sexta-feira, 1 de outubro de 2021

[PC] FULLTHROTTLE (Abril de 1995)[#767]


Sabe um cara que eu posso dizer que realmente me entende na indústria de videojogos? Tim Schafer.

Essa semana mesmo eu joguei Psychonauts 2, e tenho que dizer que não estava muito empolgado com a ideia. A premissa do jogo é de alguma forma similar a Persona 5, em que você entra dentro da mente de pessoas para mudar a cognição delas e resolver as tretas do mundo real. Incluindo aí lidar com problemas psiquiátricos reais, como Síndrome do Panico por exemplo. só que Persona 5 é um jogo japonês, e a Double Fine é uma empresa americana. O que quer dizer que ao invés de adolescentes estilosos sambando na cara dazinimiga com clichés de anime, eu estava preparado para mais uma coisa nível Netflix em que "Mental health issues" é escrito para adolescentes de 13 anos que nunca pagaram um boleto na vida dizerem "nossa, isso é tão eu!". Sim, 13 Reasons Why, eu estou olhando pra vc.


Bem, a boa notícia é que o líder da Double Fine, Tim Schafer, também compartilhava das minhas preocupações e disse "I've got your back, bro". O resultado é que os temas não são abordados apenas com bom senso, mas através de uma visão artística e criativa que você não vê frequentemente em jogos ocidentais.

Ah, e o gameplay ser uma versão modernizada do mais puro suco da era de ouro dos collect-a-thons do PS2/N64 ajuda bastante também. E o jogo ter uma ambientação espionagem-Austin Powers anos 60. E ser genuinamente engraçado, outra coisa rara em videogames.


Bem, enfim, meu ponto é que Tião e sua gangue sabem exatamente o que estão fazendo e, o que é realmente importante para esse texto, sabem exatamente o que eu quero. Mas porque eu estou falando do Tião Chafeiro aqui? Bem, porque antes de ser o cara da Double Fine, ele foi o responsável pela relevancia de um genero inteiro graças ao seu trabalho na Lucas Arts.

Sem Tim Schafer, os point'n clicks seriam apenas uma nota de rodapé insignificante na história dos videogames. Entretanto, por mais que eu goste de jogos como THE SECRET OF MONKEY ISLAND e MANIAC MANSION: Day of Tentacle (do próprio Tim, em seus tempos de Lucas Arts), eu não posso deixar de notar que o genero tem um problema estrutural bem grande.

Full Throttle falando sobre A SUA MÃE

Geralmente como se monta um PnC: você dá uma missão geral ao jogador, usualmente composta de coletar partes para resolver um problema (tipo obter três peças de uma máquina, por exemplo) com puzzles cuja solução é praticamente tirada da bunda do desenvolvedor e vc tem que psicografar o que o filho de uma larica tava pensando. E cara... isso não é divertido.

Tanto que  o último jogo da Lucas Arts chegou ao fundo do poço da Formula, SAM & MAX HIT THE ROAD, sendo o único jogo da empresa a receber um "The Worst of". O problema de SAM & MAX HIT THE ROAD é que o jogo é feito completamente de qualquer jeito, ele te larga lá com um objetivo que tanto faz, puzzles que não fazem nenhum sentido e é isso o jogo. 

E cara, isso não tá legal. Agora, essa não é uma opinião exclusivamente minha tanto como é do meu mai besto friendo Tim Schafer. Ele também achou que o caminho que os Point'n Click tavam indo não tava legal e decidiu que algo precisava ser feito, uma nova abordagem tinha que ser tentada. Porque, você sabe, Timzão é meu besto friendo e me entende.


Full Throttle é uma abordagem para o genero, uma tentando fazer uma experiencia mais cinematográfica e fluída. Isso quer dizer que ao invés de apenas jogar qualquer objetivo com uma desculpa que impede seu progresso tirada da bunda, Full Throttle é uma narrativa em primeiro lugar e essa narrativa se quebra em pequenas areas onde vc precisa resolver um ou dois puzzles antes de prosseguir a história. E essa é uma ideia que funciona bem melhor, se quer saber a minha opinião.

Porém, antes de começar a falar do jogo em si, suponho que é conveniente colocar a trilha sonora adequada para entrarmos no clima.


Full Throttle é um jogo em que seu personagem é o líder de uma gangue de motoqueiros em um cenário cyberpunk, que acaba envolvido em uma conspiração corporativa. Essa descrição poderia parecer que apenas palavras foram sorteadas da caixa de "palavras fodas para compor um plot", mas é exatamente isso que FT é.

Quer dizer, é um Point'n Click cujas suas ações possíveis são olhar, falar/lamber, interagir/socar e chutar. Novamente, eu não estou inventando, muitos puzzles se resolvem na bicuda como Deus sempre desejou que fosse. O que mais eu preciso dizer?


Sério, o quão legal é isso?

Do ponto de vista dos puzzles, eu mantenho o mesmo nível de elogios - devido em grande parte a própria estrutura do jogo. Isso porque, como eu disse, FT é dividido em pequenas areas com um número limitado de puzzles, então segue a história e recomeça. Isso significa que as soluções dos puzzles não tem como ser profundamente estrombóticas devido a essa estrutura, já que cada area te fornece nela os itens para solucionar então a combinação possível de respostas aos puzzles não é terrivelmente grande.

Mais importante que isso, os puzzles são totalmente racionais e mesmo os que eu não consegui deduzir de primeira quando eu soube a solução pensei "okay, isso faz sentido,  eu poderia ter chego lá". O que, eu não preciso lembrar, é o inverso oposto de  SAM & MAX HIT THE ROAD onde a resposta é sempre algo tipo "porque banana não tem caroço, isso é um cartoon whatever" e isso sempre é uma coisa boa. As respostas podem não ser algo do nível MANIAC MANSION: Day of Tentacle de criatividade (sério, a que você tem que lavar o carro pra fazer chover é espetacular), mas são legais.


E ei, se os puzzles são okay, então o que pode ser dito a respeito da história - que é o grande diferencial da abordagem desse jogo, seu approach mais narrativo?

Bem, nascido das entranhas da Lucas Arts, Full Throttle tem bastanta aquele feeling de Sessão da Tarde de Indiana Jones em termos de ação, violencia e gags - embora o jogo deixe de lado a trilha sonora de John Williams para abraçar um soundtrack mais temático de Rock'n Roll beira de estrada (a trilha foi toda composta pela banda The Gone Jackals, mas poderia perfeitamente ser composta pelo Matanza).


Full Throttle é um jogo criado por uma combinação improvável de temas: ele combina diversos temas, pós-apocalipticos, cyberpunk e roadtrip com um estranho cenário futurista na Califórnia. Por si só, esses elementos não são originais, mas juntos eles criam um cenário próprio, uma experiência rica e hilária. O tema da história, que é onde a coisa do cenário futurista entra, é que os velhos modos da estrada estão morrendo e há toda uma conspiração para transformar a última fabricante de motocas old school em uma engrenagem corporativa.

É um cenário estranho, uma estranha terra Mad Max de hovercars, motocas com turbo de nitro e estranhos cultos de gangues motoqueiras em cavernas. Mas está unido por algo que é muito difícil de realizar em jogos: a narrativa permeia todos os aspectos do meio com sucesso. Em Full Throttle, o som, a direção de arte, o design do personagem, o design do jogo, a dublagem, a música, a interface - todos esses lugares que você pode ver foram especificamente projetados para reforçar o tom e lhe dizer algo sobre o mundo da história.


Eu já comentei isso, mas o próprio menu de interface do jogo é projetadas para informá-los sobre os valores do nosso herói Ben e o tom do jogo. Pegue o que você vê com mais frequência: a interface de verbos de Point'n Click. Ele é estruturado na forma de uma tatuagem de caveira no estilo Hell’s Angel, e nela fica a exibição das ações de Ben: olhar, falar, socar e chutar. Esse é o tipo de cara que Ben é - olhar, falar, socar e chutar. 

Eu gosto muito quando a estrutura do jogo trabalha para passar o seu ponto - sendo Persona 5 o exemplo perfeito disso, onde a UI estilizada em grafite e pichação passa a ideia de contracultura e rebeldia que é todo o ponto do jogo. FT faz algo parecido, todos elementos do jogo (a trilha sonora, a UI, as ações) trabalham juntos para passar o ponto do seu tema: pé na porta, soco na cara.


Eu gosto muito, muito mesmo quando uma obra precisa ser especificamente daquela midia para funcionar. Full Throttle poderia ser um filme animado? Poderia, mas uma parte grande da experiencia se perderia no processo. Para ser aproveitada em sua totalidade, FT precisa ser um jogo e um jogo ele é.

E eu não poderia pensar em um elogio maior a ser feito. Como de costume, Tim Schafer delivers - mai besto friendo.


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