domingo, 1 de janeiro de 2023

[#1023][Fev/97] STREET FIGHTER 3: The New Generation


E pra abrir 2023, nada melhor que uma continuação que foi agurdada durante seis anos!

Isso pq se tem algo inútil que eu posso fazer nesse blog, é mais uma vez explicar o tamanho do fenomeno cultural que foi STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR. O jogo que deu origem ao genero mais popular no ocidente tomou o mundo de assalto e virou mania mundial com filmes, revistas em quadrinhos, chaveiros, camisinhas... não que alguém que ande com uma camisinha do Honda na carteira corra o risco de precisar usar uma... e saporra toda. Ou seja, Street Fighter 2 era a coisa das coisas.

E em 2008, Street Fighter 4 teve um efeito quase parecido, praticamente sozinho ressucitando os jogos de luta que após isso até hoje são uma coisa que movimenta multidões e milhões (especialmente como e-sport na cena competitiva). Um dia chegaremos a isso, mas foi SF4 foi uma grande, grande coisa.


E esse trailer ser bonito pra porra ajuda muito

Então, se você é um biscoitinho esperto e aprendeu os números, percebeu que tem uma coisa faltando aqui. Quer dizer, SF2, fenomeno, SF4, o messias dos jogos de luta... então cadê o Street Fighter 3? Pq ninguém fala nele? Essa é a história que contaremos hoje.


Se tem uma coisa nessa vida que a Capcom não tem vergonha de fazer, é explorar suas franquias até o ponto em que NINGUÉM POSSÍVELMENTE AGUENTA MAIS OUVIR FALAR DESSA COISA SEM GRITAR CAPCOM-SAMA YAMETE KUDASAI!

QUE VOCÊ SAIBA O QUE ISSO SIGNIFICA NÃO ME SURPREENDE, MAS SE ESSE TEXTO FOR LIDO POR PELO MENOS MAIS TRÊS PESSOAS QUE ENTENDERAM A REFERENCIA ENTÃO A HUMANIDADE TEM POUCA ESPERANÇA

Já tinhamos pouca desde o começo. SEJE como for, então, Capcom ordenhando suas franquias - como eu posso citar os VINTE E NOVE jogos de Mega Man sem nem entrar nos spin-offs mais bizarros como MEGA MAN SOCCER - e é claro que Street Fighter não teve melhor sorte.



Com efeito, esse foi um problema inicial do jogo: okay, as pessoas querem um Street Fighter 3 e uma hora a Capcom ia ter que fazer, beleza. Agora, pergunta: o que, exatamente, ia ter nesse jogo que a Capcom ainda não tinha feito?  Quer dizer, eles iam lançar um jogo chamado Street Fighter 3 e eles sabiam que ia ter Street Fighter 3 no nome... e meio que as ideias iam até aí.

Isso pq qualquer outra ideia que eles possivelmente poderiam ter, já estava sendo usada em outras franquias naquele exato instante. Só de jogos de luta 2D, por exemplo, a Capcom estava trabalhando na sequencia de NIGHT WARRIORS: DARKSTALKER'S REVENGE, na continuação de STREET FIGHTER ALPHA 2 e no próximo jogo sucessor de X-MEN VS STREET FIGHTER. Ao mesmo tempo... enquanto ainda tentavam emplacar séries novas como CYBERBOTS FULLMETAL MADNESS e Red Earth ... e eu não cheguem nem em 20% de tudo que a Capcom estava fazendo aquela altura, tinha também jogos de outros generos como SUPER PUZZLE FIGHTER TURBO e o novo RESIDENT EVIL.


Sério, a essa altura dos acontecimentos tinha mais gente morando embaixo das mesas na Capcom para trabalhar 23 horas por dia do que em uma COHAB. O que nos leva a Street Fighter 3... sobre o que esse jogo ia ser? Ninguém fazia a mais remota ideia, na verdade, todos estavam cansados demais para pensar.

Pior que isso, a esse ponto a Capcom não tinha uma política de que cada projeto teria o seu produtor individual, então Okamoto (que foi o diretor de STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR e era visto como uma lenda na Capcom) estava com três palmos de lingua pra fora cuidando de diversos projetos diferentes ao mesmo tempo.


Com efeito, o que a Capcom fez foi pegar um bando de novatos na casa e jogar eles numa sala dizendo: "vão bolando alguma coisa aí, a medida que os senpais forem liberando dos seus projetos atuais eles ajudam vocês". Então pode parecer muita coisa dizer que houveram SEIS anos de espaço entre SF2 e o SF3, mas a verdade é que muito pouco desse tempo foi gasto desenvolvendo o jogo - e mesmo nisso a maior parte foi com uma equipe de noobs que não eram os medalhões internos do estúdio.

Só que fica pior.



Isso pq, em sua luta contra a crescente aceitação dos jogos de luta 3D como TEKKEN 2 ou SOUL EDGE, e em sua eterna luta contra a SNK pelo controle dos arcades, a Capcom estava - obviamente - desenvolvendo uma nova tecnologia de fliperamas. Uma nova placa mais poderosa que faria todos que passassem pelo fliperar exclamar PARANGARICOTIRIMIRRUARU quando vissem o quão foda os novos arcades da Capcom seriam. Essa era a placa CPS3 (apenas para referencia, a CPS1 era a engine na qual rodava FINAL FIGHT e STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR, a CPS2 era a placa de STREET FIGHTER ALPHA 2 e X-MEN VS STREET FIGHTER).

O que é tudo muito bom, tudo muito bem, mas... talvez, apenas talvez, não seja o melhor momento para você lançar uma nova tecnologia (o que significa novo aprendizado de programação) com um time sem experiencia trabalhando em um jogo no qual eles já não tinham grandes ideias em primeiro lugar.


Shinichiro Obata (que estava trabalhando em Darkstalkers 3 a essa altura) conta que quando terminou sua parte em DS3 e foi integrado ao time de Street Fighter 3... faltavam seis meses para o jogo lançar e não tinha nada ainda. Quer dizer, tinham animações bonitas, mas não tinha um conceito, não tinha mecanicas, mal tinham personagens. Praticamente nada. Era um terror.

The thing about Street Fighter 3's team was that, surprisingly, even though it was Capcom, which was known for fighting games, 70% to 80% of the team members had no experience making fighting games. Why that was the case, I honestly have no idea. But there were people in the team who were quite inexperienced. I think more than half of them — mainly the planners and programmers — weren't really familiar with fighting games at all. By this point, a lot of the old guard, the people who had worked on fighting games beforehand like [Street Fighter 2 co-planner Akira] Nishitani, had already left the company. And even amongst those of the older Street Fighter games who were still around at Capcom at the time, most of them were not on the Street Fighter 3 team. They had all the know-how, but they were all on the Street Fighter Alpha team. And the Street Fighter Alpha team and the Street Fighter 3 team never really shared much information with each other.

Mas calma que piora.


Isso pq, após um bom tempo sem ter muita ideia do que fazer com o jogo, no desespero a Capcom decidiu apenas fazer o simples: vai ser um Street Fighter normal, só que com um elenco inteiramente novo. Pronto, os novos personagens seriam o atrativo do jogo, resolvido o problema do que esse jogo teria de diferente!

HÃ... ENTÃO O PLANO DOS CARAS ERA ABANDONAR O SEU BEM MAIS VALIOSO, UM ELENCO DE LUTADORES RECONHECIDOS E AMADOS NO MUNDO TODO PARA COMEÇAR DO ZERO? ALGUMA VEZ ESSES CARAS JÁ CONVERSARAM COM UM SER HUMANO? PQ EU PRECISO TE DIZER, AS PESSOAS NÃO LIDAM BEM COM ESSE NÍVEL DE DESAPEGO NÃO...


O que o desespero não faz, né? Sim, hoje abandonar todo amado elenco de Street Fighter 2 para começar do zero é CLARAMENTE uma ideia horrorosa... e em 1997 também era. Só que a Capcom não viu isso. Ou melhor dizendo, meio que viu, mas tarde demais.

Isso pq a ideia original era ter o americano Alex como protagonista, pq a Capcom queria o money-money de um mercado muito maior que o japonês, e é por isso que na intro do jogo ele é CLARAMENTE o protagonista do jogo:


Essa ideia tinha dois problemas fundamentais que é até incrível como a Capcom não viu isso. O primeiro é que, bem, você está substituindo um dos personagens mais iconicos dos videogames - todo mundo e a mãe de todo mundo sabem quem é o Ryu. Esse é um problema. O outro, no entanto, é mais abismal ainda: essencialmente, Alex é o equivalente do Zangief nesse jogo - o wrestler sem magias com especial de agarrões foda.

E o problema é que Zangief, embora seja muito forte quando masterizado, é o personagem mais dificil de aprender a jogar em SF. Então ótimo, o personagem no qual o marketing vai ser feito em cima, o cara que os novatos vão pegar pra ter a primeira experiencia com o jogo pq é o rosto que eles viram nas propagandas ou no attract mode... tem o estilo de luta mais complicado do jogo. 

Assim que os veteranos da empresa foram se juntando ao projeto na reta final e viram isso, a reação deles foi basicamente:


Mas é óbvio que a primeira coisa que foi feita, no apavoro, foi trazer o Ryu para esse jogo. Alias como estavam faltando lutadores prontos, aproveita e trás também o Ken para economizar frames de animação - com já tinha acontecido desde o primeiro jogo. Quanto mais as coisas mudam, mais elas continuam iguais.

Então SF3 tem o Ryu e o Ken como medida de emergencia, mas é só. Todo o elenco é inteiramente novo e eu suponho que não preciso dizer em como as pessoas reagiram a NÃO ter o seu personagem favorito de SF2 na tão aguardada continuação lançada 6 anos depois:


Desde o inicio a coisa toda não tinha como dar certo... e ainda fica pior. Pois é, tem dia que é noite, né?

Pq lembra que eu disse que o jogo foi desenvolvido na ultra magnanima poderosa do futuro turbo plus nova placa CPS3? Então, a boa noticia é que o jogo ficou lindo e meudeusduceu como ficou bem animado - com efeito, o jogo tem mais de 1200 quadros de animação desenhados a mão, é uma parada nível ART OF FIGHTING 3: The Path of the Warrior de bonito.

As artes pós-luta são lindas, mas a Capcom não teve o menor constrangimento de meter o fanservice safade

A má notícia é que isso é um problema. Primeiro que a CPS3 era fucking CARA e é por isso que qualquer boteco do multiverso tinha uma máquina de SF2, mas você viu poucas máquinas de SF3 na vida (se é que já viu alguma). Porém o problema era maior que isso: adaptações domésticas.

Um dos indiscutíveis segredos do sucesso de SF2 foi que todos os consoles possiveis e imaginaveis do universo ganharam uma versão dele. Apenas no Super Nintendo, SF2 vendeu mais de 6 milhões de unidades e isso significava muitos money-moneys para a Capcom. Então usar o arcade mais como uma vitrine para empurrar o seu port doméstico era uma estratégia sólida e bem sucedida... que não tinha como rolar aqui.

Outra mudança maneira é que a Capcom não foi tacanha com cenários, tendo mais de um a cada luta

Isso pq seria que mas nem a pau juvenal que o Playstation ou o Saturn conseguiriam rodar um port desse jogo. Diabos, o PS1 suava em bicas para rodar os jogos da CPS2, o Saturn precisava de um cartucho de expansão de memória RAM pra não explodir em chamas e o Nintendo 64... coitado do Nintendo 64, não tem nem como começar a conversa, não com o tamanho limitado de um cartucho.

ANYWAY, a Capcom teria que fazer uma versão exclusiva para os consoles domésticos praticamente do zero. Ou seja, só valeria o trabalho se a marca Street Fighter 3 fosse um colossal sucesso nos arcades... só para o publico, esse jogo era apenas Street Fighter com menos de tudo que existia nos jogos de luta aquela altura: nenhuma mecanica realmente nova, sem os personagens que todo mundo gostava, sem os combos insanos gimmicks de tag team que eram moda na época (como em THE KING OF FIGHTERS 96 ou X-MEN VS STREET FIGHTER)... geez, boa sorte com isso.



E pra piorar mais ainda, eu preciso realmente informar que o chefe final desse jogo... é o Inri Cristo Jojo Illuminati do Paraná Clube. Não, eu não to zoando, olha isso:


Gill foi realmente um projeto de experiencia genética dos Illuminati e se acredita ser o Messias com o dever salvar a humanidade - ou aqueles da humanidade que ele achar digno, mais especificamente - e para isso ele organiza um torneio de luta, só pra garantir que não tem ninguém mais puro e messianico do que ele, o que é sempre decidido pela altercação de sopapos, claro.

E por razão nenhuma, ele é basicamente uma camisa do Paraná Clube.


Tá, existe um motivo sim: o esquema de cores assimétrico de Gill foi um dispositivo para a Capcom exibir o poder gráfico da placa CPS3. Nos jogos 2D Street Fighter anteriores, detalhes como o tapa-olho de Sagat mudavam de lado dependendo da direção que o personagem estava enfrentando, então ele ser pintado assim servia pra mostrar que o hardware aguentava (e isso é um bom exemplo de algo que que teria que ser refeita em um port doméstico).

Ainda sim, estamos falando de 1997, o ocidente - e em especial os Estados Unidos - não eram tão abertos assim com uma abordagem mais Jojolicia de um homão de tanguinha. Vc sabe como era aquela era. Se fosse hoje, a única real reclamação seria o tema dele não ser esse: 


Mas novamente, em 1997 o pessoal não era tão de boas...


O resultado dessa schadenfreude é que a máquina original de SF3 vendeu aproximadamente 1000 unidades. Para você ter uma ideia de comparação, FINAL FIGHT vendeu aproximadamente 30 mil máquinas e STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR (apenas a primeira versão) vendeu aproximadamente 75 mil unidades. Adicione a isso que, como eu disse, a CPS3 era BEM cara...


... e temos a tempestade perfeita aqui. Temos um jogo que já não foi bem em um ambiente que já não ia tão bem assim, já que os arcades estava perdendo popularidade no ocidente. Porque sair de casa para jogar uma ficha por R$2,50 quando vc tinha os jogos muito perto disso no Playstation ou Saturn - não raramente com extras muito maneiros, como era o caso de TEKKEN 2.

Então, essa, meus caros é a história de como a continuação de um dos top 5 jogos mais famosos de todos os tempos... é um jogo que pouca gente ouviu falar e menos gente ainda se importa. Porém, precisa ser dito, esse é claro que não é o fim dessa história. 



É apenas questão de meses desse ponto em diante da Capcom lançar uma nova versão (que era como se faziam patchs de update antigamente, vender o jogo inteiramente do zero, os bons e velhos tempos)... então essa definitivamente não será a última vez que vocês me ouviram falar de Street Fighter 3.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 114 (Abril de 1997)


Edição 115 (Maio de 1997)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 035 (Fevereiro de 1997)


Edição 037 (Abril de 1997)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 014 (Janeiro de 1997)




Edição 015 (Fevereiro de 1997)




Edição 019 (Junho de 1997)