Quando os primeiros videogames foram 
criados, seus criadores não tinham em mente que estavam trazendo ao 
mundo uma ferramenta capaz de dar à humanidade a chance de realizar os 
seus sonhos mais loucos. Como entrar na pele de um pedófilo que foi 
queimado vivo e agora assombra os pesadelos de adolescentes. Pensando 
bem, eu acho que realmente eles não tinham ideia do que estavam criando…
Nosso jogo de hoje é nada senão o clássico “A Nightmare on the Elm Street“, onde jogamos com o tiozão que tornou os suéteres de natal algo eternamente creepys  – Frederick Charles Krueger. Freddy para os íntimos. Em 1988 foi publicado um anúncio na revista Nintendo Power com as primeiras informações do jogo, e o anuncio já abria com “Você É
 Freddy”, e o objetivo do jogo era fazer alguns adolescentes, que 
estavam tentando reunir os seus restos mortais para exorcizar você, irem
 para a Terra dos Cotonetes Molhados no Ouvido (já reparou que dá para 
usar qualquer absurdo como sinônimo para morte ou sexo?).
A ideia do jogo era sólida: os adolescentes teriam poderes especiais de “Dream Warriors” como em “A Hora do Pesadelo 3” – o que dariam bons chefes e fases temáticas.
Como chave de ouro, o jogo estava sendo desenvolvido pela Rare. Sim, a mesma Rare que depois nos daria Battletoads e Donkey Kong Country, entre tantos outros clássicos. Tudo se encaminhava para um dos maiores jogos da história do Nintendinho. Exceto por um pequeno detalhe que ficou de fora dessa equação: Alguém esqueceu de avisar a Nintendo disso.
Porque, veja, o seu personagem nesse jogo é um serial killer pedófilo (embora, TECNICAMENTE, nem o filme possa ter feito dessa forma, Wes Craven disse que, originalmente, essa era a visão que ele tinha para o personagem) que mata adolescentes. Em um videogame da Nintendo. Da Nintendo. Com o selo Nintendo de qualidade. Consegue encontrar algum problema nessa conjuntura?
Pois é.
De forma pouco surpreendente, a reação da Nintendo foi exatamente essa:
Verdade seja dita, a Nintendo não estava totalmente fora de propósito ao pensar dessa forma. Videogames eram vendidos para crianças em lojas de brinquedos (e eles tiveram muito trabalho para chegar àquela posição), e por mais loucos que você acha que os anos 80 tenham sido, eles não foram TÃO loucos assim, ao ponto das pessoas dizerem “hm, vou dar um serial killer simulator para meu filho de 8 anos de natal!”. Alguns anos antes, muitas lojas se recusaram a vender O Massacre da Serra Elétrica e Halloween – jogos de Atari onde você jogava com o vilão da história, e passava o serrote em novinhas desenhadas no Paint
Oficialmente o jogo foi atrasado para 
“retocar os gráficos”, mas hoje é bastante claro o que aconteceu aqui. A
 Rare trabalhou a toque de caixa para refazer o jogo praticamente do 
zero em um ano, e o resultado é EXATAMENTE o que você pode esperar 
disso.
Tanto que os essenciais do jogo, as 
mecânicas de pular e atirar nas coisas, são boas. Os pulos são 
satisfatórios e, embora o ataque do seu personagem seja felapoutamente 
curto, ao entrar no “mundo dos sonhos” seus personagens ganham poderes, o
 jogo deslancha e vai que vai quicando. Quando você joga o jogo, meio 
que dá para ver o que era parte da ideia original e o que foi feito nas 
coxas em cima da hora.
Ao invés de matar adolescentes doidos para furunfar (imagino que Freud
 teria muito a dizer sobre os filmes de terror e sua obsessão em matar 
quem ousa tamborilar o ravioli – ó o que eu disse que tudo é inuendo 
para sexo e morte), agora você pode socar… bem, os inimigos mais 
genéricos da história dos videogames. Ratos, morcegos, esqueletos, 
aranhas. Puta merda, o Nintendinho podia ter um jogo inspirado em Blade Runner com uma conspiração global futurista em que os inimigos ainda seriam ratos, morcegos, esqueletos e aranhas. Ah, pensando bem, ele têm sim…
As lutas com os chefes acabaram tão genéricas que a Dory
 teria mais sorte em lembrar delas do que você. Você enfrenta a garra do
 Freddy amarrada numa cordinha, um morcego gigante, uma cabeça quicando 
pela tela…
Outra coisa que você terá muita 
dificuldade em lembrar é da trilha sonora do jogo, exceto, talvez, se 
você passar muito tempo no mundo dos sonhos. Começa a tocar “1, 2, Freddy está atrás de você…”
 – o que possivelmente é uma das coisas mais maneiras de toda biblioteca
 do Nintendinho, até o momento que você percebe que colocaram “TM” no 
nome do Freddy. Sério. Quer dizer, eles tiveram quanto tempo para fazer 
esse jogo? 17 minutos?
E quando você pensa sobre o jogo, ele 
está repleto de boas ideias. Você não tem uma barra de energia; você tem
 um medidor de sono (porque eu não sei vocês, mas poucas coisas me dão 
mais sono que encostar em um zumbi / frankenstein na rua), que vai 
diminuindo conforme você toma dano, fica parado ou o tempo passa. Se ela
 esvaziar, você vai para o “mundo dos sonhos”, onde os inimigos são mais
 fortes, mas em compensação você pode se transformar em um dream warrior
 e disparar projeteis, além de ter pulos muito melhores. Mas como já foi
 dito, se você mosquear muito no mundo dos sonhos, Freddy vem atrás de 
você, e você tem que lutar com ele – não ganhando nada com isso, é 
apenas para perder vida mesmo.
O jogo tem um hub principal que é a 
famosa rua Elm, e você tem que subi-la ou descê-la para entrar nas casas
 onde ficam as fases de verdade, em que você tem que coletar os ossos de
 Freddy para crema-lo e exorcizar o seu fantasma para sempre. Porque, 
aparentemente, Freddy Krueger era composto por 437 femures, vai 
entender.
O problema é que a Rare não teve tempo 
para polir nenhuma dessas ideias e o jogo é apenas isso: um conjunto de 
ideias que nunca foram realmente terminadas. A rua Elm, por exemplo, não
 tem nada de interessante nela. Você só fica andando tentando adivinhar 
qual casa é a próxima fase do jogo, e tomando dano de todas as coisas 
que passam por ali. Nas fases você consegue ver mais claramente quais 
foram planejadas com algum tempo, e os ossos estão escondidos de forma 
criativa, fazendo você pegar múltiplos caminhos ou disfarçados no 
cenário; e as que o tempo simplesmente acabou e eles apenas fizeram um 
corredor com alguns buracos.
As sequencias de sonho, por exemplo: 
seria muito legal se a Rare tivesse passado mais de cinco minutos 
trabalhando no que uma fase de sonhos poderia parecer. Aqui a tela se 
transforma em um tom azulado, os monstros se transformam em … ãh, outros
 monstros, e você tem a capacidade de usar as habilidades do Dream 
Warrior. E é isso. Esse é o “sonho”. A franquia NoES fez 
algumas coisas excelentes com o surrealismo nas cenas de sonhos, mas os 
designers do jogo pra NES decidiram que a melhor maneira de conseguir 
isso era com cobras e fantasmas … iguais aos que já tinham no “mundo 
acordado”.
E é claro que eu não faria esse texto
 sem postar o vídeo do nosso grande menestrel da merda. Em 
outro vídeo ele mesmo reparou no quanto a camisa dele estava amassada.
O jogo também é muito difícil de todas 
as maneiras erradas, atulhando instadeaths e hits sem vergonha para 
tirar sua vida. Hm, considerando que estamos falando da mesma Rare que 
fez Battletoads, eu não tenho tanta certeza se isso é culpa da falta de tempo. Ninguém que projeta aquela fase dos jet skis de Battletoads pode ser inocentado de nada nunca mais na vida.
A
 única coisa positivamente legal que pode ser dita da versão final do 
jogo é que ele acabou se tornando o jogo-propaganda do NES Four Score, 
um adaptador que permitia até quatro pessoas jogarem o jogo ao mesmo 
tempo. Apenas 24 jogos foram produzidos com suporte a esse acessório 
(entre eles Bomberman II e Smash TV),
 e tenho que dizer que, apesar de todos os defeitos do jogo (ou mais 
falta de qualidades, na verdade), jogar com mais três amigos torna a 
experiência bem mais legal…
… supondo que você tivesse três amigos 
quando era criança. O que não era o meu caso. O que ainda não é o meu 
caso. Agora, se me dão licença, vou ali para o canto chorar lembrando de
 todas as tardes em que eu passei jogando Banco Imobiliário sozinho. Pois é.





