Eis aqui um filme muito interessante, muito inteligente, e que você absolutamente não liga a minima. Não, sério, quantas vezes nos ultimos 30 anos você pensou sobre "O Ultimo Grande Heroi"? Basicamente nenhuma.
Me diga se essa cena é familiar: uma enorme explosão acontece e o herói salta pela sua vida no último momento, apenas para então levantar, bater a poeira casualmente e fazer um trocadilho ruim sobre o que acabou de acontecer. Se você assiste filmes, com certeza já viu essa cena, no mínimo, quarenta e duas vezes.
Agora, como isso REALMENTE aconteceria se alguém tentasse fazer no mundo real? Bem, em primeiro lugar essa pessoa passaria as próximas semanas no hospital com queimaduras de terceiro grau (mesmo que o fogo não encoste em você, apenas o calor é suficiente para destruir sua pele completamente) embora um cenário mais realista seria supor que os legistas passariam os próximos três meses tirando estilhaços da sua bunda porque se você acha que uma explosão desse tamanho não dispararia detritos a velocidade de uma metralhadora...
Suponho que não é necessário dizer que filmes de ação, especialmente dos anos 80 e 90, funcionam sobre regras que não realmente fazem sentido, mas estão lá porque é assim que o filme rola. Por que o vilão tem que explicar o seu plano e só não atira no mocinho logo? Por que os capangas erram tiros a 2 metros de distancia como se estivessem jogando XCOM? Por que quando alguém rende um adversário com uma arma de fogo, todo mundo aponta a arma a uma distancia que pode ser pega com a mão?
Pequenas coisinhas assim, porque é assim que os filmes rolam. Mas E SE, veja bem, E SE houvesse um filme de ação - protagonizado pelo maior astro de ação da época - parodiando essas coisas justamente numa época que paródias não eram tão comuns assim? Isso, meus amigos, é o que eu chamo de uma vitória absoluta.
O Ultimo Grande Heroi é um filme sobre Danny Madigan - um garoto que tem uma vida bem merda (na visão de um roteirista americano rico dos anos 90, isso é) e que foge da sua realidade chumbrega indo ao cinema. Sabe, embora a ideia do que o roteirista ache que "uma vida dificil" é, se vc abstrair os exemplos que são dados e pegar só as ideias, é um conceito legal. Porque aí temos esse garoto que leva ferro e é um bosta na vida real, mas nos filmes ele pode admirar seu herói sendo foda o tempo todo, resolvendo todos os problemas com muitos tiros e uma frase de efeito sem nunca estar em perigo realmente.
Estranhamente é... relacionavel.
Aí something something magica e Danny vai parar dentro do filme sendo sidekick do seu grande herói, Jack Slater - que é o personagem do Arnoldão nesse filme fazendo o que o Arnoldão faz de melhor, Arnoldizando.
A dinamica da primeira metade do filme envolve Danny acompanhando Slater em suas aventuras e tentando convencê-lo de que eles estão dentro de um filme. Isso rende cenas memoráveis como Danny não hesitando em apontar o ridículo do ambiente, como o fato de que todos os números de telefone começam com o falso prefixo “555” (numa cidade de 10 milhões de pessoas, essa conta nem fecha) e que não existem mulheres feias na rua.
Não apenas isso seria interessante por si só, mas as cenas de ação - por mais anos noventecentescas que sejam - são realmente bem dirigidas. Em sua galhofagem, LAH não deixa nada a desejar a filmes brucutu raíz do próprio Arnoldo como TRUE LIES ou Commando. Então ele é um filme de ação genuinamente bem dirigido, e que é interessante pela própria proposta dele em rir de si mesmo por toda ridiculosidade dos filmes de ação.
Se eu tivesse que apontar algum problema nesse filme, seria aquele que você já pode imaginar: o moleque é um saco. Okay, eu entendi, o trabalho dele é apontar para o publico os absurdos de quem sabe que está vendo um filme, mas ele faz o seu papel de uma forma simplesmente irritante tentando ser a criança espertona. Curiosamente, o proprio filme diz "ninguém gosta de uma criança metida a espertona", embora continue usando o mesmo cliché ao ponto que qualquer empatia que voce podia ter por ele no começo do filme foi pro espaço bem antes da metade deles.
Na segunda metade do filme ele funciona da forma oposta: Arnoldo e o vilão vem pro mundo real, e veem (para sua grande surpresa) os cliches de filme de ação não acontecerem. Você dá dois tiros no porta-mala de um carro e ele não explode, ele apenas vai embora com buracos de bala. Você mata alguém no meio da rua não spawna policia imediatamente, as pessoas apenas baixam a cabeça e tratam de sumir dali o mais rápido possível. É um complemento interessante da primeira parte, porém ele ousa até ir além disso.
Last Action Hero também apresenta uma das performances mais deliciosas e autodepreciativas de Arnold Schwarzenegger. Esse foi o filme que ele fez logo em seguida para seu maior sucesso, TERMINATOR 2: JUDGEMENT DAY, mas em vez de jogar pelo seguro, ele tomou a decisão muito ousada de fazer um projeto que zombava de sua própria imagem na tela e do gênero que o tornava um estrela. No mundo real, o vilão tem a ideia de matar o Schwarzenegger (o ator) para assim acabar com o personagem Jack Slater, assim
Os cameos desse filme, man |
Arnold também atua como ele mesmo na vida real e não hesita em satirizar a si mesmo, fingindo que os filmes de Slater têm grande merito artístico e irritantemente fazendo um merchan que ele foi pago em todas as oportunidades que tem.
Infelizmente essa segunda parte é onde você sente que o filme foi mais rushado, especialmente em algumas cenas depois de estabelecer as diferenças entre o mundo do filme ficcional e o mundo real, o filme parece esquecê-las. Quando você zomba do clichê em que o vilão típico do filme fala demais em vez de apenas atirar no herói, provavelmente não é uma boa ideia repetir exatamente o mesmo clichê durante uma sequência de ação ambientada no mundo "real".
Ainda assim, o filme explora o bastante o contraste entre o mundo do cinema e o mundo real com alguma inteligência, e se não é perfeito pelo menos é um filme bastante inteligente. Podia ser melhor se fosse polido com mais carinho e tempo, mas ainda é interessante. O que nos leva a outra questão quase tão interessante quanto, que é a obsessão que os americanos tem rótulos e "normal".
Se você já assistiu um episódio de Friends na vida, já deve ter visto o quanto de tempo e energia os americanos gastam com rotular as coisas, as pessoas, os relacionamentos, e tentar ser "normal" dentro dessas caixinhas fechadas. Tá, mas e LAH com isso?
Bem, eis o problema: o marketing do filme anunciou ele como um filme de ação comum. Não uma paródia, não uma comédia de ação, e sim como um bom e velho filme brucutu do Arnoldão.
Nossa senhora da aquarela monocromática, que puta ideia ruim! Isso porque quando o filme foi ao cinema os críticos e o publico esperavam um filme de ação normal e não entenderam o que estavam assistindo. As criticas da época acusam o filme das cenas de ação serem ridiculas, ou como Arnold nunca parece realmente estar em risco.
Sim, seus pedubós, é exatamente esse o ponto! É uma paródia! Mas não, as pessoas não tem a flexibilidade de mindset para adaptar suas espectativas on the fly, é assim que o ser humano funciona e no caso dos US and A é praticamente um esporte nacional.
O resultado é que o filme é apenas a décima bilheteria do Arnoldo, mesmo sendo um dos melhores filmes dele - e o filme rapidamente sumiu das conversas, tanto que hoje ninguém fala dele. Bem, tem também que esse filme foi lançado na mesma semana que JURASSIC PARK.
Esse é o lado ruim, o lado pior ainda é que não inteiramente verdade que ninguém lembrou desse filme, porque dois anos depois (em 1995) a Ação Games desencavou a ... abominação... desse jogo para o Nintendinho. Pra que eles desencavaram um jogo pavoroso para NES dois anos depois? Sei lá eu, provavalmente pra aplacar a fúria das cartas dos Nintendinhos pedindo matérias de jogos de NES.
Aí eles pensaram "ah, cês querem Nintendinho? Então segura essa trolha, otários!". Porque sério, pelamor que joguim tenebroso véi... No papel, LAH deveria ser um beat'm up simples para um console simples, o que possivelmente poderia dar errado?
Vamos deixar de lado os gráficos ruins (é você aquele baixinho de óculos escuros, Arnold?) e a jogabilidade repetitiva (soco, soco, soco) e nos concentrar inteiramente na detecção de hit. Primeiro erro: Arnold não consegue socar alguém sem levar pelo menos um golpe. Sempre. Uma vez que os inimigos respawnam infinitamente, avançar pela fase é uma batalha de atrição e torcer para a fase termine antes do seu HP - isso considerando que você jogue perfeitamente.
Pense sobre isso, é um jogo que você não tem como vencer sem tomar dano mesmo que você seja perfeito, é uma das coisas mais safadas que eu já vi num jogo. Para quem está se perguntando sobre meu próprio progresso, cheguei a segunda fase, cheguei ao chefe final, morri, peguei um continue e recomecei a fase, cheguei ao chefe final de novo, morri, encerrei o dia.
Como se isso não fosse suficiente, os inimigos atiram em você lá do background, inclusive das latas de lixo, e não tem nada que você possa fazer a respeito disso. Porque foda-se você, apenas por isso.
A única qualidade redentora desse jogo é que pelo menos ele termina rápido. Quer dizer, realmente rápido: ele termina em aproximadamente 15 minutos. Bem, não se você pagou 50 dolares pelo jogo ou alugou ele e está atracado com a bomba pelo fim de semana inteiro, mas pra mim particularmente foi bom porque terminou logo o sofrimento.
Sério que transformaram a cena do trailer do filme do Hamlet com o Arnold que é uma piada de 1 minuto no filme em uma das únicas 4 fases do jogo? |
MAS SE ESSE JOGO É TÃO RUIM, PQ ENTÃO ELE NÃO FIGURA NEM NAS LISTAS DE PIORES JOGOS?
Vai saber, Jorge. Senso de preservação ao apagar as memórias? Eu não sei, mas o meu palpite é que a razão pela qual você nunca ouve falar deste jogo fazendo parte de qualquer lista das “piores” é provavelmente porque ninguém jogou ou quis jogar Last Action Hero. É um jogo pavoroso lançado meses depois de um filme que não foi popular em primeiro lugar em um sistema que estava quase morto na época. Eu ficaria surpreso se pelo menos cinco cópias desse jogo foram vendidas.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 088