A série Art of Fighting da SNK sempre foi um pouco... diferente... quando comparada aos seus outros contemporâneos da época. Considerando que a SNK tinha pelo menos cinco franquias de luta em andamento ao mesmo tempo (era meio que a coisa deles, afinal), era muito frequente as pessoas se perguntarem qual era a de Art of Fighting, afinal?
FATAL FURY era a série principal de luta da SNK - o Street Fighter deles se preferir, SAMURAI SHODOWN uma variante no Japão feudal com bastante foco nas armas dos personagens, WORLD HEROES tinha como destaque você jogar com figuras históricas reais ou ficticias (de Joana D'Arc ao Capitão Kidd), e THE KING OF FIGHTER era uma coletanea de tudo isso usando os melhores personagens e mecanicas que já haviam sido testados e aprovados em seus jogos próprios, praticamente o filme dos Vingadores da SNK. Tá, beleza, mas... e Art of Fighting, qual que era a dele então?
Essa foi a pergunta que ninguém sabia responder na ponta da língua, e quando Art of Fighting 3 foi lançado no início de 1996, tanto os fãs quanto a imprensa não tiveram muita facilidade em responder isso não. Art of Fighting sempre jogou diferente dos jogos de luta, ele era mais técnico do que o comum de modo as táticas e a memória muscular geral que podiam ser transferidas entre a maioria dos jogos de luta 2D da época não funcionavam. De certa forma eu diria que a série tem bastante em comum com VIRTUA FIGHTER, onde acertar o timing de encaixar os golpes é mais importante do que emendar combos superirados ou o que quer que os jovens ultradinamicos da época curtialm.
Por isso mesmo, não é tão surpreendente que Art of Fighitng 3 foi o primeiro jogo de luta 2D a usar uma tecnica que já era usada nos jogos de luta 3D, inclusive o próprio VIRTUA FIGHTER: captura de movimento (não confundir com a digitalização de fotos que a Midway fazia para Mortal Kombat).
Em vez de apenas desenhar os personagens à mão, a SNK usou captura de movimento em um punhado de atores e profissionais de artes marciais. Em seguida, os artistas da SNK pintaram meticulosamente à mão cada quadro de animação baseado nos dados capturados. O que é mais ou menos um tipo de rotoscopia, mas ao invés de reproduzir fotografias de alguém em movimento os artistas seguiam os dados dos sensores no corpo dos atores (tipo onde o joelho do cara estaria a cada segundo, a posição do seu pé, etc)
O resultado disso é que muitos golpes têm mais de 20 quadros de animação do seu início ao fim. Agora pense que um jogo de luta normalmente tinha golpes que usavam de 3 a no máximo 7 quadros de animação e você pode começar a imaginar o quão mais fluida do que qualquer outra coisa era a animação para este jogo.
Quando eu joguei AoF3, eu tive a sensação de estar jogando algum jogo do DS como Ghost Trick ou Dusk Hotel - que são jogos conhecidos pela qualidade da animação (apesar do DS ser um portátil, seu hardware é basicamente equivalente ao do N64, pouco melhor que o do PS1, então não é um elogio condescendente elogiar a animação de um jogo desse sistema). Pesquisando a respeito, descobri que esses jogos que eu citei usam justamente essa tecnica de rotoscopia/captura de movimentos de AoF3 e o resultado é muito bonito. Mas divago.
O número filhadaputamente alto de quadros de animação pra tudo nesse jogo aliado aos maiores personagens que já haviam sido colocados em uma tela de jogo de luta até então fazem de Art of Fighting 3 um dos jogos mais lindos do Neo-Geo. Dos que eu joguei, é o mais bonito, é realmente muito gostoso olhar para esse jogo.
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Existem mais de 25 quadros de animação no chute normal de Robert. Cada ação em Art of Fighting 3 é preenchida com esse nível de detalhe. Ser o jogo mais feladapoutamente bonito dos arcades (e um dos jogos de luta mais bem animados de todos os tempos, senão "O" mais bem animado)... isso bem com um preço, contudo.
Toda essa animação ocupa uma enorme quantidade de espaço de memória, que no Neo Geo e Arcades é muito mais abundante que nos consoles da sua geração... mas não é infinito. Em um cartucho aproximadamente 37 MB, a SNK só conseguiu colocar dez personagens no jogo - o que para a época é bem pouco quando vc pensa nos seus competidores do genero na época. Desses dez personagens, os protagonistas da série Robert Garcia e Ryo Sakazaki claramente tiveram mais trabalho em seus sprites. Enquanto os outros personagens bonitos e animam bem o suficiente (exceto Wyler, o chefe), Robert e Ryo estão definitivamente um passo corte acima do resto do elenco - o que faz a animação parecer um pouco desequilibrada, mas isso é passável.
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O que não é passável, entretanto, é que para esse jogo todo o elenco de lutares do jogo foi reformulado (apenas Robert e Ryo ficaram). Isso não é um problema per se, e sim que... bem, como eu vou colocar isso de forma sútil... ah, já sei, o elenco de lutadores novos tem o carisma de uma caixa de papelão molhado.
Não tem nada particularmente interessante nesses caras, e isso foi a grande falha da SNK nesse jogo. Olha caras, quando você substitui o elenco inteiro de um jogo que já estava aí a quatro anos vocês precisam dar algo mais substancial aos jogadores do que um bando de personagens que parecem cast de jogo de luta da Jaleco (acho que eu sou a única pessoa ainda viva que lembra da Jaleco). Vocês tem que correr mais risco com seus personagens nesse tipo de situação.
Mecanicamente, Art of Fighting 3 tem menos em comum com os jogos de luta 2D da época (ou mesmo de hoje), e na verdade se parece mais com os jogos de luta 3D não apenas na animação com captura de movimentos quanto na própria mecânica de jogo. Todos os personagens têm uma quantidade incomum de comandos normais para um jogo 2D: movimentos onde você segura uma direção no controle e pressiona um botão.
Por exemplo, Ryo tem 3-4 tipos diferentes de socos e chutes, dependendo da direção que você está segurando o direcional ao pressionar o botão. O ritmo e a física do jogo, principalmente devido à quantidade pouco ortodoxa de animação, como eu disse fazem com que o jogo pareça mais Virtua Fighter do que King of Fighters. Assim, cada movimento que você faz tem que levar em consideração o timing e alcance para não te deixar vulneravel.
Os jogos de Art of Fighting sempre foram mais sobre batalhas lentas e metódicas, mas Art of Fighting 3 está um passo além do quão estudadas as lutas precisam ser. Se você espera que este jogo funcione como qualquer outro jogo de luta 2D, você vai sentar no seu fliperama por alguns minutos e sair frustrado.
A mecanica principal desse jogo, que reforça que esse é um jogo de luta muito mais tático que o habitual, é que você tem uma barra de mana que gasta conforme você dá golpes especiais, então você tem que considerar muito bem a hora de usar seus ataques especiais. É possível recarregar a mana nesse jogo, mas é um processo lento que deixa seu personagem vulnerável - o que não é recomendavel em um jogo de luta, suponho que eu não precise explicar isso.
Por isso esse não é um jogo pra spammar ataques especiais como em qualquer outro jogo, você tem que aproveitar as brechas e as oportunidades da batalha para dar o melhor golpe. E o mesmo se aplica aos golpes fisicos, como os personagens são grandes na tela é muito fácil ficar vulneravel se você só sair apertando socos como um aloucado. Como em uma arte marcial, vc precisa estudar o adversário, ter plena ciencia do seu ataque e velocidade e aplicar isso no momento certo.
Logo, tal como a grande comparação aqui que é Virtua Fighter, não é um jogo exatamente fácil pra pegar sair chutando bundas aloucadamente... e por isso mesmo, de forma pouco surpreendente, é menos popular.
Aí você soma isso com uma franquia que ninguém nunca entendeu realmente qual era o ponto de venda dela e um sistema de luta esquisito, e temos como resultado um arcade que não apenas passou batido com a galera como encerrou a franquia - jamais haveria um Art of Fighting 4 até os dias de hoje.
O que é meio que uma pena, pq Art of Fighting 3 é indescritivelmente bem animado, e tem um sistema de luta bem único para um jogo 2D - definitivamente poucos jogos de luta 2D tentaram isso, acho que de cabeça eu posso citar apenas
WEAPONLORD. Talvez hoje fosse mais bem recebido, onde existe uma comunidade de jogos de luta interessada em se debruçar sobre contagem de frames e tempo de reação dos personagens, coisas assim.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 102 (Abril de 1996)
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 026 (Maio de 1996)
MATÉRIA NA GAMERS
Edição 010 (Agosto de 1996)