quarta-feira, 27 de março de 2019

[AÇÃO GAMES 021] OUT OF THIS WORLD (PC, 1992) [#200]


Em 1992, Eric Chahi tinha um problema. Não um problema com espinhas, bullying ou ter rejeitado a Mia Khalifa quando ela tinha 14 anos e ela era meio baranga na época. O seu problema é que ele era um desenvolvedor  de jogos que queria lançar um jogo para PC ao estilo de Dragon's Lair, um puzzle que se você não acertasse a solução para a tela morreria várias vezes. O problema é que fazer uma animação como DL custaria não apenas um dinheiro que ele não tinha, como ocuparia um espaço físico inviavel para a época (suas estimativas mais otimistas eram SEIS disquetes, algo que ninguém compraria para um jogo sem renome).

Para contornar esses problemas ele teve que ser criativo, o que incidentalmente o levou a criar um jogo muito melhor do que Dragon's Lair jamais poderia ser nos seus sonhos mais loucos.

A solução que Chahi teve para solucionar seus problemas de espaço em disco e orçamento foi usar personagens 3D em poligonos - o que era absolutamente inovador para a época. Vê, quando um um jogo ou filme é feito em desenhos, qualquer coisa que você queira fazer no jogo tem que ser desenhada a mão, quadro a quadro. Quando você tem um modelo 3D, depois que ele está pronto você pode apenas manda-lo fazer qualquer movimento que estiver dentro dos parametros da programação com bem pouco esforço, o que é muito mais barato e rápido de fazer! (e é por isso que as animações hoje não são mais feitas em 2D, também)

Ao contrário do que muitos esperavam, essa não foi uma imagem da cerimonia de posse do Bolsonaro. A realidade frequentemente é desapontadora, já dizia o grande pensador moderno Thanos

Então Eric já tinha um metodo para fazer o seu jogo, mas que jogo seria esse? Bem, resumidamente, Out of This World é o jogo que Prince of Persia daria seu primogenito para ser. O que parece algo que totalmente Jordan Mechner faria, maldito seja!

Tal qual meu maior nemesis, Chahi também filmou seus graciosos movimentos na vida real e transpos as gravações como animações para o jogo - a milenar tecnica da rotoscopia, que dá um trabalho do cão mas resultado lindo. O resultado é que os movimentos de Out of This World parecem muito com Prince of Persia, mas sem a infame luta de espadas que é um saco!

É PRA GLORIFICAR DE PÉ, IGREJA!

Claro, os trechos de bang-bang com sua arminha laser são meio tronchos, mas não é nem de perto a desgraça que são os duelinhos de PoP.


Mas como esse jogo funciona, exatamente?

Bom, em Out of This World você tem 15 cenários que precisam ser resolvidos para conseguir avançar. Por exemplo, na primeira fase você se você for para a tela da esquerda sai em um precipício com cipós.


Se você for para a direita, vai ter umas cobrinhas que te matam com um hit ... o que é foda, mas em compensação dá uma animação bem legalzinha de morte. Essa é a parte que ele quis dizer quando se inspirou em Dragon's Lair, e realmente vale a pena morrer para ver as animações de morte. Não que você precise se preocupar com isso, você vai morrer... a lot.

Menino, toma uma xarope!

Passando pelas minhoquinhas aliens of hell (que apenas nosso herói e a tripulação da Prometheus não acham cobras alieniginas perigosas), você encontra um dogão cramuião que... te mata também, é claro.


Então, como resolve esta tela? Bem, você tem que ir para a direita até encontrar o doguinho cramuião, então voltar correndo para a esquerda (passando pelas minhocas da morte eterna) até o precipício e...

... OLÉEEEEEEEE!!!

Claro, essa primeira fase é meio que só um tutorial, mas dá uma ideia muito boa de como o jogo todo funciona. Em alguns pontos "como resolver a tela" é um tanto criptico demais, como acontecia bastante com os point'n clicks daquela época, mas na maior parte do tempo OotW é bem acessível... após algumas dezenas de mortes.

O que, ao contrário do que normalmente acontece em jogos antigos, não é uma coisa ruim.

Isso porque o jogo não apenas tem vidas infinitas, como tem um sistema de respawn bastante amigavel. Quando você resolve parte do puzzle e morre, você não precisa fazer TUDO de novo: ao resolver parte do puzzle, o jogo deixa você começar de onde parou. Então se você morrer e não voltar do começo, é porque alguma coisa certa você fez.

Embora seja procedimento comum nos jogos de hoje, na época era quase inédito que o jogo desafiasse o jogador pelo dificuldade intelectual do puzzle, não pela raiva de atirar o controle na parede depois de ter que começar o jogo pela 194a vez. Ideia louca, né?

Uma coisa que eu gosto particularmente nesse jogo é que não tem barra de vida na tela, nenhuma pontuação, nenhum marcador de tempo ou inventário, nada. Você só tem o seu personagem e quando ele consegue uma arma, é o que ele tem na mão e deu. Não tem setinhas dizendo como resolver o puzzle ou itens brilhando nem nada disso, e é bom de vez em quando jogar um jogo que deixa você se virar sozinho - e nesse sentido, Out of  This World foi um dos primeiros a adotar essa tela clean. 

Na verdade, quando o jogo começa você sequer percebe que a cutscene acabou e a única coisa que você vê é Lester flutuando no fundo de uma piscina. Na parte superior da tela, você vê raios de luz na superfície da água, enquanto no fundo há tentáculos que parecem alcançar você. Você segue seus seus instintos naturais e nada o mais rápido possível em direção à luz, em direção à superfície sem que o jogo precise te dizer nada.


Chahi fez esse jogo praticamente sozinho, e como tal, ele admitidamente estava mais ocupado fazendo a programação do jogo do que pensando em uma história. Então, como resultado, ele acabou bolando algo sci-fi bem basicão: um cientista fazendo experiencias com um acelerador de particulas durante uma noite de temporal vai parar em outro mundo.

Não é terrivelmente elaborado, mas ao menos a animação da abertura é bem bonita:


O jogo conta sua história sem nunca fazer uso do diálogo, nunca escreve uma narrativa para seguirmos uma maneira ou mesmo uma grande explicação do que está acontecendo. Nosso Wesley aí apenas está em um mundo alienigina e meio que é isso. O que realmente conta a narrativa do jogo são os elementos de world building colocados nele: a flora e a fauna, os sons e o ambiente, o que vemos e experimentamos, estes sim desenvolvem toda a história e relação entre os personagens e os jogadores, sem usar uma única palavra. 

Lester é jogado em um mundo desconhecido cheio de perigos, e eventualmente ele é capturado pelos nativos. Em sua cela, ele e outro alienigina que dividia o xilindró com você unem forças para escapar. Você e seu parceiro alien não conseguem conversar (não parece que os aliens tenham sequer um idioma falado), mas vocês compartilham uma linguagem universal: confiança, amizade e meter laser nesses filhos da puta que nos prenderam.

Em uma situação tão desesperadora como estar em um mundo que você não sabe absolutamente nda a respeito e qualquer coisa pode te matar, acabamos nos agarrando a esses sentimentos familiares e desenvolvemos um vínculo forte com esse amigo, que se torna muito evidente à medida que o jogo lança gatilhos emocionais e desafios para nós. Quando o alienígena está em perigo, há uma onda de pânico para ajudá-lo e salvá-lo como ele salva você quando tem a oportunidade.

A única parte realmente inverossímil desse jogo é que um físico teórico tem uma Ferrari, mas ok


Quando vocês estão separados, frequentemente você se pergunta onde anda o seu parça e se você vai voltar a ve-lo novamente. Como disse uma grande escritora certa feita, existem coisas que não se pode fazer ao lado de alguém sem se tornar amigo dessa pessoa. Como escapar de uma cela em um mundo completamente alienigina. É impressionante o quanto de jogos com orçamentos e equipes centenas de vezes maiores, mesmo hoje em dia, diálogos gravados e quantidades de horas infinitas a disposição não conseguem incitar esse mesmo sentimento sobre um NPC. 

Este jogo não só consegue nos conectar emocionalmente, mas também fornece desenvolvimento de personagem adequado sem um único diálogo e faz isso em menos de 15 minutos (o gameplay total do jogo, sem as mortes, dura menos de meia hora). E tudo isso de um jogo feito por um homem sozinho. É um verdadeiro testemunho do gênio de Chahi e prova de que jogos podem ser uma obra de arte que mexe com a nossa imaginação e emoções. 

Isso sendo dito, eu realmente tenho que ressaltar o quanto o final desse jogo é bom. De verdade, é o final mais artisticamente satisfatório que eu já em um jogo dessa época. Perto do fim do jogo, em meio a escapada de um coliseu dos aliens, nosso herói e seu bro conseguem ejetar uma capsula de fuga para escapar.

Esse que caiu é o seu bro que eu chamarei carinhosamente de Chamburcy. Chamburcy, nooooooooo!!!


O veículo acaba caindo e nosso herói fica gravemente ferido. Tanto que você faz as ultimas telas do jogo se arrastando enquanto seu parça arrisca sua vida para segurar os guardas. Então nosso herói usa suas últimas forças para se arrastar em meio aos lasers de seus perseguidores até uma alavanca e abrir caminho para teleporta-los para fora dali. Uma vez em liberdade, seu parça alienigina toma seu corpo praticamente (ou totalmente) sem vida e vocês fogem dali. 


Out of This World sempre foi um jogo que me fascinou muito quando eu era criança, por sua estética e seus controles estranhos (reconhecidamente, rigidos como Prince of Persia e isso não é um elogio exatamente). Porém eu nunca fui uma criança muito brilhante e jamais consegui passar da primeira fase nesse jogo. 

Jogando hoje, porém, da pra ver claramente que Out of This World foi um jogo a frente do seu tempo fazendo várias coisas inéditas que hojes são apenas esperadas de grandes jogos como usar o gameplay como ferramenta narrativa (ao invés de cutscenes), ter um sistema de respawn que não odeie o jogador e um estilo estético único.

OotW nasceu inspirado em Prince of Persia e Dragon's Lair, mas se com esse dois jogos você pode dizer "ok, eu entendi o que eles tentaram fazer aqui, mas...", aqui você não tem que "entender" nada. Out of This World foi lá e fez.


VERSÃO PARA SNES
EDIÇÃO 025


VERSÃO PARA MEGA DRIVE
EDIÇÃO 037



VERSÃO PARA 3DO
Preview na edição 054


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
VERSÃO PARA 3DO
Edição 004