domingo, 30 de dezembro de 2018

[AÇÃO GAMES 014] ULTIMATE STUNTMAN (NES, 1992) [#177]



A este ponto, acredito que já está bastante claro o modelo draconiano de negócios que a Nintendo mantinha na época do Nintendinho. Resumidamente eles limitavam o numero de jogos que as empresas podiam lançar, ficavam com uma parte do lucro porque a midia (os cartuchos) eram propriedade delas, tinham o direito de se meter como quisessem na produção dos jogos (censurando coisas que eles julgavam não family friendly) e obrigavam a empresa a assinar um acordo de exclusividade.

As empresas produtoras de jogos tinham que aceitar, obviamente, porque a outra opção era o que? Lançar jogos para o Master System? Por favor, né? Por isso quando uma terceira opção viavel e com mais dinheiro do que a Nintendo jamais poderia sonhar entrou no jogo (estou falando de uma gigante como a Sony) as produtoras de jogos abandonaram a Nintendo mais rápido do que eleitor do Bolsonaro correndo pra ver uma mulher apanhando.

Enfim, essa história todo mundo sabe. O que eu nunca tinha pensado, entretanto, é no quanto essas medidas "malignas" eram importantes e até mesmo muito benéficas ao consumidor. O jogo de hoje me fez pensar isso.

Na época do Nintendinho existiam, é claro, jogos "não licenciados". Ou seja, jogos produzidos por empresas que rodavam no NES não apenas sem o selo de aprovação da Nintendo ou sem um cartucho feito por ela, mas que efetivamente usavam gambiarras em seu chip para fazer o NES lê-los. Eventualmente a Nintendo colocava essas empresas na justiça, mas isso nunca impediu muita gente de tentar.

Dentre estas, a mais notória era a Codemasters (criadora do Game Genie e do jogo de corrida Micro Machines), cuja missão de vida era dizer "fuck the system" para a Big N e lançar seus jogos assim mesmo. Como Ultimate Stuntmen, por exemplo. A grande coisa de Ultimate Stuntmen é que ele realmente me fez perceber que o "sistema" existe por um motivo.

Um dos motivos que levou ao grande crash dos videogames de 83 foi a total falta de controle da Atari sobre os jogos que eram lançados para o seu videogame. Era tanto lixo lançado, e não havia a menor forma de filtro (nem a internet, nem mesmo revistas de jogos) para ajudar as pessoas a separarem as perolas dos porcos senão o boca a boca.

Uma excelente analise do crash de 83 pode ser encontrada no blog do Shamus Young

Se ao comprar um jogo você tinha 88% de chance de levar merda para casa, ora, isso levou as pessoas a inevitavelmente a dizerem "ah, foda-se esta merda" e desistirem dos videogames. Quando a Nintendo revitalizou a indústria em 85, sua primeira preocupação era que isso não acontecesse novamente. Esse é o real motivo da Nintendo ser tão protetiva com o que entrava no seu console, os videogames já estavam respirando por aparelhos e se eles fizessem merda seria o fim PARA SEMPRE. 

Um bom exemplo do que aconteceria se a Nintendo liberasse as louca desse jeito é Ultimate Stuntman que é muito mais do que um jogo ruim: é deliberadamente um golpe contra a carteira do jogador. Vamos ver como isso funciona.


Em primeiro lugar é necessário começar analisando a magnifica capa desse jogo. Uma obra de art noveau pós modernista, se quiser colocar assim. Felizmente essa questão já foi habilmente analisada:


Isto posto, essa fenomenal ronaldonica capa analisada, vamos ver o que está rolando aqui...


O jogo começa com o nosso amigo protagonista, o DUBLE DEFINITIVO... que não é o cara na capa do jogo, suponho que o jogo deveria ser com o Brock Lesnar mas ele não apareceu para ir trabalhar e agora a coisa ficou para o duble.


Deu no New York Blurb que ela foi sequestrada! Oh não, com mil paquitas molhadas! Eu não faço ideia de quem "ela" seja, mas meio que me sinto mal por não saber. Se o New York Blurb achou que não precisava explicar quem ela é e todo mundo deveria saber só de  olhar, quem sou eu para discordar?

Independente disso, "ela" foi sequestrada e só há uma coisa que qualquer um deve fazer em uma situação dessas!



Pegar o telefone e chamar o DUBLE DEFINITIVO! 

... err, eu não acho que eu esteja seguindo sua linha de raciocinio, amigo. Eu entendo que essa é uma boa pedida se você quiser fazer um filme sobre o sequestro, mas eu não acho que um dublê seja o que você precisa para resolver esse sequestro.

Por outro lado, ele atende o telefone acendendo um charuto como quem está apenas recebendo mais uma missão entre tantas, meio tedioso até. Sabe o que seria legal? Se ele fosse só um dublê e o Danny De Vito aí fizesse ele pensar que é só um filme. Hm, isso é meio que a trama de Bolt, o Supercão não é?

Alias como esse é um jogo não licenciado, é uma das raras oportunidades de ver alguém fumando um charutão em um jogo do Nintendinho.

Bom, de qualquer jeito pontos para a Codemasters pela mocinha sequestrada ser uma cientista e não apenas a namorada de alguém. Way to go, gurl!


Na primeira fase você controla um carrinho que dispara... triangulos duplos, eu acho? De qualquer maneira, o jogo parece bastante com Spy Hunter, um pouco melhorado até. Definitivamente não é ruim.

Mas ué, eu não disse que esse jogo era uma afronta de dor e cheetos quentes? Bem, sim. Paciência, pequeno gafanhoto, paciência...


Na segunda fase ele se torna um joguinho de tiro de plataforma MUITO parecido com Contra, só que sem a qualidade e o polimento deste. Tirando que é mais dificil que pegar alguém na balada usando apenas trocadilhos, para um jogo não licenciado até que está bom.

E calma, calma que logo você vai entender o meu ponto...


Terceira fase, terceiro gameplay diferente. Agora nosso DUBLE DEFINITIVO encarna o homem aranha e você tem que fazê-lo escalar o prédio enquanto com aquela mirinha você deve protegê-lo dos projeteis malignos. Sim, você tem que controlar o cara E a mira e isso é tão simples de fazer usando o controle de NES quando a proposta soa.


Uma pausa para atirar em um chefe mais interessado em pular por cima de você do que te atacar...


... e desarmar uma bomba, porque nenhuma aventura está longe demais para nosso DUBLE DEFINITIVO! Verdade seja dita, esse joguinho totamente podia ter vindo junto com o Windows...

Nas próximas duas fases, o DUBLE DEFINITIVO (sim, ele realmente não tem nome) pega uma asa delta e faz coisas DEFINITIVAS e DUBLESCAS com ela! Ou seja, o jogo vira um jogo de tiro de navinha, seja com scroll vertical...


 ... ou com a tela correndo horizontalmente. Sim, isso ainda é uma asa delta.


Ok, até esse ponto você deve estar achando que eu sou o gamer mais babaca ever. Esse jogo tem seis estilos de gameplay diferentes, como eu possivelmente poderia dizer que esse jogo é uma tapeação gamer e que o sistema de monopolio da Nintendo nasceu para nos proteger justamente desse tipo de jogo? Pode não ser brilhante em nenhuma das coisas que faz, mas hey, é um jogo 6 em 1, certo?

É, bem, certo. Quanto a isso...

Você termina a fase acima da asa delta com aproximadamente 10 minutos de jogo. E o que vem após isso? As mesmas coisas. Não, você acha que entendeu mas não me entendeu: após dez minutos de jogo... ELE APENAS COMEÇA A SE REPETIR COM AS FASES EM UMA PALETA DE CORES DIFERENTE!

É o mesmo jogo em um loop de insanidade com uma dificuldade que só torna possível que você avance usando um Game Genie (que era vendido pela Camerica, a distribuidora desse jogo... muito conveniente).

Você acha que eu estou brincando, mas olhe isso:


Essa é a fase 3-3...


... essa é a fase 5-3...


... e essa é a fase 7-3. E assim funciona para todos os modos de jogo. Se você percebeu aqui, o jogo repete as fases em ciclos porque realmente é o MESMO jogo repetido cinco vezes!

O que a Codemasters pensou: se alguma criança fosse testar esse jogo nas lojas, jogaria no máximo os dez primeiros minutos e olhe lá, então eles colocam a maior variedade de gameplay com os melhores gráficos que podiam fazer nesse espaço de tempo.

Passado isso, o trouxinha já comprou o jogo mesmo e pau no seu cu malando, são 60 dolares que você jamais verá novamente, ratão! Tomate cru é vitamina!

E é exatamente DESSE tipo de prática idiota que matou a confiança das pessoas em videogames com o Atari que a Nintendo estava tentando nos proteger. Essa política bolivariana de "vai dar um lucrinho agora mas vai ferrar a porra toda a longo prazo? FODA-SE, quero o o meu agora e LULA LIVRE!" que teria matado rapidamente a industria de jogos DE NOVO se a Nintendo não tivesse cuidado dela com mão de ferro em seu momento mais vulneravel. 

É quase ironico, mas bastante educativo, que em uma das únicas chances de ver um jogo fora do controle da Nintendo... ele seja um exemplo iconico de porque o controle da Nintendo precisava existir. Agora você sabe, e saber é metade da batalha!