quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

[AÇÃO GAMES 014] KID CHAMELEON (Mega Drive, 1992) [#181]



Começarei a história de hoje contando uma história para vocês: a sonda Mars Climate Orbiter era uma sonda da NASA criada para monitorar o clima em Marte, e levantar a maior quantidade possível de informações sobre o clima no passado do planeta vermelho. Um projeto espetacular de 125 milhões de dólares, uma viagem de 55 milhões de quilômetros (e você reclamando de ir até a padaria), uma lindeza. O ápice da tecnologia humana em seu melhor.

Em 23 de setembro de 1999 a sonda se desintegrou na atmosfera de Marte. O motivo? Um erro de unidade de medidas. Os Estados Unidos não usam o sistema métrico e isso passou batido em algumas partes da sonda na construção da mesma, o que acabou levando o computador da sonda usar unidades de medida imperiais (jardas, libras, pés, etc) para números que deveriam ser no sistema métrico.



Um pequeno descuido de última hora arruinou um projeto que seria magnifico de qualquer outra forma. Essa é curiosa história da exploração espacial, mas também é a história de Kid Chameleon.



Ok, em primeiro lugar eu realmente preciso tirar isso do meu sistema, está bem? Vamos lá: Karma karma karma karma karmeleon, you come and go, you come and goooooo! Ah, bem melhor agora. Bem, agora que podemos deixar o hit do Boy Jorge (melhor nome de músico ever), poderei me concentrar em contar a história desse jogo:


Tem uma nova máquina no fliperama da cidade, um jogo de realidade virtual chamado "Wild Side". Você sabe, nada melhor para atrair crianças do que uma sala onde qualquer sonho pode parecer realidade, deu super certo em Westworld, vai dar super certo aqui!


Apesar de não contar com nenhum tipo de pornografia holográfica, nosso querido centro de entretenimento foi um sucesso monstruoso para com os habitantes da localidade. Desnecessário dizer que é obvio que isso vai dar merda, né?


Cidade das pessoas surpreendidas, população: zero.

Agora, tem algo que me incomoda a respeito da história desse jogo. O jogo diz que varias crianças foram capturadas pelo Wild Side, mas a animação mostra claramente a porta fechando depois de uma única criança entrar na cabine. Isso não faz sentido!

Eu entenderia se tivesse tipo umas 150 crianças dentro da sala (ao que já poderia ser chamado de classe de ensino publico brasileiro) e o jogo abocanhasse todas elas de uma vez. Mas não, um lazarento entrou e não saiu mais. Aí o próximo entrou e não saiu mais. De quantas crianças desaparecidas precisa, exatamente, para alguém perceber que tinha alguma coisa errada com essa máquina?

Mas é claro, essa é a história de um jogo de Mega Drive de 1992 que provavelmente nem os criadores leram, quanto mais o publico. E eu aqui tentando achar coerência nisso. De alguma forma, sinto que eu é que sou o errado aqui...

De qualquer modo, nada temam meus fenecidos amigos, pois existe alguém que é apenas badass demais para ser derrotado por um videogame:


 
Uau, apenas uau. Basicamente, Kid Chameleon é Sword Art Online se o protagonista fosse o Lucas do Gênio do videogame. Não acho que a raça humana seja fisicamente capaz de criar um conceito melhor do que esse, honestamente.


Isto posto, o que é o jogo do menino camaleão, exatamente?

Bem, como você pode supor com uma certa margem de segurança, é um jogo de plataforma. E, ainda dentro da sua margem de segurança, é um jogo de plataforma com um gimmick único. Os anos 90 foram loucos, mas não tão imprevisíveis assim.

O gimmick desse jogo, no caso, é que o menino camaleão é capaz de pegar itens de power up na forma de máscaras, cada uma concedendo uma habilidade nova ao personagem. Não tão diferente do que foi feito em Mario 3, porém aqui tendo isso como foco do jogo e por isso as fases foram desenhadas de acordo. Já chego nessa parte, eu quero falar dos poderes primeiro:


O menino tem duas energias antes de morrer. Ao pegar uma máscara, a mascara tem sua propria barra de vida. Ao acabar a barra de vida da mascara, você volta a ser o Kid e só morre se acabar sua energia como ele.

Pronto, a Kid Chameleon Wiki já fez isso por mim. Desde que você fique longe de redes sociais, a internet é incrível. Resumidamente, Kid Chameleon é o mais perto que teremos de um jogo do Ben10 feito nos anos 90. Espera, o Ben10 não é dos anos 90, né? Hmm, não, ele é de 2005 - a internet salva o dia mais uma vez.

Em primeiro lugar, a quantidade de poderes diferentes que esse menino tem é bastante impressionante. A maioria dos jogos de plataforma se contentaria em pegar um deles ou talvez dois e construir um jogo em cima disso, KC abraça os 9 em seu level design - e isso não é pouca coisa. A grande maioria das fases tem dois ou até três caminhos diferentes dependendo da máscara que você estiver usando.



Se você estiver com o Iron Knight, você pode escalar paredes e os criadores do jogo levaram isso em consideração. Se você estiver com o Micromax, pode passar por buracos minúsculos e isso está na conta também. Ou digamos que agora você é o Berzeker e paredes não são mais uma questão na sua vida? No problemo, amigo! Agora, você é um cara normal sem nada de especial? Trate de achar uma máscara e vá ser alguém na vida, o mundo não liga para quem você realmente é! Espera, quando Kid Chameleon se tornou uma critica social sobre a depressão?

Enfim, é realmente impressionante a quantidade de pensamento que a Sega colocou nos mapas das fases desse jogo, ainda mais se considerarmos o segundo ponto importante aqui: o jogo tem 103 fases! De certa forma, esse jogo é a resposta da Sega para Super Mario World (que tem 96 fases), porque é meio o que Sega fazia: lançar uma versão mais badass de tudo que a Nintendo fazia.

Esse número por si só é impressionante, mas fica melhor ainda em como o jogo usa ele: você não joga todas as 103 fases em uma sentada só, não. Lembra quando eu disse que o jogo tem diferentes caminhos em cada fase dependendo da máscara que você está usando? Bem, esses caminhos as vezes levam a fases diferentes.


É um trabalho realmente impressionante. Claro que em 1992 as crianças não tinham essa arvore de fases para consultar, tudo que elas sabiam era que o jogo tinha fases diferentes cada vez que você jogava.

Então, enquanto o planejamento de Kid Chameleon merece nota 10, a execução... não vai tão bem assim.

Eu certamente não sou contra dificuldade, duração ou complexidade em jogos, nem mesmo plataformas. No entanto, sou contra um jogo ser dificil pelos motivos errados e KC é repleto deles. Um jogador não conseguir avançar porque o protagonista não está se comportando da maneira que ele pretende, por exemplo. Kid Chameleon é um dos jogos mais escorregadios que eu já joguei. Há tão pouca tração no protagonista que cada fase parece um nível de gelo. Isso, é claro, até você você realmente jogar as fases de gelo!


Para um jogo que exige precisão pixelar perfeita em seus saltos, o personagem parecer que esta fazendo teste para Yuri on Ice só serve para deixar o jogo frustrante e irritante. Você pode imaginar que falhas como essa seriam resolvidas nos testes de jogo, mas "a equipe de teste" não conseguiu sequer ver que ativar os ataques especiais usando o A+Start poderia ser potencialmente problemático. Eu nunca pausei acidentalmente um jogo tanto na minha vida. 

Os gráficos não são ruins, mas também não são nada que o Master System não seria capaz de fazer (sério, cheque Asterix do Master System) a exceção dos chefes que são grandes e realmente parecem 16 bits.


A trilha sonora, igualmente, não é ruim, mas também não é nada digna de nota. Alias, corrijo: ela é digna de nota por serem loops de 6 segundos tocando ad infinitum a cada fase. Não é tão ruim quanto a descrição soa, mas também não é bom.

Kid Chameleon é um jogo com excelentes boas ideias em uma execução não tão excelente, e totalmente mereceria um lugar digno entre os jogos de plataforma dos anos 90. Se você está jogando esse jogo em um emulador, com savestate ainda por cima, esse paragrafo termina aqui. Todos felizes fim da história. Porém se você jogou ou joga diretamente no Mega Drive, como o jogo foi originalmente planejado... essa conto não tem um final feliz.

Lembra da história da Mars Climate Orbite, que eu contei lá no começo? Lembra de como um pequeno problema arruinou um projeto totalmente sólido? Pois é, o mesmo aconteceu com Kid Chamaleon.

Originalmente, a equipe de desenvolvimento da Sega queria colocar uma bateria no cartucho para salvar o jogo. É um jogo de 103 fases, dificil como o cão mascando mandolate molhado, nada mais justo, certo?

Bem, não. A logística da Sega vetou completamente essa ideia porque baterias de save iriam encarecer a produção dos cartuchos e títulos não consagrados não podiam se dar ao luxo de serem caros. O problema é que a equipe de desenvolvimento deixou para descobrir isso só na última hora, e não dava mais para colocar pelo menos um sistema de passwords no jogo. O resultado é que, embora INDIVIDUALMENTE existem fases mais dificeis que as desse jogo, no conjunto da obra não existe arrego, fazendo você ter que terminar o jogo inteiro em uma única sentada. Desnecessário dizer que, por conta disso, poucas pessoas viram além da primeira fase de parede de espinhos moveis.

Quando o jogo chama a muralha de espinhos de "murder wall", você sabe que eles não estão para brincadeira!

Esse descuido de desenvolvimento transformou Kid Chamaleon no jogo mais dificil do Mega Drive ("o inzeravel Kid Chameleon", como o Velberan o chamou) e enquanto isso é uma curiosidade interessante nos dias de hoje, atenuada pelo uso de emuladores, na época criar um exercicio de frustração e dor para seus jogadores foi uma traulitada na reputação do jogo, afundando suas vendas.

Nunca houve um Kid Chameleon 2, basicamente por culpa de um erro de logistica.




MATÉRIA NA EDIÇÃO 020