domingo, 17 de dezembro de 2017

[AÇÃO GAMES 001] JOE MONTANA FOOTBALL (Mega Drive, 1990) [#089]



Sabe, eu honestamente não acho que a Sega era composta por pessoas mal intencionadas durante os anos 90. De verdade. O que não é o mesmo que dizer que elas fossem competentes. Entre a lista de fiascos da Sega naquela época, um dos primeiros porém menos conhecidos é o interessante porém trágico caso de João Montanha.

Acontece que parte da estratégia de marketing da Sega para o primeiro ano do Mega Drive nos US and A era o lançamento de jogos com os quais o publico americano se identificasse imediatamente e a Nintendo - dona absoluta do mercado até então - não pudesse cobrir a oferta. Foi assim que nasceu a ideia do pacotão de jogos de celebridades esportivas.

Então Arnold Palmer foi para a capa do jogo de golfe, Tommy Lasorda para o baseball, o recém campeão James Buster Douglas para o boxe, Mario Lemieux para o hockey, Pat Riley para o basquete, e  (alguns anos depois) Ayrton Senna para a formula-1.

Se você reparar na clássica propaganda "Genesis Does what Nintendont", alguns desses jogos são anunciados vindo de graça com o Mega Drive. O que foi uma grande ideia, de verdade.


Mas a Sega sendo a Sega é claro que eles iam segar a porra toda. Claro.


Para o futebol americano a estrela convidada seria o tetracampeão do Superbowl, Joe Montana. E por "convidado" eu quero dizer que a Sega lhe deu um contrato de DOIS MILHÕES DE DÓLARES para usar sua imagem durante cinco anos.

A Sega do Japão (que alias nunca teve um bom relacionamento com a Sega da América) achou aquilo uma péssima ideia, mas no fim depois de muitos telefonemas e promessas de que cuidaria do Tamagochi do chefe nas férias, a Sega da América teve o dinheiro que queria para dar para João Montanha. Dizem as lendas que a Nintendo entrou na disputa pelo nome de Joe Montanna não porque queria usar o nome dele realmente, mas porque queria fazer a Sega gastar mais dinheiro na brincadeira. Se foi isso mesmo, deu super certo.

"Pegue esta bola, Timmy! Ah ah ah!"


Bem, tá lá, dois milhões de Trumps pagos ao homem, agora só falta botar a foto dele no jogo e... espera, que jogo?

Naquela época a Sega da América ainda não tinha um estúdio de criação de jogos, e a Sega do Japão nunca tinha feito um jogo de futebol americano porque não é um esporte popular por lá (ao contrário de baseball, por exemplo). Então deixa eu repetir o que aconteceu aqui: a Sega gastou dois milhões de dolares em um contrato de direitos de imagem... e esqueceu que não tinha um jogo para usa-lo!

Clássico Sega.



Entenda o problema aqui: o Mega Drive foi lançado nos Estados Unidos no final do ano de 1989 (com o nome de Genesis). Para o fim de 1990 eles precisavam de algo que gritasse para as pessoas "não de nada da Nintendo para seus filhos nesse natal!" e futebol americano acontece de ser o esporte favorito nos Estados Unidos. Parecia um ponto de venda ideal, certo?

Então enquanto o Mega Drive provavelmente sobreviveria sem um jogo de golfe para o natal de 1990, dificilmente o mesmo seria dito da ausência de um titulo fodástico de caras correndo com a bola na mão. Com efeito, a Sega do Japão - a matriz e dona da porra toda - cogitou descontinuar o Mega Drive nos Estados Unidos (igual havia feito com o Master System) se o videogame não bombasse no natal daquele ano.

Resultado: a Sega saiu batendo de porta em porta procurando quem tinha um pouco de água para jogar no pobre do Chaves que teve um piripaque jogo de futebol americano pela metade e que conseguisse entregar até o natal daquele ano. E quando o vendedor percebe que você está desesperado, é claro que os preços sobem.

Pela ocasião, uma empresa tinha um jogo pela metade: a Mediagenic (que mais tarde viria a se tornar a Activision), mas não era beeeeeem o que a Sega tinha em mente. Era mais um jogo de futebol americano de fantasia, com monstros portadores de poderes especiais e essa porra toda. Não importava, era o que tinha!


Quando você faz uma jogada muito boa o Justiceiro Joe Montana aparece na tela e manta um "attaboy!"

A Sega então meteu a mão no bolso mais uma vez e comprou os direitos do jogo, que estava uns 30% concluído naquela altura, com a promessa da Mediagenic de que adaptaria o jogo para ser um jogo de futebol americano comum e que entregaria a bagaça em novembro, de modo que estaria nas prateleiras até o natal de 1990.

Semanas começaram a se transformar em meses e nem sinal da Mediagenic produzir uma demo sequer do jogo. Desesperada, a Sega abriu de vez a carteira e durante o ano de 1990 três projetos (ou seja, três equipes e três custos) em separado estavam em desenvolvimento.

E vá a Sega sangrando dinheiro para ter o maldito jogo de futebol americano dela até o natal.

O produtor sênior da Sega, Jim Huether, supervisionou cada um deles e sabia que o prazo para o natal estava em perigo. Ele inicialmente queria um jogo mais horizontal que mostrava mais campo e enfatizava os passes de longa distancia (a especialidade de Joe Montana), tanto que o comercial do "genesis does" mostra Joe Montana como um jogo de futebol americano horizontal!

Só que nenhuma das equipes conseguiu criar algo viável. Uma delas não tinha experiência trabalhando no hardware da Genesis e teve problemas com as restrições de memória do console, outra tinha um a engine mais vertical em construção e a terceira tinha um conceito detalhado e alguns gráficos, mas nada realmente produzido. 


À medida que a janela para as vendas de natal diminuíam, Michael Katz (então presidente da Sega da América) tornou-se cada vez mais preocupado com a falta de progresso da Mediagenic. Como a maioria das pessoas naquela época, ele desconhecia a turbulência que engoliu a empresa desde 1988, quando ela expandiu suas operações para incluir todos os tipos de software além dos videogames. Segundo Tim Sloper, produtor da Mediagenic na época, o fracasso em completar o projeto poderia ser diretamente atribuído à falta de um documento de design de jogo coerente e dedicado. "Eu estava produzindo inúmeros jogos na época", lembra ele, "e nunca foi um fã de futebol. Então eu não consegui escrever um documento de design para o projeto. Não havia mais ninguém na equipe para escrever um, tampouco. A equipe acreditava que eles poderiam gerenciá-lo com apenas uma lista básica de recursos, apesar da minha convicção de que um documento de design era vital ".

Então, é, a Sega aconteceu de depositar todas suas esperanças em uma empresa que conseguia ser mais desorganizada do que ela própria. Parabens, mas parabains mesmo a todos os envolvidos.

A situação real era tão feia que e
m 1992, a Mediagenic que entrou com um pedido de concordata (ou o equivalente disso na legislação americana) - que acabou comprada pela Warner e se tornou o que hoje nós conhecemos como Activision. 


Obvio que nada disto foi explicado à Sega no momento em que o acordo para o futebol de Joe Montana foi feito, e quando tudo explodiu, Michael Katz ficou lívido com os atrasos. "Basicamente," ele disse uma vez, "eles nos enganaram durante um período de quatro ou cinco meses de que o jogo estava acontecendo no cronograma. Nós - Sega - eramos ingênuos e irresponsáveis. Nós devíamos ter sabido."

Ele também ficou surpreso ao descobrir como pouco tinha sido feito. "O jogo não tinha ido muito longe, mas não descobrimos isso até setembro ou outubro. No momento em que descobrimos, o único jeito de lançar o jogo até o natal seria encontrar outro jogo que estava quase terminado ou que estava terminado e convertê-lo ".

Havia um projeto que mais ou menos se encaixava naquela descrição mas já adianto duas coisas para vocês: não foi barato e a Sega se ferrou bonitaço nisso.

Acontece que a Eletronic Arts estava trabalhando em uma adaptação do jogo de computador "John Madden" para o Mega Drive, para lançar naquele natal. Só que a Eletronic Arts não queria vender seu projeto para a Sega porque eles imaginavam ganhar muito mais com uma IP própria - foi por isso que a Sega teve que procurar a Mediagenic em primeiro lugar.

Mas como isso deu merda, então a Sega apelou para o plano B: entrou chutando as portas com malas de dinheiro embaixo do braço para que a EA usassem o jogo que eles estavam fazendo para o contrato milionário com Joe Montana.

Agora veja a cagada aqui: a EA não abriu mão de lançar o jogo dela, o acordo que eles chegaram com a Sega foi que eles fariam um novo baseado na programação do anterior. O que significava, na pratica, que a Eletronic Arts faria dois jogos de futebol para competirem um com o outro, só que um seria propriedade dela e outro seria propriedade da Sega. Hm, parece uma escolha dificil.



Ou seja, a Eletronic Arts fez o que qualquer brasileiro faria nessa situação: aceitou o dinheiro da Sega e lançou o jogo que a Sega queria... algumas semanas depois que o jogo deles próprios tinha sido lançado.

Então aconteceu que dois jogos de futebol americano foram lançados naquela época, só que o da Eletronic Arts foi lançado antes do natal e o da Sega foi lançado apenas em janeiro do ano seguinte. Nem preciso explicar o efeito que isso teve nas vendas, né?

Mas como desgraça pouca é bobagem, é claro que não foi só isso que deu errado para a Sega.

Para realizar essa tarefa, a Eletronic Arts subcontratou uma equipe pequena chamada de Park Place. Eles deram os códigos de programação a Park Place e as orientações gerais do que a Sega queria e disseram "se virem aí, mamelucos!".

O que acontece é que a Park Place fez um ótimo trabalho e o jogo deles acabou ficando vastamente superior ao jogo que a Eletronic Arts estava fazendo. Ora, a EA não podia entregar para a Sega um jogo melhor que o deles próprios, então a EA mandou nerfar o jogo!

"Então nós fizemos um ótimo jogo ..." lembra Michael Knox, programador da Park Plance: "... e EA disse que era bom... bom até demais, então mandaram reduzir um pouco. Eles disseram: "Nós não queremos matar nosso  John Madden Football lançando um jogo para a Sega que vai chutar nossa bunda".

Imagine a Google perder o prazo para lançar a sua próxima versão do Android e chegar com malas de dinheiro na Apple pedindo para eles terminarem o OS para eles. A  Apple pegaria o dinheiro e diria "claaaaaaro, xá ca gente!". Foi exatamente o que aconteceu quando a Sega contratou para terminar o seu jogo a empresa que ia lançar o competidor desse jogo!

Mas puta que me pariu, Sega, como que ninguém viu que isso não ia dar certo ?!

O jogo é tão mal programado que não só os adversários são muito tongos para tentar te impedir como eles frequentemente cometem gol contra! MEU DEUS, QUEM FAZ GOL CONTRA NO FUTEBOL AMERICANO?

Agora, o mais importante disso tudo é que a Sega não estava vendo o mais importante disso tudo.

Ela acabou perdendo o foco do problema principal, então vamos tirar um momento e refletir: qual era o problema deles? Porque era tão importante que esse jogo fosse feito? 

Era porque a Sega queria um jogo de futebol americano lançado para o natal, certo?

Bem, no meio dessa confusão toda ninguém na Sega parou para pensar que ERA EXATAMENTE ISSO QUE A EA ESTAVA FAZENDO? Puta merda, o plano da EA era lançar um jogo de futebol americano para o natal, e não foi isso que eles fizeram? Pra que o desespero então? Qual é o teu problema, SEGA?!



Claro que seria melhor ter uma IP sua sendo lançada, mas não é como se o Mega Drive ficaria sem nenhum jogo de caras se pechando uns nos outros! Pelo amor das caudas do Tails, Sega! Vocês nunca param pra pensar nas coisas?

Bem, no fim dessa história tudo acabo menos pior do que poderia ter sido. O Mega Drive sobreviveu ao natal (em grande parte a exclusividade do jogo de futebol americano da Eletronic Arts) e a Sega aprendeu a lição de nunca mais terceirizar jogos vitais ao sucesso da empresa. É meio que por isso que as fabricantes de videogames tem estúdios próprios, na verdade.

DESSA VEZ a Sega escapou do seu combo de pataquadas - perdendo uma BAITA grana no processo, mas sobreviveu. Desnecessário dizer que essa não foi a última vez que ouviríamos falar da Sega produzindo níveis de incompetência tais que empalideceriam o serviço publico brasileiro...