quinta-feira, 11 de julho de 2024

[#1274][Nov/98] DISNEY/PIXAR A BUG'S LIFE


Em 1998, o cenário de animações era muito diferente do que é hoje. Durante sua era de renascença, a Disney teve praticamente monopolio do setor emplacando um sucesso devastador atrás do outro com filmes como THE LITTLE MERMAIDTHE LION KINGTHE BEAUTY AND THE BEAST e por aí vai. Só tijolaço um atrás do outro.

Porém na segunda metade da decada, as coisas mudaram um pouco. POCAHONTAS e "O Corcunda de Notre Dame" talvez não tenham sido os  melhores titulos a serem adaptados para uma animação family friendly sem polemicas e sem tentar incomodar ninguém. E não bastasse essa era de pouco retorno cinematográfico, surgiu um novo competidor de peso no mercado!


Usando computação gráfica pela primeira vez na história do cinema para fazer inteiramente um longa metragem (bem, segunda, mas nós não falamos sobre Cassiopeia), a Pixar surgia com uma narrativa menos formulaica, criativa e com personagens mais emocionalmente complexos que os habituais da Disney com seu revolucionário TOY STORY.

Mas teria sido um acerto na cagada ou a Pixar era uma força que tinha vindo para ficar? Isso é o que seria respondido com o segundo filme da Pixar, Vida de Inseto.

Okay, eu tenho que começar dizendo que quando vc analisa friamente, Vida de Inseto tem um dos conceitos mais estranhos para um filme: essencialmente esse filme é baseado no clássico "Os Setes Samurais", só que mesclando com a formula de princesa Disney.

MAS OI?

Não disse que era estranho? Mas então, suponho que eu deva explicar do que eu estou falando. Pois muito que bem, em 1954 foram lançados dois dos maiores filmes da decada e ambos são japoneses: GODZILLA, que dispensa apresentações, e "Ps 7 Samurais" - talvez um dos filmes mais influentes de todos os tempos.


Eu digo isso pq mesmo que vc não tenha visto o filme (e eu não te culpo por não assistir um filme de tres horas e meia de 1954), certamente vc já viu seu conceito adaptado para pelo menos uma duzia de outras obras. O que acontece aqui é que bandidos decidem esperar uma vilazinha terminar sua colheita pra saquear geral. OS aldeões descobrem isso e não querendo morrer de fome no inverno, decidem contratar mercenários para defende-los.

São contratados então sete samurais desempregados e por quem ninguem dava muita coisa, que treinam os aldeões (que nunca tinham pego em armas na vida) para que consigam resistir a bandidos armados e perigosos.

Como eu disse, esse é um dos conceitos mais clássicos da narrativa: uma vila oprimida não sabe lutar e tem que enfrentar uma forma inimiga armada e bem treinada. Então um herói surge e ensina os locais a se defenderem como podem para vencer uma luta improvavel de ser vencida. Matrix Revolutions, Mad Max 2: Fury Road ou o episódio de Mandalorian onde o Mandaloriano treina um vilarejo para resistir a um ataque do império, exemplos não faltam.


Claro, "Os Sete Samurais" ainda são lembrados por sua cinematografia, estilo de edição e ideias de narrativa de Akira Kurosawa ainda inspiraram basicamente toda industria cinematográfica moderna (George Lucas disse que seu estilo de edição de cenas Star Wars é fortemente inspirado pelos Sete Samurais), mas vamos nos ater a narrativa.

E nesse sentido, é isso que Vida de Inseto é: a colonia de formigas é oprimida pelos gafanhotos e devido a razões, precisa lutar de volta para não ser saqueada e sobreviver ao inverno. Assim, um grupo improvavel de heróis prepara uma defensiva para que esses aldeões que nunca pegaram em uma arma na vida lutem de volta. Esse é o conceito da Pixar aqui.


Aonde as coisas ficam loucas, entretanto, é que a esse conceito é aplicada a formula da "Princesa Disney". E que conceito seria esse, vc pergunta? Bem, me diga se isso é familiar: existe um lugar onde tudo é feito de uma determinada forma, existem regras de como as coisas sempre funcionaram e sempre funcionarão. Mas então tem esse personagem (normalmente uma princesa) que está profundamente insatisfeita em como as coisas são e sempre serão. Ela é diferente, ela quer mais, ela que as coisas sejam melhores!

 Com efeito, nos filmes da Disney esse momento é definido por uma música dizendo justamente isso, que a personagem é diferente, ela não se encaixa, que ela quer mais da vida - esse cliche é tão recorrente que se chama isso de "I Want Song".



Agora que entendemos isso, é fácil entender Vida de Inseto: as formigas são uma raça de criaturas que seguem habitos e padrões ao ponto do ridiculo (algo que é divertidamente comunicado pela cena inicial do filme, ó a maldita grande folha de 93!). Elas são completamente horrorizadas pela ideia de fazer as coisas diferente, de fazer algo como nunca foi feito antes.

E então tem esse cara, Flik, que é a formiga "Princesa Disney que não se encaixa e quer mais da vida". Embora ele naõ cante uma uma canção sobre isso (e embora não seja tecnicamente uma princesa), é caracterizado bastante bem pela Pixar esse papel.

Flik sempre quer fazer as coisas de forma diferente, ele quer fazer melhor, mais eficiente, ele quer mais. E, como esperado, é justamente isso que causa os problemas que rompem a bolha de conforto das formigas. Flik precisa então encontrar uma solução alternativa para o problema e sai em busca de um bando de insetos guerreiros para combater os gafanhotos, para que as formigas possam finalmente viver em paz. O problema aqui é que, ao contrário dos Sete Samurais, os guerreiros que Flik acaba recrutando não são guerreiros, mas artistas de circo que ele confunde com guerreiros.


Eis então meu ponto, que Vida de Inseto é "Os Sete Samurais" com a formula "princesa Disney". E é justamente isso que a animação entrega: Vida de Inseto é uma história divertida repleta de personagens divertidos, especialmente os artistas de circo mencionados acima, que incluem, mas não estão limitados a Francis, a joaninha, que todos confundem com uma mulher pelo simples fato de ele ser uma joaninha, Heimlich, a lagarta, que tem um apetite ilimitado, e Slim, o bicho-pau, que se orgulha de suas habilidades dramáticas mas é sempre escalado como acessório.

A única desvantagem da história e dos personagens de Vida de Inseto é que, quando comparados aos trabalhos posteriores da Pixar (ou mesmo TOY STORY, sua obra anterior), todos aspectos parecem um pouco básicos. Esse filme não captura o mesmo nível de emoção em sua narrativa ou a profundidade do personagem de filmes como Toy Story ou Wall-E. Excepcionalmente elaborado, mas mesmo assim simples.


Bugs Life é melhor do que a maior parte dos filmes de "herói desajustado segue seu coração para ser ele mesmo e salvar o dia) especialmente dessa época, mas também meio que um pouco genérico, sem as camadas extras que a Pixar fez com Woody e Buzz Lightyear.


Vida de Inseto oferece uma boa história e personagens divertidos. Mas também é a prova de que nem tudo o que a Pixar faz é automaticamente extraordinário. É fofinho, mas não particularmente memorável.



Agora, isso sendo posto, é hora de falar do obrigatório jogo licenciado para o console modinha da época... o que quer dizer jogo para PS1 e N64, pq deus os livre de perder dois anos aprendendo a mexer na bagunça que era programar para o Saturn.

E bem apesar da má fama dos jogos licenciados, a grande coisa a respeito de BL é que essse jogo foi feito pela Traveller Tales, mais conhecida hoje pelos jogos de Lego (que são bons), mas que já vimos nesse blog em jogos como... hã... BRAM STOKER'S DRACULA ou RASCAL... é, tá, não foi o melhor dos começos realmente...


Agora, eu vou dizer uma coisa: apesar da premissa ser um pouco intimidadora (jogos licenciados de filmes não tem uma grande reputação + a TT teve um começo questionável), o jogo é realmente melhor do que vc poderia esperar dele e grande parte do seu charme é que a TT não tentou dar um passo maior que a perna aqui.

O que rola é que em seu core, Bugs Life é um jogo de plataforma bastante sólido: você pula e arremessa coisinhas, os gráficos são bem medianos (mas não ruins), o jogo é bastante básico para crianças que viram o filme sem ofender a sensibilidade videogamistica de gamers mais velho.


Porém o core desse jogo é tão básico, mas tão básico que ele seria chato se não tivesse algum gimmick interessante e é aqui onde entram as sementes: ao longo do jogo você encontra sementes que podem ser carregadas e plantadas em quase qualquer lugar da fase. Qual é a pegadinha aqui: existem diferentes power ups que vc tem que colocar na semente para determinar que planta ela vira.

Por exemplo, o power up mais básico é transformar a semente em um cogumelo-trampolim para você alcançar lugares mais altos, mas a semente pode ser tranformada em trepadeira, canhao, refil de energia, propulsor para voo e outras coisas. Então o real puzzle do jogo é não apenas usar o power up certo na semente certa, mas se ligar de para onde carregar a semente na fase para transforma-la em planta.


Nas primeiras fases é bem simples, você usa a semente mais ou menos onde encontra ela, mas nas fases mais pra frente se torna um desafio realmente interessante entender onde vc precisa chegar, como levar uma semente até lá e que power up usar para atingir seu objetivo. O que é um esforço de level design maior do que eu esperaria de um jogo licenciado, saiba você.

Claro, como você pode imaginar, esse conceito é muito mais legal do que a sua execução na prática. Não espere um BANJO-KAZOOIE, A Bug's Life não recebeu o mesmo fine tunning e otimização. O que eu quero dizer com isso é que o jogo controla de forma um pouco lenta e até mesmo a simples tarefa de acertar um inimigo com uma baga parece desajeitada e confusa. O resultado final é uma experiência de jogo abaixo da média dos jogos top tier de plataforma 3D, como o proprio BANJO-KAZOOIE ou SPYRO THE DRAGON. Não chega a estragar o jogo, mas impede que ele seja um jogo top do genero

No final do dia, a mecânica de jogo ou o level design não é horrível. O jogo em si não funciona muito mal. Da mesma forma, os níveis não são especialmente pobres. Mas nenhuma das opções acima também é excepcional. Tudo isso equivale a uma experiência de jogo muito mediana. E embora isso, misturado com uma licença de filme reconhecidamente popular, possa ser suficiente para jogadores mais jovens, os fãs mais radicais de plataformas provavelmente ficarão apenas levemente entretidos.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 133 (Novembro de 1998)


EDIÇÃO 134 (Dezembro de 1998)



EDIÇÃO 135 (Janeiro de 1999)


EDIÇÃO 142 (Agosto de 1999)




MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 057 (Dezembro de 1998)


EDIÇÃO 058 (Janeiro de 1999)


EDIÇÃO 064 (Julho de 1999)


EDIÇÃO 065 (Agosto de 1999)







MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 037 (Fevereiro de 1999)


EDIÇÃO 042 (Julho de 1999)