sábado, 12 de agosto de 2023

[#1146][Dez/97] THE LAST BLADE


The Last Blade é uma ideia estranha para uma franquia. Quer dizer, a SNK já tinha uma série de jogos de luta envolvendo samurais e a temática do Japão feudal, e uma bastante bem estabelecida: a franquia SAMURAI SHODOWN. Então porque causa, motivo, razão ou circunstancia eles tentariam abrir uma nova franquia sobre isso?

Foi o que ninguém entendeu na época, e na real um dos grandes motivos da franquia ter fracassado em popularidade, afinal pra que tentar um jogo novo de luta da SNK quando já tem outro que vai muito bem, obrigado? É isso que veremos hoje. 

Eu não sei dizer exatamente o que, mas tem algo levemente incomodo nessa capa da versão para Neo Geo CD

A razão desse jogo existir, em primeiro lugar, é bastante simples até. Acontece que a Technos, a empresa mais conhecida por ter basicamente inventado o beat'm up como conhecemos hoje com DOUBLE DRAGON e RENEGADE (ou Nekketsu Kōha Kunio-kun no Japão), estava desenvolvendo um jogo de luta com samurais. Dizem as lendas (embora não seja provado) que a ideia original era fazer um jogo licenciado de Rurouni Kenshin e não rolou devido a questões comerciais (mais sobre isso em um momentinho).

Como eu disse, embora não possa ser provado que esse jogo nasceu para ser um jogo do nosso querido Samurai X, olhando as artes conceituais do jogo não dá pra negar que o traço e a escolha dos personagens é claramente inspirada no anime - que estava no apice de popularidade na época.

O motivo desse acordo de licença não ter rolado é, muito provavelmente, que a Technos estava mais quebrada que arroz de quinta. Tão quebrada, de facto, que a empresa não apenas não conseguiu a licença do anime como sequer sobreviveu o suficiente para terminar o jog, indo embora de submarino antes da conclusão do mesmo.

E isso teria sido o fim dessa história, não fosse o fato que a SNK ia ser a publisher desse jogo (ter um jogo licenciado de RK exclusivo seria o ó para a SNK) e eles já tinham morrido uma grana nesse projeto. Pra não ir fora esse dinheiro, eles acharam que era mais jogo terminar e lançar pra ver se pelo menos alguma coisa eles recuperavam. E foi assim que nasceu o OUTRO jogo de luta samurais da SNK.


Só que uma coisa precisa ser esclarecida aqui: embora os jogos PAREÇAM tematicamente parecidos, não é exatamente o caso. Isso pq a gigantesca maioria das obras envolvendo samurais, incluindo o próprio SAMURAI SHODOWN, se passa entre a era Azuchi-Momoyama (meados dos anos 1500 - início dos anos 1600) e o final do período Edo (início dos anos 1600 - início dos anos 1800). Isso pq esse periodo de 300 anos é a era de ouro dos samurais, o auge dos homões (e homoas, não é sem precedente samurais mulheres saiba vc).

The Last Blade - assim como Rurouni Kenshin - ocorre durante a era que os japoneses chamam de Bakumatsu, no final do século XIX. Bakumatsu significa "Fim da Era do Shogunato" e, como o próprio nome indica, foi quando o Japão foi realmente não apenas unificado enquanto país, como passou a fazer parte do mundo comercial e culturalmente.


Porém o Japão sendo o país ultraconservador que é, não raras vezes isso é visto de forma trágica, quando a antiga cultura e tradição japonesas estavam sendo descartadas em favor do estilo de vida ocidental. A espada foi substituída pelo fuzil, o quimono pelo smoking. Os samurais, que eram a própria essência da estrutura social antiga, não tinham mais permissão nem para carregar suas espadas nas cidades, e muitos foram exilados da civilização, forçados a ganhar a vida como caçadores de recompensas e assassinos de aluguel.

A primeira coisa que essa escolha de tema influencia é na trilha sonora: ao invés de arranjos com instrumentos tipicos japoneses como acontece em SAMURAI SHODOWN, The Last Blade tem composições que variam entre estilos europeus. A primeira vista um jogo de luta sobre samurais com musicas tipicamente europeias parece estranha, mas quando vc entende o contexto da época do Bakumatsu, na verdade foi uma sacada bastante inteligente por parte da desenvolvedora. 

Nem toda batalha é travada com música, entretanto, algumas lutas tem uma escolha artistica bastante feliz de usar apenas os sons ambientes, o que gera uma sensação melancólica e vazia de uma era gloriosa (para os samurais, pelo menos) que estava morrendo. No cenário da da floresta de bambu de Moriya, um vento estridente uiva pelas folhas enquanto uma roda d'água corre ao fundo. No cenário de Washizuka, um cachorro late ao longe enquanto outra criatura vasculha o lixo em algum beco invisível.

Alias o próprio nome do jogo vem dessa tonalidade de fim de festa: como a era dos samurais estava terminando, essas são literalmente as últimas laminas de um período que logo pertenceria apenas aos livros de história.


A segunda coisa que se nota sobre The Last Blade (ou a primeira, sei lá que ordem você aborda o jogo) é como ela é bonito. Eu argumentaria que é o jogo mais bonito da SNK, embora ART OF FIGHTING 3: The Path of the Warrior pareça melhor devido a ter mais quadros de animação em sua rotoscopia, e junto com STREET FIGHTER 3: The New Generation é um dos jogos de luta mais bonitos de todos os tempos.

Com efeito, o único jogo da SNK que eu consigo pensar que é tão bonito quanto esse é Garou: Mark of the Wolves, que seria lançado só dois anos depois desse. Não apenas os personagens e cenários são detalhados e exuberantes, como são um contraste muito grande ao estilo mais caricato e excessivamente colorido de SAMURAI SHODOWN


Adicionalmente, os  cenários têm um nível insano de detalhes e também refletem a temática do bakumatsu: por exemplo, um cenário é montado em uma vila japonesa tradicional, mas a influência do Ocidente já começou a se espalhar pela encosta da montanha enquanto os postes telefônicos serpenteiam pelas ruas. Essas configurações são habitadas por personagens críveis com seu próprio sabor único. 

Esse é, definitivamente, um jogo que enche os olhos e ouvidos em qualidade gráfica e ambientação. O que é espetacular. O que é menos espetacular, entretanto, é que mecanicamente ele não trás tanta a coisa para a mesa - e junto com o fato das pessoas confundirem esse jogo com SAMURAI SHODOWN, esse é o outro grande motivo desse jogo ter passado batido: ele não é mecanicamente muito espetacular. 


Eu não estou dizendo que o jogo é ruim, claro, nada poderia ser mais longe da verdade que isso, mas ele não é muito memoravel senão pela sensação de "adaptaram a engine de THE KING OF FIGHTERS 97"... que provavelmente foi o que aconteceu mesmo.

Toda arte conceitual e temática veio do projeto original da Technos de fazer o jogo de luta de Rurouni Kenshin, mas na hora de transformar isso em jogo mesmo a SNK decidiu não perder muito tempo e apenas fez o que sabia fazer bem: então mecanicamente esse jogo é um tipo de THE KING OF FIGHTERS 97 sem os tag teams. O que, como eu disse, não é ruim, mas também não é muito espetacular realmente.


Todo sistema de combos e ataques especiais tem um distinto feeling de THE KING OF FIGHTERS 97, sendo que a exceção mais notável é que o jogo usa um sistema de parry diferente de qualquer outro jogo: existem dois botões de ataque, um botão de chute e um botão de parry. A defesa ainda é feita tradicionalmente segurando para trás, só que o parry é muito mais eficaz do que a defesa pq naõ apenas vc toma zero dano como apara o ataque do inimigo e cria uma abertura para o seu próprio. Por outro lado, errar o timing do parry acaba expondo vc no lugar - o que, como dá pra imaginar, requer verdadeira maestria para cronometrar e manejar corretamente.

Ainda sim, isso não muda o jogo radicalmente, não a ponto de justificar chamar atenção por si só. Então a coisa é essa: encare esse jogo mais como um patch de update da engine KoF da SNK com gráficos espetaculindos, e meio que é isso. Eu realmente gostei de como o sistema de combos está mais generoso e menos dependente de timing, e você pode escolher qualquer personagem que achar legal e ser um bom jogador com eles porque esse é um dos - se não "ô" jogos de luta mais equilibrado até então

No fim, a apresentação absurdamente acima da média é a maior qualidade de TLB. Não tem como negar que o jogo exala estilo enquanto tem um conteúdo sólido, o que por si só valer o preço do ingresso. As animações dos personagens são altamente detalhadas, mesmo em animações escalonadas ou nas “cutscenes” que acontecem entre as batalhas que estabelecem o tom mais sombrio do jogo. A natureza visceral das batalhas é enfatizada quando o golpe final é desferido, o jogo literalmente cortando a música no golpe final com um vermelho -clarão. 

Se ao menos o jogo fosse mecanicamente tão interessante quanto é sua parte visual/sonora seria um dos mais lendários jogos que jamais lendariou... mas hey, se vc é fã de KoF e quer uma versão atualizada FILHADAPUTAMENTE BONITA desse jogo, então The Last Blade foi feito por encomenda para você.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 128 (Junho de 1998)


Edição 139 (Maio de 1999)




MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 047 (Fevereiro de 1998)


Edição 048 (Março de 1998)


Edição 059 (Fevereiro de 1999)


Edição 062 (Maio de 1999)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 030 (Maio de 1998)