sábado, 15 de outubro de 2022

[#998][Jul/94] POLICENAUTS



Em 1985 o filme Rambo 2 era o maior sucesso entre os filmes de ação e grande motivo de culto da molecada (até porque Rambo 1 não é um filme de ação, pouca gente lembra disso) e óbvio, todas as criadoras de jogos queriam o seu próprio Rambo genérico (já que licenciamento custava dinheiro e já havia sido feito) para vender seus joguinhos como se não houvesse amanhã.

O MSX (finado console-computador do qual quase nenhum de vocês já viu na vida) também queria o seu Rambo, mas tinha uma limitação técnica bastante grande: você podia colocar poucos inimigos na tela e menos ainda atirando (pq balas consomem preciosos sprites de animação) e eles não sabiam como resolver esse problema. De forma simples, o MSX era limitado demais para entregar um jogo de ação que pudesse competir com o Nintendinho, por exemplo.

 Aí entra a figura do novato Hideo Kojima e resolve essa questão de forma genial: usou a limitação do MSX como ferramenta. Não seria um jogo de ação, e sim um jogo de espionagem que você deveria evitar os inimigos - dessa forma você pode ter poucos inimigos na tela e manter o jogador tenso. Nasciam assim os jogos de stealth.

Mas ainda sim seria um pouco chato para a mente de um moleque (mesmo japonês) de 8 anos. Como convence-los a não ser visto por inimigos quando os outros jogos ofereciam a possibilidade de mandar chumbo de 8 bits (ou seja, um pontinho branco) neles?

Simples: com uma boa história para fisga-los. Pela primeira vez nos videogames, Kojima usou a história como ferramenta narrativa para complementar um jogo de ação. Se trinta anos depois temos experiências únicas como Bioshock ou Spec Ops: The Line, é graças a esse japonês esquisitão. O jogo do MSX, como você pode imaginar, se chamava Metal Gear e hoje é isso:



É realmente importante ressaltar o quanto Kojima é uma das mentes mais criativas e visionárias de toda indústria de games, porque Policenauts é um dos projetos pessoais dele que a Konami o deixou fazer o que ele bem entendesse.

O que poderia sair errado?



No ano de 2010 a humanidade construiu a primeira colônia espacial: Beyond Coast, com população aproximada em um milhão de habitantes. Para manter a lei e a ordem nessa colônia foi desenvolvido um programa de policiais astronautas - daí Policenauts - e o protagonista da história é um desses policianautas, Jonathan Ingram. Mas não seria um jogo do Kojima se fosse tão simples assim, não é?

Não é aqui que a história começa.

Realista, mas doloroso


Jonathan sofre um acidente enquanto policenauteava o espaço e se perde nos confins do universo. Felizmente seu traje espacial possuía um modo de emergência e Jonathan é colocado em animação suspensa onde fica congelado por 30 anos até seu corpo ser recuperado e ele trazido de volta a vida. O ano agora é 2040 e Beyond Coast já está completa e funcionando a mais de trinta anos, agora sim nossa história pode começar.

A história começa da forma mais noir possível: chovendo e com saxofone brega. Jonathan agora é um detetive particular que faz solilóquios na janela sobre coisas de detetives noir rabugentos quando uma mulher misteriosa surge com um caso improvável! Oh! (Sentiu a noircidade da coisa?).

O desafio do dia é achar algo que esteja mais estampado
"anos 90" do que o traço da animação desse jogo

Mas não qualquer mulher, oh não, e sim a ex-mulher de Jonathan (30 anos mais velha que ele agora) que pede que encontre o marido dela que desapareceu em Beyond Coast. Jonathan pede um ou dois dias para pensar se aceita o caso e sua ex-mulher, por quem ele obviamente ainda possui sentimentos, vai embora... para ser assassinada brutalmente diante de seus olhos! Oh não!

Agora Jonathan não tem escolha a não ser aceitar o caso e ir a Beyond Coast vingar a morte de sua amada... e também descobrir o paradeiro do marido dela. É. Porque se tem algo que o Kojima adora mais do que cenários implausíveis e peitos, são dramalhões mexicanérrimos pra caralho.

Jonathan é o policial das antigas (literalmente, nesse caso) adepto dos bons e velhos tempos de atirar primeiro, atirar durante e atirar depois vivendo em um mundo politicamente correto em que a policia parece se importar com bobagens como "direitos dos cidadãos" ou algo assim. Junta-se a ele o seu antigo parceiro policial negro que está quase se aposentando, Ed Brown.


Se isso parece alguma coisa que você já viu na vida, sim, é exatamente o esqueleto dos filmes Máquina Mortifera: o policial de ação "maneiro" jovem porém deslocado de seu tempo e o policial negro que "está velho demais para essas merdas" que tem uma filha adolescente gostosa... enfim, é Máquina Mortífera esculpido em carrara. E não apenas em construção de personagens mas visualmente, muito visualmente:

Hideo Kojima presta muita homenagem (ou plageia descaradamente, depende da sua perspectiva) uma das séries de filmes de ação mais icônicas do cinema e se você já viu os filmes sabe exatamente o que esperar. Adicione a isso a paixão exacerbada que Kojima tem por um bom dramalhão e você já sabe muito onde essa história vai dar.


Só que ao invés de enfrentar um bandidão com imunidade diplomática que não pode ser tocado pela lei, você enfrenta uma mega corporação que é praticamente dona de Beyond Coast... e que não pode ser tocada pela lei.

Ainda assim, mesmo que Policenauts seja uma homenagem quase perfeitamente bem sucedida a um grande filme, algo sobre a sua história parece ... vazia. Policenauts é apenas um filme de parceiros policiais com alguns elementos de ficção científicaÉ uma história de crime muito simples, completa com corporações malignas, departamento de polícia corruptos e tráfico de drogasE enquanto ele tem um cenário incrível, a história nunca realmente decolaprincipalmente porque a trama global pode ser facilmente adivinhada depois do primeiro capitulo (ou, novamente, se você já assistiu Máquina Mortífera).


A nação-estado de Beyond Coast é, sem sombra de dúvida, a melhor coisa do jogo. Aqui é onde Kojima é mais "ele mesmo" e faz o seu bom e velho truque de extrapolar uma situação fantástica a um cenário bastante interessante.

Em Metal Gear, por exemplo, ele pegou o conceito de "vilões muito maus tem uma arma de destruição em massa que deve ser detida" (o Metal Gear do título) para um cenário em que a economia do mundo gira secretamente em torno da indústria da guerra de uma forma bastante orgânica e crível.



Aqui o conceito explorado é "uma estação espacial servindo como nação apesar de todos os problemas que isso traz". Por exemplo, as mulheres em Beyond Coast tem as pernas mais finas do que as suas contrapartes terráqueas porque o sistema circulatório evoluiu lutando contra a gravidade, e em um ambiente com gravidade menor ou nula as regiões inferiores do corpo ficam desabastecidas já que o corpo continua jogando as coisas "para cima" com a mesma força. Talvez não seja cientificamente correto, mas para propositos da suspensão da descrença isso funciona.

E toda a moda da estação se baseia em trabalhar com isso. O que Kojima fez foi pegar todos os pequenos perks e consequências da vida no espaço e extrapolar isso a consequências a ponto de construir um cenário crível baseado nisso.



Outro exemplo: a falta de gravidade causa perda de cálcio dos ossos, que eventualmente acaba indo parar nos rins (pedras nos rins é um problema muito comum entre astronautas). Então a grande demanda por transplantes de órgãos é um problema premente em Beyond Coast porque haja rim para esse povo todo. Adicione a isso que a cidade é controlada por uma corporação inescrupulosa e temos que tráfico de órgãos é um dos tema centrais do jogo. Entendeu como a cabeça do Kojima funciona?

Policenauts tem bons personagens já que é praticamente uma cópia carbono de um filme cuja química entre os personagens funciona maravilhosamente bem e um cenário muito interessante, o que na teoria deveria funcionar as mil maravilhas. Na prática, a teoria é outra.

Policenauts é uma visual novel... cansativa.


O jogo tem uma estrutura estranha: ele parece um adventure point and click mas é uma visual novel. O que significa que você controla um cursor na tela mas não é para colecionar itens, mover o personagem e resolver puzzles, não. É apenas para clicar nas coisas e abrir novas opções de dialogo.

Enquanto isso deveria ser incrível, tem entradas sobre quase qualquer coisinha de Beyond Coast que você quiser clicar, isso acaba sendo mais cansativo do que incrível. Claro, saber como a linha de trens comutadores funciona em uma estação espacial é legal, mas na milésima vez que você tem que ler o verbete da wikipedia sobre as implicações de usar um liquidificador no espaço fica bem cansativo.



O problema acontece que para o jogo progredir você tem que exaurir todas as opções de dialogo de uma cena, tanto falando com os personagens como clicando no cenário, só que você nunca sabe o que está faltando.

Então enquanto seja fantástico que haja tanta profundidade no cenário da história, depois de você clicar de novo e de novo logo se torna muito cansativo. É pior ainda porque os pontos chaves que devem ser clicados nem sempre são visíveis ou aparentes.

Porra Meryl, que que tu tá fazendo no espaço mulher!

Mas mesmo que você não esteja preso clicando em peitos e coxas pela milésima vez (porque o Kojima é um onanista safado e claro que cada mínima parte do corpo das mulheres que aparecem tem uma entrada de texto diferente), e supondo que você flua como o vento através da clicagem (ou que use um walkthrough), a narrativa do jogo é terrivelmente longa e arrastada.

Como é clássico do estilo japonês, a narrativa é redundante e verborrágica, uma péssima combinação. Sério, demora tanto para chegar em algum ponto que em muitos momentos eu achei que estava lendo um tutorial no youtube sobre como fazer qualquer coisa.


Verdade que faltou a introdução de 10 minutos com o logo do canal idiota do cara
ao som de algum dubstep ruim


Não, eu não tenho problema com visual novels ou com ler, o que eu tenho problema é que escrevendo o Kojima tem o ciclo de atenção de uma criança de 8 anos que tomou quatro litros de Coca-Cola.

Então no meio do que deveria ser uma cena tensa o telefone toca... e você passa os próximos quinze minutos lendo sobre o que são telefones antes de poder voltar ao ponto de tensão narrativa da história. Aí não tem cenário que dê jeito.

De vez em quando tem umas sequencias de tiro, que são
absolutamente pavorosas de jogar com joystick do PS1.

Tudo é de uma burocracia tão grande para se chegar a qualquer ponto que qualquer desdobramento dramático da história vem acompanhada de um suspiro pesado e revirar de olhos. O resultado final é que temos um roteiro de um filme de duas horas esticado até mais de dez horas de duração e a sensação que você tem é exatamente essa: esticada.

A muitas pessoas pode ter ocorrido que existe um motivo para Máquina Mortifera ter 110 minutos, não 10 horas. Hideo Kojima não é uma dessas pessoas.

Still, even if it can be exhausting at times, Policenauts has an amazingly well realized world. Space, as it turns out, is pretty inhospitable for humans, creating a whole scheme of new diseases that must be dealt with - hence Tokugawa's rise to power. The best thing about it is the way it examines how humanity can survive in space - not only on a medical level, but a cultural level too. People born and bred on Beyond Coast are taught to act differently than their terrestrial brethren, and how it plays out in the game. For example, each group has speaks with a "Home" or "Beyond" accent - but Beyonds are told to speak in a calmer, more thorough manner, while Homes speak louder and more emotionally. There's more than a few dialogues about aspects as how the isolation of the colony has affected things like crime, drug use, and even the insurance industry. It's also pretty interesting that the colony was developed by a Japanese corporation, and there's lot of commentary towards their pros and cons of their work ethics - pretty interesting given that the characters are technically gaijin. Of course, just as Metal Gear Solid was screaming "NUKES ARE BAD" at the top of its lungs, the prevailing theme in Policenauts is "SPACE IS BAD", which is pounded into your head on several occasions.

Não tem nada na história desse jogo que justifique as dez
horas de duração, até pq o clima noir fica só na introdução.
E não tem a Rarity detetive - o que seria a única
coisa que justificaria jogar dez horas disso.

Em uma escolha de prioridades um tanto equivocada, Policenauts arrasa nos detalhes mas deixa a desejar no prato principal, e as vezes mesmo uma mente brilhante e criativa como a do Kojima falha em ver o óbvio. Como curiosidade, vários pontos desse jogo foram depois reaproveitados pelo cara em seu trabalho mais famoso: Metal Gear Solid para o Playstation 1 (Meryl foi reutilizada no jogo e a trilha sonora em boa parte aproveitada, etc).

É legal, mas nem de perto algo DEZ HORAS legal.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 013 (Abril de 1995)


Edição 034 (Janeiro de 1997)


Edição 037 (Abril de 1997)