A primeira reação que eu tive ao ver “The Immortal” no Nintendinho em 2017 foi “Holy Macaronnes, tinha um Diablo
 para o NES esse tempo todo, e ninguém nunca me avisou disso?!?”. 
Visualmente o jogo parece muito o que teria sido uma tentativa da 
Blizzard para a plataforma de 8 bits da Nintendo.
Ao jogar o jogo, no entanto, você descobre que o que é imortal 
não morre no finalestá mais para Dragon’s Lair do que Diablo, realmente. Mas vamos começar nossa história do começo, porque The Immortal tem um making of muito interessante.
Will Harvey é uma figura interessante. Em 1982, aos 15 anos de idade, Harvey estava criando um jogo para o Apple II chamado “Lancaster” – que é basicamente um clone de Space Invaders.
 Essa não é a parte interessante, a parte interessante é que ele 
percebeu que precisava colocar trilha sonora no jogo, e para isso ele 
tinha duas opções: (A) Mandar uma carta para os Rolling Stones pedindo 
para eles digitalizarem Honky Tonk Woman em 42 disquetes ou (B) escrever um programa que permitisse compor músicas no computador.
Por mais estranho que pareça, ele escolheu a segunda opção.
Ele batizou o projeto de “Music Construction Set”, o que era mais ou menos um tipo de Mario Paint apenas para música, dez anos antes de Mario Paint existir. Sim, ele foi o cara que inventou isso:
O resultado final foi que ninguém se importou muito com Lancaster realmente, mas o Music Construction Set
 foi um sucesso interglobomundial, tendo seus direitos adquiridos pela 
Eletronic Arts e distribuído para diversas outras plataformas, além do 
computador pessoal obscuro da Apple (pff, a Apple fazendo computadores 
pessoais em 1985, claro que isso nunca vai pegar).
Will era esse tipo de cara visionário. 
Então, em 1990, ele teve outra ideia desse tipo: um jogo como nunca 
havia sido tentado antes. Basicamente, o que o jogo faria seria fornecer
 um cenário continuo e inimigos para que os jogadores “entrassem” nesse 
cenário pré-estabelecido através de modems e conexão com a internet. 
Seria um RPG chamado “Campaing“
Em outras palavras, o que Will tinha bolado era algo que hoje nós conhecemos como isso:
Seus
 investidores concordaram, na época, que a ideia era muito ambiciosa 
para os recursos tecnológicos de 1990. Afinal, estávamos falando de dias
 em que modems de 14k (não mega, kilo mesmo) custavam o preço de um 
carro, e se um servidor tivesse 1 GB de armazenamento, o sistema 
elétrico do país colapsaria devido ao consumo. Não, o RPG online de Will
 teria que esperar.
Ao invés disso ele reaproveitou a 
masmorra que ele tinha desenhado para um bom e velho jogo offline single
 player mesmo, e esse veio a ser “The Immortal“. O jogo tem 
esse nome, inclusive, porque, sendo um jogo online, não haviam game 
overs na sua Campaing – se o personagem morresse, você só daria respawn 
em algum ponto anterior do jogo. Novamente, isso é meio obvio hoje em 
dia, mas em 1990 Will estava inventando a roda com isso daqui.
Isso abriu um precedente interessante na
 hora de adaptar a ideia para o uso single player, no entanto: se o 
personagem nunca morre realmente, então o criador do jogo percebeu que 
ele tinha liberdade para sentar a mão na dificuldade, sem tornar o jogo 
desnecessariamente frustrante. O que poderia ter dado muito errado, mas,
 por sorte, Will era um grande fã de Dragon’s Lair e das mortes mais criativas da história dos videogames.
Então “The Immortal” é sobre um
 mago que é, bem, imortal, e desce aos porões de uma masmorra para 
resgatar o seu mestre e, no processo, ele morre das formas mais 
diferentes que se pode imaginar. The Immortal é basicamente um jogo de tentativa e erro, e a cada sala que você entra sempre acaba descobrindo novas formas de morrer.
Você acha um item, por exemplo, que é 
descrito como “Pedra reflexiva”. Duas salas depois você acha uma fonte 
de luz. Hm, parece fazer sentido usar a “Pedra Reflexiva” na fonte de 
luz, e ao fazer isso o jogo te informa que runas apareceram nela. Ele, 
então, te pergunta se você quer ler as runas, e se você disse que sim, 
BAM! RUNAS EXPLOSIVAS NA SUA CARA!
Morreu.
A primeira frase do jogo diz, literalmente, que você não é o Dunric (e, obviamente, muito menos um guerreiro). Se a Ação Games jogava os jogos é algo que eu jamais terei certeza realmente…
Na segunda vez que você faz isso você 
aprende que tem que colocar a pedra na luz, mas NÃO ler as runas. Isso 
abre a passagem para o próximo nível. Essa é a essência do jogo, e é 
repetida com mais ou menos criatividade ao longo de todos os andares da 
masmorra.
O resultado é que o jogo é uma mistura 
improvável de adventure com jogo de ação isométrico. Você precisa 
encontrar itens nos andares da masmorra e descobrir onde usá-los, 
enquanto navega pisos tão cobertos de armadilhas que fariam Indiana 
Jones dizer “vai a merda, Arce!“.
O que significa que The Immortal
 pode não parecer um jogo tão estranho assim para seus pares nos 
computadores, mas era uma “besta do seu próprio tipo” quando portada 
para os videogames (primeiro para o NES, e alguns meses depois para o 
Mega Drive).
Pode parecer estranho dizer isso, mas The Immortal
 é um jogo muito melhor HOJE do que era em 1991. Porque hoje o gamer 
mediano tem o arcabouço cultural para entender o que Will Harvey estava 
tentando fazer através de diversas outras comparações. É muito mais 
fácil apreciar The Immortal estando familiarizado com outros jogos como Baldur’s Gate, Diablo, Dragon’s Lair, adventures como Secret of the Monkey Island,
 etc. HOJE qualquer jogador sabe o que são essas coisas, mas em 1991 o 
público de consoles não tinha essa formação cultural videogamistica toda
 não.
Jogos de Nintendinho que tentavam emular aspectos de adventures do PC eram pavorosamente ruins, como Dick Tracy ou Uma Cilada para Roger Rabbit.
 Parte da diversão do jogo é justamente ver as formas criativas que seu 
personagem pode morrer, mas isso é uma sensibilidade muito recente para 
ser assimilada por uma criança nos anos 90 (que eram o público-alvo dos 
videogames naquela época).
Ser visionário para a sua época é bom, 
mas não vem sem um custo alto também. Os controles são horríveis 
(aparentemente lidar com gráficos isométricos é mais do que o 
Nintendinho podia suportar), e muitas vezes você vai morrer não porque 
não sabia o que fazer, mas porque o personagem não foi para onde você 
queria. Mesmo que você só perca alguns segundos com isso no inicio, 
ainda assim é bem frustrante.
O que passa a ser um problema bem sério,
 porque a partir do quinto nível o jogo começa a se basear muito menos 
em resolver puzzles, e bem mais em reflexos e habilidade manual. E por 
tabela começa a ficar bem cansativo.
Outro problema é o sistema de combate, que deveria ser uma mistura de esquiva e ataque, mas na prática você só fica balançando o personagem quem nem a Globeleza tendo siricuticu e esperando pelo melhor.
Para ser justo, The Immortal 
não foi pensado para ser um jogo de ação, e esse jogo ter ido parar no 
Nintendinho quase tão fiel ao computador quanto possível é quase um 
milagre. Hoje, The Immortal é pouco mais do que uma nota de 
rodapé no vasto catálogo de jogos da Electronic Arts, e pode não ter 
sido valorizado na época por suas ambições visionárias, mas sua 
atmosfera, dificuldade implacável, mortes criativas, quebra-cabeças que 
evocam elementos de RPG de mesa, e trilha sonora fenomenal, certamente o
 fazem mais digno de reconhecimento do que ele tem.
Claro que eu não encerraria esse texto sem mencionar uma das poucas coisas que se aproveita de um dos filmes mais esquecíveis da Disney, né?




