domingo, 6 de janeiro de 2019

[AÇÃO GAMES 014] ALISIA DRAGOON (Mega Drive, 1992) [#180]



Assim como filmes, livros e músicas, alguns jogos são um fracasso absoluto no seu lançamento e apenas muitos anos depois são descobertos como perolas dos videogames. Afinal, se Van Gogh e Lovecraft morreram pobres e acreditados como fracassos, porque um videojogo também não seria incompreendido no seu lançamento?

Tem um exclusivo de PS3, por exemplo, que foi atirado no mercado japones sem muito marketing e a distribuição ocidental do jogo foi dada quase de graça para a Atlus porque o presidente da Sony achou que aquele jogo era uma pilha modorrenta de lixo. Um jogo dificil demais, com um sistema novo de combate mas sem tutorial e sem narrativa discernível? Para o inferno que eles iriam afundar dinheiro distribuindo essa barca furada, ora bolas!

Esse jogo, por acaso, é Demon's Souls - cuja maioria das pessoas só ouviu falar da continuação, Dark Souls - e é um dos jogos mais influentes de todos os tempos, certamente o mais influente da geração passada.

Então, é, as vezes as pessoas cometem erros de julgamento - tanto o publico quanto os distribuidores - e alguns jogos são varridos para debaixo do tapete da história sem de fato merecer tal destino. Estou falando disso porque o jogo de hoje é um jogo que afundou rapidamente no esquecimento na época do seu lançamento, mas hoje não existe uma única review desse jogo na internet que não diga que ele é uma perola escondida na biblioteca do Mega Drive - e eu realmente procurei. Mas nenhuma MESMO.

Mas então, será que Alisia Dragoon é isso tudo mesmo?

Bem, vamos começar colocando que toda direção artistisca desse jogo foi feita por ninguém menos do que a Gainax. Sim, AQUELE estúdio Gainax:


Toda arte conceitual, design de personagens e monstros foi feito por um dos melhores estúdios de animação dos anos 90. Isso nos dá um mundo de fantasia com elementos de alta tecnologia, bem ao estilo He-Man, só que criados pelo melhor que a industria tinha a oferecer naquela época.

Apenas esse fato já coloca Alisia Dragoon anos a frente da concorrencia, com os cenários entre os mais criativos de um jogo de plataforma. É só ver a capa japonesa do jogo, na minha opinião é a capa mais bonita que eu já vi de um jogo de Mega Drive:



Infelizmente em 1992 animes ainda não era uma coisa tão popular assim no ocidente, e a Sega da America achou por bem colocar uma capa mais ao gosto do publico ocidental, transformando assim essa arte lindissima em um clone barato de Golden Axe.

Mas bem, visual a parte,  o jogo não foi feito pela Gainax - apenas ilustrado por ela. A produção do jogo foi feita por um estúdio pelo qual os gamers tem enorme carinho: a Game Arts.

QUEM? NUNCA OUVI FALAR DESSES CARAS!

Oh, sim, deixe-me chama-los então pelo nome que você deve conhece-los: o estúdio que fez Lunar, Grandia e Smash Bros Brawl. Quando a Game Arts faz qualquer coisa, é sábio no mínimo prestar atenção.

Uma das coisas que eles conseguiram fazer, por exemplo, foi fazer a trilha sonora do jogo ser ótima. Eu digo frequentemente que o chip de som do Mega Drive é o seu ponto mais fraco, e mais da metade dos jogos que rodam nele parecem estar sendo tocados em um tecladinho Casio do paraguai. Bem, não Alisia Dragoon. A qualidade do som não é apenas fabulosamente limpa, mas a trilha sonora é espetacular, uma das melhores que o console tem a oferecer.

Então é bastante seguro dizer que os valores de produção desse jogo são estelares.


A história do jogo, pouco surpreendentemente, não é complexa. O deus maligno das trevas odiosas e da pisada em Lego havia sido banido mas voltou só pq ele é desses. Agora seus cultistas favoritos querem pegar o meteoro em que ele caiu e desperta-lo só de zoas. Alisia Dragoon, filha do mago que salvou o mundo da primeira visita de Baldour mas foi morto por seus capangas logo depois, decidiu que ela tá cá muléstia e não ia permitir uma putaria dessas no seu turno.

Isso significa uma jornada até o castelo do vilão ao bom estilo jogo de plataforma, mas Alisia Dragoon também tem sua boa dose de ideias únicas nesse quesito. Enquanto esse é um jogo de plataforma, ele não funciona exatamente da mesma forma que os demais.

Alisia tem um único tipo de ataque: um raio magico teleguiado. Isso quer dizer que vocÊ não mira nos inimigos, ao apertar o botão ela caga raio em quem estiver mais perto dela automaticamente.


Isso não é tão fácil quanto soa, porque Alissão da Massa tem uma barra de mana que esgota rapidamente - ao contrário dos inimigos, que nunca esgotam. Então o maior desafio do jogo não é acertar os inimigos - isso ela faz automaticamente - e sim gerenciar sua mana para nunca ficar sem ataque quando uma nova onda de inimigos vier na sua direção.

Apenas isso já faria desse um jogo de plataforma muito diferente, bem mais estratégico, mas não para por aí: Alisia também tem quatro familiares a escolher, que ficam zanzando ao redor dela e usando seus poderes para atacar os inimigos ou defende-la. Os familiares funcionam exatamente como os familiares em Symphony of the Night - na verdade, eu não tenho muita duvida que o clássico de PS1 se inspirou profundamente nesse jogo.


O dragão cospe bolas de fogo em linha reta, o Bola de Fogo o calor tá de matar fica girando ao redor de Alisia e absorvendo projeteis e causando dano, o Abutre Trovão emite um flash que causa dano em todos inimigos da tela de tempos em tempos e o Bumerange Lizard é uma iguana voadora que dispara bumerangues para acertar inimigos acima e abaixo.

Cada um dos familiares, com seus ataques diferentes, funciona melhor em um tipo de layout de fase - o que adiciona outro nível interessante de estratégia ao jogo. Mais interessante ainda é que os familiares tem suas próprias barras de vida, então você precisa alternar entre eles para impedir que eles morram - porque depois de morto só achando um item para revive-los, o que é bem raro.

Ao encontrar pela primeira vez o homem que matou seu pai, Alisia não grita, chora, nem jura vingança. Ela mete é um raiozão na fuça dele antes de sequer dizer bom dia. Way to go, gurl!

Se você é parecido comigo, você vai jogar 'Alisia Dragoon' continuamente procurando maneiras de não ir na direção que você deveria ir. Explorar o cenário gera recompensas, então a melhor abordagem é tentar encontrar caminhos escondidos para continuar aumentando o nível da magia de Alisia e seus familiares através de itensdragões. Sem um personagem de nível alto o suficiente, você simplesmente não terá tempo suficiente para recarregar sua magia, impossibilitando a conclusão do jogo. 

Então, vamos recaptiular o que temos até aqui: Alisia Dragoon é um jogo com valores de produção excelentes, tem uma direção de arte por profissionais do mais alto gabarito, criado por uma empresa capaz de criar jogos muito cativantes. Adicionalmente, tem ideias originais para um jogo de plataforma e um level design tão criativo quanto.

Essa fase se passa dentro de uma nave emborcada, e o jogo faz um uso muito inteligente do angulo inclinado da nave para contruir um layout de plataformas único.

 Isto posto, podemos então voltar a pergunta do inicio do post: seria Alisia Dragoon, um fracasso comercial em sua época, uma perola mal entendida por seus contemporaneos? Ora, a resposta me parece tremendamente clara a este ponto:

NÃO!!!

 Alisia Dragoon merece o poço de esquecimento no qual foi enfiado por um motivo e um motivo apenas: o jogo é horrível de se jogar. Todas suas inconstestáveis qualidades técnicas são impressionantes, mas pouco valor tem quando não existe diversão nenhuma em conduzir sua novinha relampeadora por aí.

A principal causa disso, suponho que você possa imaginar, é a dificuldade do jogo. Alisia Dragoon é um jogo muito dificil, e sofre do pior tipo de dificuldade que existe: a que você não pode fazer muito a respeito. Alisia se move bem lentamente e você não tem como desviar de metade dos ataques que o jogo arremessa em você. Do mesmo modo, sua magia não dura o suficiente para dar conta das ondas e ondas e ondas de inimigos que o jogo arremessa em você.

A única forma de progredir nesse jogo é de uma forma tão lenta e burocrática que isso mata qualquer diversão que suas qualidades tecnicas poderiam vir a trazer. Basicamente sua ÚNICA chance de progredir é dar dois passos e esperar sua mana recarregar, para então dar outros dois passos, ser assaltado por  uma horda de vermifugos desmazelados, ficar sem mana, esperar recarregar, dar mais dois passos... e assim a coisa vai durante toda extensão do jogo!

Ah, mas vão nadar em Mertiolate gelado!

Progredir nesse jogo é tão divertido quanto abrir uma empresa contra a burocracia brasileira, e nem um pouco mais rápido do que isso também. Aí, meu amigo, não tem gráfico, som ou florzinha giratória que façam milagre pelo jogo!

 Algumas obras são terrívelmente injustiçadas por seus contemporaneos em seu lançamento, de fato sendo perolas perdidas no tempo. No entanto, para quase a totalidade delas, cabe sempre considerar que por algum motivo elas passaram batidas!


MATÉRIA NA EDIÇÃO 019