domingo, 18 de março de 2018

[AÇÃO GAMES 006] POPULOUS (PC, 1989) [#137]



Peter Mollyneux é uma das figuras mais exóticas da indústria de videogames. Ele é conhecido por suas promessas absurdamente ambiciosas e seus jogos totalmente fora da curva. Quando estava desenvolvendo Fable, por exemplo, Mollyneux prometeu que o jogo compassaria toda a vida do personagem, com direito a ter filhos, e se você cortasse uma arvore ao longo dos anos você poderia vê-la crescendo novamente.

Nada disso nunca chegou ao jogo final, obviamente. Ninguém sabe se se Peter é um visionário genial que pretende fazer suas afirmações se tornar realidade, se é um mentiroso compulsivo, se simplesmente é fantasticamente ansioso para agradar ou até mesmo um megalômano louco que acredita em sua própria hipérbole. Eu suspeito que seja uma combinação de todas as coisas anteriores.

A coisa é que Peter tem verdadeira paixão pelo que faz (ou é um puta mentiroso), mas não tem como negar que ele pensa muito, muito fora da curva. Como em 1989 onde ele imaginou um jogo completamente diferente de qualquer outro que havia sido feito até então. Um jogo em que você era simplesmente ... Deus.

Não, não um Deus como os deuses gregos ou vikings que tinham corpo, poderes e aprontavam altas aventuras, nada disso. Estou falando do cara invisível que criou as supernovas, as ondas gravitacionais, o sistema circulatório, a febre amarela e planejou toda existência do universo do começo ao fim... mas joga tudo isso fora se você disser na sua cabeça que você é um bosta e puxar o saco dele. "O" Deus.

Ambicioso, para dizer o mínimo.





Uma das coisas mais interessantes a respeito dos videogames é que eles te permitem vivenciar em primeira pessoa experiencias que você não teria de outra forma, como ser o filho do rei do universo e rolar uma bola grudenda para coletar objetos para substituir as estrelas que seu pai destruiu em uma noite de bebedeira, ou ser um solteirão entrando na meia idade que precisa decidir assumir um compromisso de verdade com sua noiva ou abraçar a imaturidade e ficar com a sucubus que mata homens infieis a noite. Coisa fina. Mas as vezes, apenas as vezes, você só quer relaxar e ser Deus por um tempinho.

Enquanto hoje existem alguns jogos que te permitem fazer isso como From Dust, Black & White ou Sim City (sim, ou você vai ter que me apresentar um prefeito que tem  o poder de habilitar ou desabilitar terremotos, queda de avião e ataques do Godzilla em sua cidade), em 1989 isso não ainda não existia.E é aqui que entra Populous, o primeiro "god game" produzido.

Então, o que Deus faz exatamente?


Ora, é claro que nós vamos jogar fora a bobagem do Novo Testamento e rolar ao estilo clássico: moldar a Terra ao seu capricho, inflingir destruição sobre aqueles que te desafiam (tipo jogar uma praga de piolhos neles apenas porque criar um buraco negro seria uma morte rápida demais).

Populous não tem muito mais história do que isso, na verdade. Você é o Chefão Divino, e seu objetivo é fazer sua tribo sentar o pau na tribo escolhida pelo Mochila-de-Criança. Ou o contrário, o jogo te deixa escolher se você quer ser o Deus bom ou do mal (o que na prática muda só as cores dos seus seguidores).

Seu poder principal como Deus é moldar a Terra: com o botão direito do mouse você faz o chão afundar e com o esquerdo ergue um nível o terreno. Onde você deixar plano o suficiente, seu povo começa a fazer suas cidadezinhas.

Existem outras habilidades especiais que você tem como Deus: criar vulcões, terremotos, pantanos ou bons e velhos meteoros do céu, e várias outras coisas para tocar naqueles que não te reconhecem como dono das suas almas imortais... mas usar essas habilidades requer mana. Como você ganha mana divina? Com as pessoas ficando em casa e rezando para você. Então eis o delicado equilibrio do jogo: você precisa que as pessoas fiquem nas casinhas delas rezando pra você, mas também precisa que elas saiam e façam serviços como construir novas cidades e arrancar a cabeça de seus inimigos.

Eu sei que eu devia estar postando imagens de Populous, mas a paródia dos Tweets de Peter Molyneux são simplesmente fantásticos

A coisa sobre esse jogo é que você não tem controle DIRETO sobre as pessoas, pode apenas influenciar suas ações. Então se você aplainar o terreno elas podem construir, mas você como jogador não manda construir. Suas opções divinas, excetuando as magias para foder a vida do coleguinha capiroto, são bastante limitadas na verdade: você pode moldar o terreno, pode fazer elas sairem de casa, pode apontar um lugar para as pessoas se reunirem e pode escolher um campeão para ser o seu super soldado. E meio que é isso.

Você também pode influenciar o animo geral da população: construir, matar inimigos próximos, se reunir ou ir para o local que você mandou. Mas essa é a palavra chave aqui: você pode INFLUENCIAR os bonequinhos, não diretamente controlar eles.

E enquanto tematicamente isso faz sentido, como jogo não funciona tão bem assim já que você tem muito pouco feedback do que os seus seguidores fazem. Esse jogo não é um RTS onde você pode selecionar uma unidade e mandar até o acampamento inimigo destruir tudo com a fúria de mil sóis amarelos, você apenas seleciona colocar seu povo no modo beligerante e espera pelo melhor. O que nem sempre acontece.

O objetivo final do jogo é reunir mana suficiente para lançar a última magia: o Armagedão. Quando o juízo final é invocado o jogo termina e seus seguidores se confrontam com os do inimigo, aquele que tiver a maior massa de manobra sai vitorioso. É por isso que sacanear as construções do inimigo é tão importante, para ele estar com as calças na mão (humanos só se reproduzem depois de assentados confortavelmente por um tempinho) quando o acerto de contas chegar.

Novamente, impressionante na teoria... na prática não é algo que você tenha tanto controle direto assim.



O que eu quero dizer é que de um ponto de vista de design de jogo, são ideais realmente impressionantes. Do ponto de vista do jogador... ser Deus não é tão divertido quanto parece.

Eu não estou dizendo que o jogo é ruim exatamente, ainda mais para a época, mas tem algumas razões pelas quais eu me sinto dessa maneira.

Os gráficos são bastante espartanos, mais focados em serem práticos do que serem bonitos. Ok, só que o mesmo não pode ser dito da interface do jogo e você precisa aprender a usar aquelas opções da mesma forma que você tem que sentar e aprender a jogar um board game complicado: sentando e estudando o manual.

Não é exatamente isso que eu espero de videojogos, saiba você, mas do contrário você não consegue nem saber por onde começar! O jogo não te explica absolutamente nada, não há sequer um tooltip dizendo o que as opções fazem. Boa sorte se virando com isso:


A parte da interface não te explicar nada, entretanto, ela é bem desenhada e uma vez que você sabe o que está fazendo ela funciona muito bem no pouco que o jogo te permite fazer.

O maior problema do jogo, no entanto, é a falta de variabilidade sobre o que você pode fazer. Existem 500 níveis no jogo, mas eles são apenas mapas aleatórios da mesma forma que em Sim City, e basicamente o que muda entre eles é apenas a quantidade de seguidores iniciais e a posição do seu assentamento e do seu rival.

A maior parte parte do seu tempo será gasto terraformando a sua area, e  isso se torna bastante repetitivo. Eventualmente você aprende a forma mais eficiente de fazer isso, porém essa tarefa se torna muito tediosa com uma hora ou duas de jogo. O que você faz de nível para nível é exatamente o mesmo: terraforma a sua area, consiga mais seguidores, sacaneie o capeta com suas magias, quando tiver mais seguidores que ele chame o Armagedão.

Algumas coisas tentam mudar o jogo um pouco, principalmente a IA inimiga (chamado de "ELE" no manual do jogo), o que é um saco misto. Embora o jogo tenha 500 níveis de dificuldade, os primeiros 50 níveis são como um tutorial prolongado, já que eles vem com  com deidades com decisões muito precárias e tempos de reação muito lentos. A maioria dessas combinações iniciais nem permitem que os oponentes usem intervenções divinas, inclinando as chances extremamente em favor do jogador. 

Por sorte, o jogo saltará os níveis para atingir uma dificuldade mais adequada, dependendo do desempenho do jogador - uma vitória rápida pode mesmo recompensar com 8 níveis ignorados (embora geralmente seja muito menos). Estes níveis posteriores são muito mais implacáveis, já que os terremotos iniciais e os pragas chegam como uma bomba com uma nota MIDI única e trovejante, dando aos jogadores o gosto de seus próprios remédios. Mais importante ainda, o terreno começa a variar após os primeiros níveis: os desertos, a rocha vulcânica e a neve aparecem, cada uma com seus próprios ajustes na jogabilidade. 

Na teoria, os seus seguidores são mais lentos para se expandir na neve, e mais rápido para se expandir nos desertos, embora eles sejam mais propensos a perecer em ambos. Esses níveis também introduzem novas restrições, como apenas terraformar para cima ou mudar a mortalidade de recursos como água ou pântanos. 

Na prática, você não sente  que o que está fazendo é diferente porque você não controla diretamente os seus seguidores de qualquer forma. Você faz as mesmas ações a penas espera pelo melhor, a única diferença é que nesses cenários o melhor ocorre cada vez menos frequentemente.

Apesar de todos os seus recursos pioneiros, Populous é lento (mesmo nos ports para sistemas mais rápidos que computadores de 1989, como Super Nintendo ou Nintendo DS), repetitivo e muitas vezes obtuso. Os gráficos são pitorescos, mas desordenados, o mapa é uma dor para se deslocar (mesmo com um mouse), e não recompensa com uma curva de dificuldade ascendente. Aqui há apenas a brutalidade elíptica e interminável de arcade old-school

Eu lembro de ter pensado em alugar várias vezes esse jogo, porém o cara da locadora me avisou que não seria muito útil sem saber ler o manual de 50 páginas em inglês. Cara da Video Room II de 25 anos atrás, você nunca esteve tão certo sobre alguma coisa na sua vida!


Se bem que Populous merece um desconto nesse aspecto - pois sempre foi um jogo multiplayer no seu coração. Os jogadores se juntaram através do BBSes dedicado à competição online, e neste, Populous pressagiou a próxima era do jogo RTS. Embora os críticos tenham comentado sobre o "modo inusitado de dois jogadores" por meio de um modem ou um cabo serial (o que permitiu que os usuários de Amiga e ST fiquem em frente), o single player foi uma adição posterior no desenvolvimento do jogo;

Foi com o objetivo de jogar um contra o outro que Molyneux e sua equipe pensaram o jogo. E isso é nítido, pois Populous funciona bem melhor na companhia de outros humanos, que são naturalmente mais imprevisíveis e sacanas do que a IA  datada pode ser.


Como todos os jogos inovadores em suas ideias, muitas vezes criando um genero novo como Maniac Mansion ou Ultima IV por exemplo, Populous é mais um beta não refinado do que o conceito pode fazer do que um jogo pronto completo.

Terraformar o cenário e manter a sua vila é um conceito legal, mas será muito melhor desenvolvido nos anos seguintes em jogos como Sim City e Civilization, por exemplo. Eu consigo entender porque esse jogo foi uma grande coisa na época (segundo a publisher Eletronic Ars, apenas três pessoas na Inglaterra não tinham esse jogo) já que o conceito do jogo é sólido, mas hoje em dia o jogo completamente mostra sua idade e falta de experiência dos produtores no gênero.

O que totalmente faz sentido quando você considera que foi um esforço genuíno para construir algo inteiramente novo, e que serviria de base para outros grandes títulos que viriam nos anos seguintes.


VERSÃO PARA MASTER SYSTEM
EDIÇÃO 042