quinta-feira, 6 de outubro de 2022

[#996][Dez/96] IRON MAN / X-O MANOWAR in HEAVY METAL


Eu vou contar aqui uma história que todo mundo acha que sabe, mas na verdade sabe só uma parte dela. Todo mundo sabe que a Marvel teve que vender os direitos dos seus principais personagens para estúdios de cinema para evitar a falência: os X-Men e o Quarteto Fantástico foram para a Fox, o Homem-Aranha para a Sony, o Motoqueiro Fantasma (que não é tão famoso, mas é um dos visuais mais cools de heróis da Marvel e por isso tem um potencial de mercado enorme) e o Hulk foram para a Universal e quanto menos for dito sobre o filme do Demolidor, melhor. A Marvel ficou apenas com o restolho que ninguém ligava a minima para fazer filme, como Homem de Ferro, Capitão América e Thor. Todo mundo sabe disso.

Outra coisa que se tem uma boa ideia é que em 1996, a Marvel tinha 600 milhões de dolares em dividas e valor de suas ações despencou de 34 dolares em 93 para 2,99 no final de 96. O que nem todo mundo sabe, entretanto, é porque isso aconteceu. Por qual causa, motivo, razão ou circunstancia a Marvel entrou em processo de falência em 27 de dezembro de 1996 e precisou sair distribuindo personagens a torto e a direito para sobreviver?



A partir do final dos anos 70, começou a surgir no mercado americano um grande negócio de especulação sobre as revistas de quadrinhos. Quando as primeiras edições de HQs do Super Homem e do Batman foram vendidas por centenas de milhares de dolares, muita gente começou a comprar HQs para guardar e vender mais tarde. Durante as próximas decadas esse mercado foi inchando e inchando, com muita gente que sequer gostava de HQ estocando revistas para pagar a faculdade dos seus filhos ou algo assim - certamente vc já viu essa expressão em algum filme.

Como havia uma aparente demanda cada vez maior de quadrinhos, mais e mais gente decidiu entrar na brincadeira. Funcionários da Marvel e da DC acharam que era a chance de ouro de pedir as contas, fundas suas próprias editoras e ficar ricões fácil já que quadrinho era uma coisa que dava muito dinheiro. Assim nasceu a Image Comics, a Dark Horse Comics, a Malibu Comics e etc. Os anos 90 foram a era de ouro dos quadrinhos e todo mundo saia vomitando super heróis cada vez mais edgy e anos 90 a torto e a direito. 


Foi a decada do Venom, do TODD MCFARLANE'S SPAWN - noventisticamente chamado de “O soldado do inferno”, do Deadpool e de uma centena de grupos de jovens com poderes cheios de atitude como Ex-Mutantes e Gen 13 (eu tive até uma HQ do Gen 13 que veio junto com uma Ação Games). Para não ficar atrás nessa corrida do ouro, a Marvel decidiu se tornar a Disney desse segmento (oh, a ironia) e saiu comprando todo mundo a moda louca.

Assim, ela adquiriu por centenas de milhões de dolares editoras que eles viriam a descobrir mais cedo do que tarde que não geravam essa grana toda. Isso é a definição clássica de uma bolha economica: quando você bota dinheiro e bota dinheiro e bota dinheiro em uma coisa... uma hora você vai querer ver algum retorno dessa grana. Quando o negócio claramente não tem condições de remunerar toda a grana que foi investida nele, há uma corrida de debandada em desespero para vender o quanto antes e recuperar algum dinheiro. E quando todo mundo vende ao mesmo tempo, os preços despencam.


Aconteceu isso no começo dos anos 2000 com a “bolha da internet”, quando qualquer Zé botava grana preta em um site porque “esse era o futuro”, aconteceu nessa decada no setor imobiliario brasileiro quando o PT liberou financiamento imobiliario para basicamente qualquer um - e se qualquer cachaceiro consegue levantar 500 mil sem esforço, os preços dos imoveis dispararam já que todo mundo podia pagar qualquer coisa mesmo. E se o preço dos imoveis subiu, muita gente correu para entrar na onda. Quando o financiamento secou (nenhum governo do mundo consegue ficar dando dinheiro de graça pra sempre), tinha muita mas muita gente mesmo com mais imovel na mão do que havia demanda para isso. Bolha estourada.

E exatamente isso aconteceu com os quadrinhos. Em algum ponto dos anos 90 foi se realizando que não tinha consumo pra tanto quadrinho quanto era feito, e era feita muita HQ. E nessa farra a Marvel tinha se endividado até o toba comprando editoras como a Malibu Comics, e agora estavam atochados com HQs como TOM MASON'S DINOSAURS FOR HIRE sem ter uma demanda real para essa e todas as 78 linhas de HQ que estavam sendo publicadas simultaneamente.


Apenas a titulo de curiosidade, nessa época a DC já era propriedade da Warner Bros. que já era rica o suficiente para entrar nessa corrida de rato de dinheiro fácil. A DC apenas continuou fazendo o que estava fazendo e passou relativamente bem pela crise.

Pela próxima década a Marvel foi bambeando nas próprias pernas, sobrevivendo do jeito que dava e com cada vez menos personagens pra vender - ou seja, o fim estava chegando. Foi então que algo realmente fortuíto aconteceu: os filmes dos X-Men e do Homem-Aranha foram um sucesso tremendo, gerando centenas de milhões de dolores aos seus respectivos estúdios.


Era a luz no fim do túnel, filmes de superheróis eram a resposta! Se a Marvel metesse um gol de placa com o seu próprio filme, então talvez eles sobrevivessem. Foi então que a oportunidade caiu na area quicando pro gol: um bando de personagens que a Marvel vendeu os direitos voltou para a casa das ideias pq os estúdios que os compraram não chegaram a fazer nada com eles. Estou falando de personagens como Homem-Formiga, Doutor Estranho e, claro, Homem-de-Ferro.

Esses contratos de cessão de direitos de personagens prevem que a marca tem que ser usada dentro de tal tempo, senão os direitos voltam para o dono original - é por isso que ainda hoje a Sony faz esses filmes aleatórios do universo do Homem-Aranha que eles mesmos sabem que não vão dar em nada antes de fazer - e foi isso que aconteceu com esses personagens.


Beleza, então a Marvel agora tinha os direitos para fazer um filme do menos pior desses personagens (segundo o entendimento da época): Homem de Ferro. Certo. Mas... como, exatamente, a Marvel ia pagar por isso? Filmes são coisas caras de se fazer e a Marvel estar mais quebrada que arroz de quinta era meio que todo o ponto dessa conversa, afinal.

A Marvel fechou um acordo com a gigante financeira Merrill Lynch por um empréstimo de US$ 525 milhões. A garantia que a empresa ofereceu para esse empréstimo foram os direitos de dez de seus maiores personagens, incluindo Homem-Formiga, Pantera Negra, Doutor Estranho, Capitão América e os Vingadores.


Se esse filme fracassasse, se a Marvel Studios não conseguisse se provar capaz de fazer filmes lucrativos e de alta qualidade, a empresa enfrentaria a perspectiva de perder os direitos desses dez personagens preciosos. Não haveria mais produções da Marvel, acordos de licenciamento e certamente nenhum MCU – apenas um futuro que não ia lá tão bem assim como editora de quadrinhos.

Sem pressão de não poder errar, né?


E não ajudava muito que em 2008 o Homem de Ferro era o que é hoje - ou nenhum personagem de segundo escalão da Marvel, para esse proposito. Hoje é comum em um programa de debates sobre futebol alguém fazer uma referencia ao Dr. Estranho, mas em 2008 personagens como o Homem de Ferro eram conhecidos por nerds de quadrinhos. 

Com efeito, conta-se que cerca de 30 roteiristas recusaram o projeto porque achavam que o personagem era muito obscuro – sem mencionar a incerteza em torno da Marvel produzir o filme – e os testes com o público não foram muito melhores.
Uma das principais conclusões foi que as crianças que não tinham nenhum conhecimento do personagem não tinham interesse nele porque achavam que ele era apenas um robô”, contou uma vez o ex-editor-chefe da Marvel Joe Quesada em seu blog.
Então como, exatamente, você pega um personagem que ninguém particularmente se importava e faz ele salvar a empresa em  um filme que não tinha o direito de errar? Em grande parte, Robert Downey Jr.


No início dos anos 90, quando tinha apenas 27 anos, Betinho foi indicado ao Oscar de Melhor Ator por sua interpretação de Charlie Chaplin, e muitos esperavam que ele se tornasse um dos grandes nomes do cinema. O que não foi exatamente como as coisas aconteceram porque sua carreira começou a diminuir à medida que sua vida pessoal começou a descarrilar: ele foi preso várias vezes por acusações relacionadas a drogas no final dos anos 90, começando com uma prisão em Los Angeles em 1996 que o encontrou em posse de cocaína, heroína e uma pistola Magnum .357. Festa louca, heim Beto?

Esse padrão continuaria até os anos 2000, já que Downey passaria por um ciclo de abuso de substâncias, prisões subsequentes, períodos de reabilitação e recaídas – enxágue e repita. Após uma era de trevas e recaídas, entretanto, ele voltou a ser um ator regular pela metade da decada de 2000 com alguns filmes de renome entregues (como "Boa Noite e Boa sorte" ou "Zodiac")... porém o que o catapultou para o estrelado foi a visão do diretor Jon Favreau.


Quanto a Marvel estava procurando uma estrela para o projeto do qual a sua vida dependia, Favreu viu que Roberto era a escala perfeita para o Tony Stark: ambos eram homens de talento indescrítivel em sua area, porém sua vida era toda desregrada, suas relações pessoais era uma desgraça e seu problema com vicio uma sombra eternamente o rondando.

Favreau acreditava tanto no talento do Roberto, que o filme foi estruturado aos moldes do que tinha sido Piratas do Caribe: vamos pegar um filme bastante simples, mas todo redondinho, e jogar nas costas do protagonista carregar ele para ser acima da média. Iron Man, o filme de 2008, se for pensar segue bastante a escola que Johnny Depp fez com seu Jack Sparrow: o filme é okay, mas você está ali mesmo para ver o protagonista e para isso cada cena dele tem que brilhar.


E quer saber? Funciona.

Quer dizer, eu assisti essa semana o filme para escrever esse texto (não parece, mas eu levo meu trabalho aqui a sério, tá?) e cacete, como esse filme é legal. E sério, acho que não conheço ninguém que não goste dele. Hoje, em 2022, esse filme tem 14 anos de idade e eu diria que ele envelheceu muito bem. 


Tudo, desde os cenários, o CGI, as performances, tudo funciona. O filme é simplesmente ótimo. Eu realmente adoro como o filme acerta o tom de que - como o seu protagonista - o filme se leva a sério, mas não muito a sério. Ele entende o gênero de filme que é. O filme entende que é suposto ser uma aventura divertida e cheia de ação com um herói carismático que aprende uma lição e é exatamente isso que é, basicamente um Top Gun com superarmaduras. 

O que eu não lembrava, entretanto, é o quão mais pé no chão ele é comparado aos filmes de hoje em dia. Diferente dos filmes atuais do MCU que se passam no seu próprio universo, esse filme foi inteiramente pensado para se passar no nosso mundo. O que quer dizer que o nível de tecnologia e os big players atuando são muito mais próximos da nossa realidade - tanto que a agencia com qual Tony Stark treta não é a Shield, ou alguma organização tipo a Hydra, é apenas... o exercito americano. Nem uma divisão especial para superhumanos nem nada, apenas o bom e velho exercito mesmo - é quase difícil acreditar que este filme se passa no mesmo universo que os outros.

Uma história que se conta na internet é que RDJ improvisou a fala final do filme, mas isso não é exatamente verdade. O que aconteceu foi que o diretor Jon Favreu e os roteiristas sempre trabalharam diretamente com o Beto, e enquanto ele teve a ideia do filme terminar assim não é como se ele tivesse apenas improvisado no set. Ele conversou com a equipe e eles decidiram fazer a cena desse jeito desde o começo.


Emocionalmente falando, o filme funciona também: essa é uma história de redenção. O filme é sobre uma pessoa que muda de um empresário egoísta e egoísta que não se importa com ninguém além de si mesmo, para um homem que dá o primeiro passo para se tornar o salvador do universo. Claro que nessa época nós ainda não sabiamos dessa última parte, mas vc pegou a ideia.

E, suponho que eu já disse isso, mas preciso ressalr o quanto Robert Downey Jr. torna o personagem titular nada menos que icônico. Ele é carismático como o inferno e é isso que o público adorava ver dele. Sua performance tem um certo que de Doctor Who onde apesar do herói ser meio babaca as vezes, nós realmente não conseguimos conceber toda genialidade de como a mente dele opera. Ele dá vida ao personagem e este filme lança as bases para o grande universo imaginativo de personagens estranhos que ele reserva para si.

No que diz respeito aos vilões, entretanto, hoje é sabido que a Marvel não gasta grandes esforços com seus vilões e por mamis que Jeff Bridges faça o melhor que dá... seu vilão é esquecível. A maioria das pessoas esquece que ele sequer esteve no MCU e não é dificil ver o pq. Não me entenda mal, ele tem seus momentos no filme, mas no geral ele não tem muito com o que trabalhar - algo que se mantem verdade até hoje nos filmes da Marvel, sendo que o ultimo filme da Marvel lançado até agora foi Thor: Love and Thunder e eles conseguem desperdiçar um puta ator como o Christian Bale.


Mas bem, se o filme de 2008 definitivamente se sustenta como ótimo até hoje... o mesmo não pode ser dito do joguinho do Homem de Ferro de 1997, que é o que viemos falar aqui em última instancia.

A melhor coisa que pode ser dita a respeito de Iron Man / X-O Manowar in Heavy Metal... é que o nome é bastante heavy metal. Mas fora do seu nome chamativo, o jogo não tem muita coisa a favor dele. E por "não tem muita coisa" eu quero dizer praticamente nada. Mas vamos começar do começo...


X-O Manowar é um personagem até curioso: Aric da Dacia é um visigodo do século V, e que como todo bom rapaz daquela época perdeu seus pais massacrados pelo império romano. Então obviamente ele cresceu para ser um bom soldado e ter sua vingaaaaaaaaança... exceto que antes que ele conseguisse isso aliens apareceram e ele foi abduzido. Oh, bummer.

Porém na nave alienígina ele entrou em contato com essa armadura senciente de metal vivo, a X-O Manowar, e se fundiu a ela para conseguir escapar. Yay, viva!

... exceto que devido a relatividade do tempo-espaço em viagens a velocidade da luz, 1500 anos já tinham se passado quando ele voltou pra casa. Oh, bummer again. Ainda sim, esse é o nosso herói, um cara do século V com uma armadura que é um misto de Venom com o Jarvis do Homem de Ferro e... bem, e que nada disso realmente importa porque nesse jogo ele é apenas um recolor do Homem de Ferro.  Só que ao invés de ser vermelho, ele é azul. Yay, viva!


De qualquer forma, divago. O que importa para o jogo aqui é que além de serem equipados (mal equipados) com capacidades de vôo que duram apenas poucos segundos pq o Tony Stark não deixou a armadura carregando antes de dormir, Iron Man e X-O Manowar são equipados com um número infinito de blasters de tiro único (o equivalente a metralhadora) e um ataque especial que acerta a tela toda. 

O que isso quer dizer, em termos de jogo, é que esse é um run'n gun tão básico quanto básico pode ser: vc vai em linha reta atirando sua metralhadora... e é isso. No máximo você transforma o tiro simples em duplo ou triplo nos mesmos moldes que Contra já fazia desde o Nintendinho... só que com menos variedade de armas, menos mobilidade na tela, menos coisas diferentes acontecendo, menos capacidade de te manter acordado.


Ah sim, e tocar duas vezes em qualquer direção lhe dará a capacidade de correr o que é útil porque você fica tão entediado que mal pode esperar para terminar o nível. 

Os gráficos pré-renderizados não seriam particularmente bonitos mesmo no Super Nintendo (com certeza DONKEY KONG COUNTRY 3 é muito mais bonito que isso), imagina no PlayStation ou Saturn. As fases níveis são praticamente as mesmos durante todo o jogo: você anda para frente e destruindo bandidos, culminando em uma batalha de chefe desnecessariamente longa pq seu ataque tira muita pouca energia. As cutscenes não são nada de especial, apenas caixas de texto, sem muito em termos de narração.


Nada diz 'cash-in' melhor do que um título Acclaim. A exceção de algum ocasional título de sucesso (como ALIEN TRILOGY), todos os títulos da Acclaim são praticamente os mesmos. Eles são todos 2D, jogos de plataforma / ação baseados em sprites, com pouco para destaca-los exceto que eles usam algum personagem licenciado que eles colaram em cima de ultima hora.

Iron Man/X-O Manowar no Heavy Metal não é exceção. Além de ter um dos títulos de jogos mais desnecessariamente longos de todos os tempos, IMXOMIHM. O que no geral é bom, porque você sabe exatamente o que esperar. Mas também é ruim porque, bem, porque você sabe que o você espera não é nada senão desinteressante e repetitivo até o ponto da sua sanidade.


MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 111 (Janeiro de 1997)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 034 (Janeiro de 1997)