sábado, 29 de abril de 2017

[AÇÃO GAMES 006] ULTIMA IV: The quest of avatar (Master System) [#040]



Se uma coisa pela qual os jogos da Bioware são conhecidos, são por integrar um sistema de escolhas e moralidade em uma aventura épica. Só que o que pouca gente sabe é que não foi nem a Bioware nem Elder Scrolls que inventaram isso - o crédito pertence a um RPG muito estranho criado na metade dos anos 80 e que mudou para sempre a forma como as pessoas pensavam RPG.

O sistema de seleção de classe através de um
questionário de personalidade é muito bom ainda
hoje
Ultima IV é, obviamente, o quarto jogo de sua série mas é um bem diferente de tudo que havia sido feito até então. Os três primeiros Ultima são RPGs bastante tradicionais: grande vilão, salvar o reino, meter porrada, talvez resgatar uma princesa. Ok, fine.

Mas seu criador, Richard Gariott, não estava feliz com isso. Ele queria uma experiencia mais aberta, mais ligada ao RPG tradicional ao redor da mesa, e foi dessa insatisfação que nasceu Ultima IV: A busca pelo avatar.

Neste jogo seu objetivo não é derrotar nada e sim se tornar o avatar das 8 virtudes do bem: honestidade, coragem, justiça, sacrificio, humildade, compaixão, espiritualidade e honra. Sim, diferente de quase todos os outros RPGs do mundo o jogo não se passa em uma era de trevas e mal opressor, e sim em uma era de paz, e seu objetivo é se tornar o Chosen One dessa era.

Mas como isso funciona em termos de gameplay?

Bem, as oito virtudes são medidas conforme o seu comportamento no jogo. Não existe um medidor visual para o jogador, mas o jogo toma nota de suas ações e conta pontos para subir suas virtudes. Na prática, na prática, isso funciona assim:

HONESTIDADE: Nunca minta para os NPCs
COMPAIXÃO: Ajude os mendigos e feridos te que pedem auxílio
CORAGEM: Nunca fuja de um combate
JUSTIÇA: Nunca pague menos do que o vendedor te pede (existem vendedores cegos que podem ser feito o rapa na loja deles), e sempre faça escolhas de acordo com a lei
SACRIFICIO: Sempre tome a frente de seus aliados na batalha e doe sangue para ajudar os necessitados
HONRA: Sempre cumpra sua palavra (ou seja, as quests que você aceita)
ESPIRITUALIDADE: viaje o mundo e converse com sábios de todos os templos
HUMILDADE: Converse com todas as pessoas que ver, e sempre as trate com respeito independente da classe delas. Saiba seu lugar no universo (não saia alardeando que você é o fucking chosen one, por exemplo).

Além disso o jogo testa suas virtudes de formas muito inteligentes. Por exemplo em uma determinada cidade você encontra dinheiro no chão. Perto dali tem um mercador que diz que perdeu sua carteira e um mendigo pedindo ajuda para tratar a filha doente. Você pode ficar para você e gastar em equipamento para as masmorras (coragem), você pode dar para o mendigo (compaixão) ou você devolver ao comerciante (justiça). Em última instancia, a escolha é sua.

Mesmo hoje poucos jogos tem esse nível de script disponível ao jogador.

"Aquela era uma excelente pizza que você esqueceu no forno, Adriane"

Tá, mas então o que você faz no jogo? Qual é o objetivo além de ser um "Wander over yonder simulator"?

Bem, você tem algumas coisas para fazer de fato: você tem que viajar por toda as oito cidades do mundo (usando os Moongates, um sistema de teletransporte muito original que só abre e te leva para outros lugares de acordo com as fases da Lua), conversar com as pessoas e descobrir como obter a runa de cada lugar. Obtendo a runa você vai ao templo, faz a quest de lá (as vezes é uma dungeon, as vezes é só uma quest mesmo) e se purifica em uma das oito virtudes, e após ter dominado as oito virtudes vai ao reino central, fala com o rei e é promovido a Avatar - onde você precisa fazer uma última dungeon para concluir o jogo.

Parece uma ideia realmente genial para um jogo, mas não seria um tanto ambiciosa para sua época? Quer dizer, mesmo hoje isso seria uma ideia ambiciosa (sim Fable, estou olhando pra você) embora ele tenha influenciado muitos jogos como Black and White, Elder Scrolls, Mass Effect...

Sim, seria. E foi. E é aqui que começam os problemas: Ultima IV é um jogo muito melhor no papel do que ele é na prática. Para começar, a interface do jogo é essa: 


Boa sorte tentando entender isso.

E em nenhum momento o jogo te diz absolutamente nada sobre nada. Ele te larga lá e deu pros cocos, te vira magrão. Esse resumo que eu fiz ali em cima sobre o que você tem que fazer no jogo veio após várias horas de pesquisa e gameplay frustrado, porque o jogo realmente não te dá nada.

E por nada eu quero dizer nada mesmo: nenhum mapa, nenhuma missão, sequer alguma dica não-criptica sobre o que você tem que fazer na tela. As mecanicas básicas do jogo são explicadas pelo manual (o que são as virtudes, como os moongates funcionam, etc) mas o que fazer com elas é algo que só dezenas de horas andando para lá e para cá no jogo te ajudariam a figurar.

Eu sei que seu primeiro impulso é dizer que isso é coisa de gamer nutelinha que que gamer de verdade tem que... no que eu posso te pedir para parar bem aí. Aí nesse exato lugar onde você está de dedo erguido.

Seu objetivo final do jogo é se tornar Jesus-Moisés surfista do Ahnk


Eu cresci na geração dos anos 1980 e 1990, e aprendi por mim mesmo os meandros do hardware de PC e do DOS apenas para que esses jogos funcionassem. Eu aprendi e joguei qualquer número de jogos complexos, e mesmo durante esse tempo eu sempre achei os jogos Ultima bastante tediosos e desinteressantes de se jogar.
Os elementos "inacessíveis a geração nutelinha" deste jogo são puramente devido à escolhas de design de jogo devido a tecnologia dos anos 80 que ainda estavam em um estado primitivo de desenvolvimento. HOJE não existe nenhuma razão para lidar com isso.
Mesmo depois de aprender a elaborar poções, falar com cada aldeão e tomar notas sobre o que eles dizem - o jogo ainda não é muito divertido de se jogar. O sistema de inventário é pavoroso e o combate me faz ter sérias duvidas sobre as escolhas mesmo para os padrões da época. Eu realmente prefiro que os meus jogos não pareçam com um dever de casa, obrigado. 

Eu acho que as pessoas cometem o erro de equiparar "importante" a "agradável". Você pode apreciar as contribuições que Ultima IV fez para os videogames enquanto jogo - que são enormes - admitindo que ele envelheceu absolutamente mal e dá ao jogador moderno quase nenhuma razão para joga-lo. Ou isso ou são apenas os bons e velhos óculos de nostalgia trabalhando. De qualquer maneira, o porta do NES deste jogo é um pouco mais jogável - ele parece bem mais um JRPG - se você estiver realmente curioso sobre ele, mas já adianto que não é muito melhor realmente.

Ultima IV é um daqueles jogos que foi impressionante na sua época por seus conceitos (mundo aberto, sistema de moralidade), mas não passa no teste do tempo em termos de simplesmente se divertir com ele. Além de quão exigente é sobre usar referências externas e fazer seus próprios mapas e notas, não há sequer uma história e o diálogo é tão simplista quanto se pode ser.

E enquanto o sistema de "escolha moral" era uma idéia pioneira e indubitavelmente influente em todos os tipos de outros jogos, na prática é tão primitiva quanto possível. O objetivo é ir ao redor do mundo aumentando seus oito níveis de "virtude" fazendo boas ações, já que você precisa dominar as oito virtudes para abrir a dungeon final. As ações de "virtude" são risivelmente simplistas - dar dinheiro infinitamente para aumentar a sua compaixão, por exemplo.

Em termos gerais, Ultima IV é igual a Shakespeare ou Machado de Assis: foram ótimos e relevantes em seu tempo, ainda são influentes hoje, mas você não pode simplesmente abrir um livro e simplesmente se divertir sem ter um caderno do lado para reescrever o texto em linguagem atual. Embora as ideias ali sejam atemporais, a forma de execução realmente não é.



Temos equipamentos agora, temos formas melhores de fazer as coisas. E estamos acostumados com isso. Entregar U4 a um gamer moderno é como chegar em um motorista moderno e dizer que por uma semana eles vão ser obrigado a usar um modelo-T não modificado, completo com o carburador aberto e freios acionados por cabo. E ignição a manivela. Assumindo que ele consiga ligar o carro sem ser incendiado, quebrar um braço (ou rosto) com um rabo de alça de arranque, ou morrer quando a coisa toda capotar na primeira curva, não vai ser uma experiência agradável mesmo assim conduzir uma armadilha que não passa de 20km/h - embora os frios sejam tão ruins que você vai ficar feliz que ele não vai mais rápido que isso mesmo.

Isso não quer dizer que o modelo-T não foi importante, ou que Shakespeare não foi importante, ou que Ultima IV não foi importante. Só quer dizer que não podem ser apreciados hoje como divertimento pelo que foram na época.