém. E não bastasse essa era de pouco retorno cinematográfico, surgiu um novo competidor de peso no mercado!
Usando computação gráfica pela primeira vez na história do cinema para fazer inteiramente um longa metragem (bem, segunda, mas nós não falamos sobre Cassiopeia), a Pixar surgia com uma narrativa menos formulaica, criativa e com personagens mais emocionalmente complexos que os habituais da Disney com seu revolucionário TOY STORY.
Mas teria sido um acerto na cagada ou a Pixar era uma força que tinha vindo para ficar? Isso é o que seria respondido com o segundo filme da Pixar, Vida de Inseto.
Okay, eu tenho que começar dizendo que quando vc analisa friamente, Vida de Inseto tem um dos conceitos mais estranhos para um filme: essencialmente esse filme é baseado no clássico "Os Setes Samurais", só que mesclando com a formula de princesa Disney.
MAS OI?
Não disse que era estranho? Mas então, suponho que eu deva explicar do que eu estou falando. Pois muito que bem, em 1954 foram lançados dois dos maiores filmes da decada e ambos são japoneses: GODZILLA, que dispensa apresentações, e "Ps 7 Samurais" - talvez um dos filmes mais influentes de todos os tempos.
Eu digo isso pq mesmo que vc não tenha visto o filme (e eu não te culpo por não assistir um filme de tres horas e meia de 1954), certamente vc já viu seu conceito adaptado para pelo menos uma duzia de outras obras. O que acontece aqui é que bandidos decidem esperar uma vilazinha terminar sua colheita pra saquear geral. OS aldeões descobrem isso e não querendo morrer de fome no inverno, decidem contratar mercenários para defende-los.
São contratados então sete samurais desempregados e por quem ninguem dava muita coisa, que treinam os aldeões (que nunca tinham pego em armas na vida) para que consigam resistir a bandidos armados e perigosos.
Como eu disse, esse é um dos conceitos mais clássicos da narrativa: uma vila oprimida não sabe lutar e tem que enfrentar uma forma inimiga armada e bem treinada. Então um herói surge e ensina os locais a se defenderem como podem para vencer uma luta improvavel de ser vencida. Matrix Revolutions, Mad Max 2: Fury Road ou o episódio de Mandalorian onde o Mandaloriano treina um vilarejo para resistir a um ataque do império, exemplos não faltam.
Claro, "Os Sete Samurais" ainda são lembrados por sua cinematografia, estilo de edição e ideias de narrativa de Akira Kurosawa ainda inspiraram basicamente toda industria cinematográfica moderna (George Lucas disse que seu estilo de edição de cenas Star Wars é fortemente inspirado pelos Sete Samurais), mas vamos nos ater a narrativa.
E nesse sentido, é isso que Vida de Inseto é: a colonia de formigas é oprimida pelos gafanhotos e devido a razões, precisa lutar de volta para não ser saqueada e sobreviver ao inverno. Assim, um grupo improvavel de heróis prepara uma defensiva para que esses aldeões que nunca pegaram em uma arma na vida lutem de volta. Esse é o conceito da Pixar aqui.
Aonde as coisas ficam loucas, entretanto, é que a esse conceito é aplicada a formula da "Princesa Disney™". E que conceito seria esse, vc pergunta? Bem, me diga se isso é familiar: existe um lugar onde tudo é feito de uma determinada forma, existem regras de como as coisas sempre funcionaram e sempre funcionarão. Mas então tem esse personagem (normalmente uma princesa) que está profundamente insatisfeita em como as coisas são e sempre serão. Ela é diferente, ela quer mais, ela que as coisas sejam melhores!
Com efeito, nos filmes da Disney esse momento é definido por uma música dizendo justamente isso, que a personagem é diferente, ela não se encaixa, que ela quer mais da vida - esse cliche é tão recorrente que se chama isso de "I Want Song".
E bem apesar da má fama dos jogos licenciados, a grande coisa a respeito de BL é que essse jogo foi feito pela Traveller Tales, mais conhecida hoje pelos jogos de Lego (que são bons), mas que já vimos nesse blog em jogos como... hã... BRAM STOKER'S DRACULA ou RASCAL... é, tá, não foi o melhor dos começos realmente...
Agora, eu vou dizer uma coisa: apesar da premissa ser um pouco intimidadora (jogos licenciados de filmes não tem uma grande reputação + a TT teve um começo questionável), o jogo é realmente melhor do que vc poderia esperar dele e grande parte do seu charme é que a TT não tentou dar um passo maior que a perna aqui.
O que rola é que em seu core, Bugs Life é um jogo de plataforma bastante sólido: você pula e arremessa coisinhas, os gráficos são bem medianos (mas não ruins), o jogo é bastante básico para crianças que viram o filme sem ofender a sensibilidade videogamistica de gamers mais velho.
Porém o core desse jogo é tão básico, mas tão básico que ele seria chato se não tivesse algum gimmick interessante e é aqui onde entram as sementes: ao longo do jogo você encontra sementes que podem ser carregadas e plantadas em quase qualquer lugar da fase. Qual é a pegadinha aqui: existem diferentes power ups que vc tem que colocar na semente para determinar que planta ela vira.
Por exemplo, o power up mais básico é transformar a semente em um cogumelo-trampolim para você alcançar lugares mais altos, mas a semente pode ser tranformada em trepadeira, canhao, refil de energia, propulsor para voo e outras coisas. Então o real puzzle do jogo é não apenas usar o power up certo na semente certa, mas se ligar de para onde carregar a semente na fase para transforma-la em planta.
Nas primeiras fases é bem simples, você usa a semente mais ou menos onde encontra ela, mas nas fases mais pra frente se torna um desafio realmente interessante entender onde vc precisa chegar, como levar uma semente até lá e que power up usar para atingir seu objetivo. O que é um esforço de level design maior do que eu esperaria de um jogo licenciado, saiba você.
Claro, como você pode imaginar, esse conceito é muito mais legal do que a sua execução na prática. Não espere um BANJO-KAZOOIE, A Bug's Life não recebeu o mesmo fine tunning e otimização. O que eu quero dizer com isso é que o jogo controla de forma um pouco lenta e até mesmo a simples tarefa de acertar um inimigo com uma baga parece desajeitada e confusa. O resultado final é uma experiência de jogo abaixo da média dos jogos top tier de plataforma 3D, como o proprio BANJO-KAZOOIE ou SPYRO THE DRAGON. Não chega a estragar o jogo, mas impede que ele seja um jogo top do genero
No final do dia, a mecânica de jogo ou o level design não é horrível. O jogo em si não funciona muito mal. Da mesma forma, os níveis não são especialmente pobres. Mas nenhuma das opções acima também é excepcional. Tudo isso equivale a uma experiência de jogo muito mediana. E embora isso, misturado com uma licença de filme reconhecidamente popular, possa ser suficiente para jogadores mais jovens, os fãs mais radicais de plataformas provavelmente ficarão apenas levemente entretidos.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 133 (Novembro de 1998)
EDIÇÃO 134 (Dezembro de 1998)
EDIÇÃO 135 (Janeiro de 1999)
EDIÇÃO 142 (Agosto de 1999)
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 057 (Dezembro de 1998)
EDIÇÃO 058 (Janeiro de 1999)
EDIÇÃO 037 (Fevereiro de 1999)