quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

[AÇÃO GAMES 014] LEMMINGS (SNES, 1992) [#185]


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Folclore é uma coisa muito doida, quando você pensa sobre isso. Normalmente ele surge quando as pessoas precisam de uma explicação simples para algum evento sobre a natureza e passa a ficar cada vez mais e mais elaborado com o passar do tempo. Por exemplo: antigamente, as pessoas mais simples não sabiam porque os cadáveres ficavam inchados após a morte, então obviamente a resposta era que eles saiam por aí tocando o terror e bebendo o sangue dos vivos - já que não raramente esses cadáveres inchados rasgavam e era sangue podre pra caralho. Foi assim que nasceu o mito dos ghouls, que posteriormente foi refinado no imagino popular até se tornar o que nós entendemos como vampiros hoje em dia.

A explicação real é que os gases produzidos pelas bactérias que fazem a decomposição fazem isso.


As vezes, é claro, esses folclores nascem por parte de uma necessidade bastante especifica - como quando uma mocinha no norte do Brasil engravida de um vagabundo aleatório qualquer e precisa de uma "versão oficial moça decente" para poder seguir com a sua vida, então surge a desculpa que foi o boto safadão que usou seus poderes mágicos de pokemon. Ela finge que é verdade, a gente finge que acredite e bola ao centro, vida que segue e tudo certo.

Meus favoritos, é claro, são os que se tornam tão mirabolosamente complexos que você não consegue entender como alguém pode levar isso a sério em primeiro lugar. Como a que diz que não apenas houve um terremoto na Oriente Médio, como depois desse terremoto cadáveres levantaram de suas tumbas e marcharam cidade adentro... um feito tão espetacularmente único que ninguém deixou um único registro histórico desse fato extraordinário, de tão impressionados que estavam. Aham, certo.

As vezes as coisas apenas saem de controle na hora de recontar uma história, acontece bastante.

Um dos mais mirabolantes são sobre os lêmingues, pequenos roedores não muito espertos (diferente dos ratos) que costumam aparecer em hordas do nada em algumas regiões da tundra europeia e norte do continente americano, e as vezes desapareciam tão rápido quanto surgiam. A explicação para essas criaturas, é claro, que eles caíam dos céus durante a estação das chuvas e morriam quando a grama voltava a crescer na primavera. Bem, isso realmente explica tudo, não? 

Esse mito foi refutado pelo especialista em história natural Olaus Wormius, que aceitava que os animais caíssem do céu, mas teriam que ter sido trazidos pelo vento, nunca gerados com geração espontânea. Porque, né? Vamos botar ordem aqui!

A verdade é que os lêmingues são roedores que se reproduzem tão freneticamente que a sua população se torna insustentável porque eles acabam com todos os recursos da região onde estão. Então eles saem em desespero migrando em bandos para outras regiões e, como não são animais muito espertos, eventualmente acabam caindo de penhascos ou se afogando no meio do vamo-que-vamo.

Isso levou ao mito que lêmingues cometiam suicídio em massa, embora nunca tenha sido registrado um único lêmingue ouvindo My Chemical Romance. O folclore do suicídio dos lêmingues ganhou ares de ciência em 1958, quando a Disney levou o Oscar de melhor documentário pelo filme "White Wilderness" que registrava esse curioso evento do folclore popular.


Apenas muitos anos mais tarde é que veio a tona que essa cena foi armada e a massa lemingueira foi jogada de um penhasco pela equipe do seu Didney. É óbvio que bobagens como algo ser verdade ou não tem zero influencia no imaginário popular, e até hoje esse mito é bastante forte.

Então porque não fazer um videogame sobre ele, né não? Espera, o que?

Agora, sabe o que é realmente doido nessa história toda? Os videogames nunca conseguiram realmente acertar em fazer um jogo sobre um robô que viaja no tempo para matar geral. Terminator tem um dos conceitos mais videogamisticos possíveis e os seus jogos são uma bosta. MAS eles conseguiram acertar com um documentário falso sobre lêmingues suicidas e fazer um baixa jogo. Doido isso, não?




Em Lemmings você joga com... bem, o jogo nunca toca nesse assunto realmente. Nem nos é dito por que os lêmingues estão sendo despejados de um pasto verde e têm que atravessar um purgatório terrível para chegar ao próximo. Nós nunca vemos os mundos originais ou de destino dos lêmingues. Ao invés de bolar uma história furada sobre você ser o deus invisível dos lêmingues ou alguma besteira assim, ele apenas assume que isso é um jogo e você é o jogador. Embora menos divertido para propósitos de review, eu totalmente posso respeitar isso.

The heaven is a lie
Enfim, seu objetivo aqui é, tal qual politicos brasileiros, proteger a população de lemingues de sua própria estupidez e impedir que eles apenas sigam em linha reta até a morte certa e dolorosa ou ficar vagando até morrerem de fome no mesmo lugar. Só que ao invés de aprovar leis dizendo o que as pessoas podem ou não comer, suas ferramentas de salvar os lemingues são mais práticas: você pode imbuir os roedores de pijama com habilides especiais que salvarão dia... ou tornarão tudo muito pior.



Lemmings tem um conceito maravilhoso para um puzzle, a única coisa que a DMA Design precisava fazer era não cagar a interface do jogo e estaríamos muito felizes. Felizmente isso sequer chega a ser uma preocupação, pq se alguma coisa eles são conhecidos pela qualidade adicional que eles imprimiam no acabamento dos seus jogos.

Oh, você pode estar se perguntando como a DMA pode ser tão boa assim se você nunca ouviu falar neles? Bem, a coisa é que você já ouviu falar neles. Todo mundo já ouviu falar deles, até sua mãe já ouviu falar deles, na verdade. Acontece que hoje eles são conhecidos por outro nome e outro logotipo:

Sim, Lemmings foi criado pela Rockstar North. Então se algum dia você já passou horas e horas jogando GTA, Red Dead Redemption ou Bully, saiba que isso se deve graças aos nossos adoraveis roedores suicidas. De fato, foi o dinheiro de Lemmings e todas suas sequencias e ports que manteve a Rockstar viva até o seu primeiro Grand Thief Auto em 1997. Domo arigato, mister lemingo!


Os pequenos cabeludinhos azuis são adoráveis, seus sprites de animação são otimizados para exponenciar a fofura que só pode ser encontrada em um sujeito caminhando para uma adorável morte certa. Eles pensaram até mesmo nos pequenos detalhes, como o builder ter uma sacolinha vermelha nas costas de onde ele tira os tijolinhos dele - isso é importante não só porque é bonitinho, mas identificá-lo entre um oceano de outros lêmingues as vezes é questão de vida ou morte) e a trilha sonora desse jogo, ah, a trilha sonora desse jogo... sério, todo e qualquer sujeito que se propõe a compor a parte sonora de qualquer puzzle game na vida deveria ser obrigado a jogar Lemmings primeiro.



Não apenas os efeitos sonoros são muito gostosos (desde o som dos tijolinhos sendo colocados pelo builder até o gracioso "oh no!" quando você comanda um lemingue para a autodestruição), mas a escolha das músicas não apenas é excelente como não custou um único centavo a Sunsoft já que o jogo usa em sua maioria músicas clássicas de domínio publico.

Onde mais você pode jogar um jogo com versões em 16 bits (do que nós conhecemos como) "O meu chapéu tem três pontas" ("How Much Is that Doggie in the Window" no original), a Sonata para Piano No 2 de Choppin (mais conhecida como a marcha funebre) ou a "Dança das Flautas de Bambu"
(que é um dos trechos mais icônicos do Quebra-Nozes de Tchaikovsky)


É uma solução completamente barata? Sim, é. Tem resultados excelentes para o conceito proposto? Geniais.

Ao contrário de muitos jogos que compartilham o gênero do quebra-cabeça, você não está confinado a uma tela que quase nunca muda. Em vez disso, você manipula seus intrépidos nômades através de incontáveis mundos complicados, muitos dos quais você vai começar a fase xingando que são impossíveis. Lemmings faz um bom trabalho em alcançar o chamado "ponto ideal" da dificuldade para um jogo, onde não são nem muito difíceis nem muito fáceis. Os primeiros 9 níveis ou mais são basicamente um tutorial para você aprender os poderes dos lêmingues na prática. Mas então, quase imperceptivelmente, as coisas mudam. O fato de o aumento de dificuldade ser tão 
sutil é uma prova do excelente design do jogo, mas está definitivamente presente. 

É um puzzle tão único (e tão bem executado) que ele inspirou os caras da Blizzard a pensarem em um novo estilo de jogo - e basicamente foi assim que o RTS nasceu com o primeiro Warcraft.  Sim, Warcraft nasceu basicamente como um Lemmings de visão aérea. E porque não seria a inspiração ideal? Lemmings é o que todo puzzle deve almejar ser: simples de explicar em seu conceito, com ferramentas o suficiente para explorar uma variedade quase infinita de possibilidades sem se tornar excludente por conta disso.  

Uma joia.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES





EXPANSÃO "OH NO! MORE LEMMINGS"
EDIÇÃO 018


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ANTIGA GAMERS 002