segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

[AÇÃO GAMES 004] THE SECRET OF MONKEY ISLAND (ou nunca pague mais que 20 paus num jogo) [#126]


Quando eu escrevi sobre Maniac Mansion, disse que o legado que o jogo deixava era muito mais seu conceito de engine que criou os jogos point'n click do que o jogo em si. Bem, isso é compreensível: a equipe da Lucas Arts gastou boa parte do tempo e dos recursos trabalhando em criar a SCUMM engine do que no jogo em si.

Bem, imagine esse texto como uma sequencia dessa narrativa: a continuação começa alguns anos no futuro agora. Quatro jogos depois, Ron Gilbert e Gary Winnick não são mais novatos na area, pelo contrário: são profissionais respeitadíssimos que sabem exatamente o que funciona e o que não funciona em um jogo. Aliado a isso, a SCUMM engine está em seu mais pleno funcionamento.

O que significa que nossos amigos da Lucas Arts agora tem o equipamento, o tempo, os recursos e a experiência para fazer um dos melhores jogos de suas carreiras. E foi isso que eles fizeram. Hoje falaremos sobre o Segredo da Ilha do Macaco!



O Segredo da Ilha dos Macacos começa com nosso jovem e franzino herói, Guybrush Threepwood declarando que seu sonho é ser um pirata e por isso ele está na Ilha Mêlée - apenas para ser caçoado nenhum pirata de respeito se chama Threepwood! Talvez um vendedor de sapatos ou um açougueiro sem talento, mas não um pirata!

Essa é uma excelente introdução, porque em apenas poucos minutos já passa tudo que precisamos saber como será o feeling do jogo daqui para frente. Logo Guybrush aprende que para ser um pirata ele precisa vencer os três desafios: dominar a arte da luta, do roubo e da caça ao tesouro.

Você pode resolver as três missões na ordem que quiser, é claro que isso não é TUDO que o jogo é. Secret of Monkey Island iniciou a tradição nos jogos de dar várias quests paralelas e assim que elas forem resolvidas então a main quest se revela. Você deve conhecer esse esquema dos jogos de Mass Effect (ou quase qualquer coisa da Bioware, na verdade), mas foi aqui que ele nasceu.


Falando em mudar paradigmas, a outra grande mudança do jogo de aventura padrão é que é impossível ficar preso ou ser morto, exceto por algumas pequenas instâncias onde você realmente precisa se esforçar muito para fazê-lo. Ok, ter um point'n click que você não tem como terminar o jogo porque gastou um item ou deu uma resposta errada, ou mesmo foi no lugar errado na hora errada parece o óbvio do óbvio, certo?

Bem, este pode ser um procedimento padrão agora, mas no início dos anos 80, quando os jogos Sierra ainda estavam matando você por caminhar pela laje errada, esta é uma melhoria drástica. Há até um deboche onde você pode Guybrush cai em um penhasco porque você pisou no pixel errado, o que resulta em uma mensagem Game Over exatamente como os jogos da Sierra ... apenas que aqui Guybrush volte em segurança (porque caiu em cima de uma seringueira, o jogo te explica)


Dos três desafios iniciais, o mais interessantes é o de aprender a lutar. Os desenvolvedores queriam incluir a luta de espadas no jogo, mas sabia que a maioria dos jogadores de aventura odiava os elementos de ação mal implementados típicos de outros jogos. Tirando inspiração das respostas rápidas e inteligente dos velhos filmes de Errol Flynn (o nome pode não lhe ser familiar, mas é o cara que você imagina quando pensa no Hobin Hood), todas as lutas de espadas são vencidas ou perdidas através de insultos. Mas não qualquer insultos: todos os seus "ataques" no jogo foram escritos pelo famoso autor de ficção científica, Orson Scott Card (que escreveu "O Segredo do Abismo" e "The Ender's Game").

Funciona assim: um pirata vai dizer um insulto, e o outro precisa responder com um retorno apropriado. Se você escolher certo, você ganhará uma vantagem. Se errar, e você recua.

Por exemplo:
 


 ou então



Aprender esses insultos e respostas não é algo que vem naturalmente - em vez disso, você precisa "combater" repetidamente piratas ao redor da ilha para aprender frases novas, até que você tenha construído uma biblioteca bastante abrangente de conhecimento. Depois de atingir esse nível, você precisa lutar contra o mestre da espada, onde as coisas funcionam um pouco diferente. Aqui, você está sempre à defensiva, além do Sword Master tem uma série de insultos totalmente novos. Você precisa encaixar as respostas que você já tem de maneiras totalmente novas. 

É o "sistema de combate" mais inteligente que eu já vi, e por si só dá uma mostra do nível elevado de boas sacadas que compõe esse jogo.

Outro momento épico de Monkey Island ocorre quando você se esgueira para invadir a mansão do governador. Ao invadir e desaparecer da vista para uma sala de segundo plano, o jogo muda para o piloto automático, já que Guybrush comete várias ações invisíveis, cada vez mais absurdas que nós vemos através de texto, desse jeito:


No final você é capturado pelo xerife Fester Shinetop (que é careca, entenderam a piada aqui, hã, hã?), e é jogado no fundo do mar com o ídolo preso em sua perna. Você está cercado por meia dúzia de objetos afiados diferentes, cada um dos quais pode cortar a corda, mas, ironicamente, eles estão fora do alcance. A solução para este puzzle é genial uma vez que você pensa sobre ela. Este também é o único ponto em que você pode realmente morrer - Guybrush pode prender a respiração por dez minutos, afinal, mas mais que isso e ele realmente se afoga, tornando-se verde e o menu de ações muda para para várias ações mórbidas como "Bloat", "Rot" e "Order Hint Book".

Este é apenas um exemplo de como o jogo é bem pensado, e parece realmente que os programadores se divertiram pra caramba em cada cena dele. Depois de completar os três ensaios, Guybrush descobre que a vida de um pirata não é tão fácil, especialmente quando ele se apaixona pelo bela governadora, que foi seqüestrada pelo pirata fantasma LeChuck e levado à sua fortaleza na Ilha dos Macacos. Depois de montar uma tripulação e obter uma embarcação de Stan, o vendedor de barcos usados, hipercrático e barulhento, Guybrush prontamente se dirige para o mar e quase imediatamente se encontra diante de um motim. Por sorte, os membros da tripulação são muito preguiçosos para realmente fazer algo vicioso, então Guybrush é deixado a trabalhar sozinho para encontrar o caminho para Monkey Island.

A terceira parte do jogo se passa na própria Ilha do Macaco, onde Guybrush tem que resolver os puzzles tendo como figurantes um naufrago maluco e canibais vegetarianos. Sim, isso mesmo. É assim que as coisas rolam por aqui. Nenhum deles está feliz com a presença de LeChuck e, eventualmente, o ajudam a encontrar seu caminho através das curvas infernais da ilha até o navio fantasma de LeChuck.

No capítulo final o elenco retorna à Ilha Mêlée, onde Guybrush clichezisticamente tenta parar o casamento entre LeChuck e a governadora sequestrada, apenas para ter os clichés do genero esculhambados.


O meu ponto é que a primeira vista, o mundo de Monkey Island parece ser relativamente normal - pelo menos, tão normal quanto um jogo de computador sobre piratas pode ser -, mas existem pequenos pedaços de estranheza que saem do nada. O jogo é muito consciente do quão bobo é (tanto que a última frase do jogo é essa do título do texto), mas como as melhores pataquadas, toda a estranheza faz sentido dentro do universo proposto. O jogo brilha em seu melhor quando quando se permite explorar sua sua própria lógica de quebra-cabeças bizarra. Em um ponto, você tem que fazer uma receita que precisa de vários itens, incluindo um crânio esmagado e sangue de macaco. Não há nenhum crânio ao redor, mas você tem uma bandeira de pirata amarrotada. E não há sangue, mas nosso herói improvisa com vinho tinto que é basicamente o mesmo, certo? Err, certo?

Matéria na edição 004

O Segredo da Ilha do Macaco também introduziu o mundo do jogo ao grog, a bebida favorita de piratas em todo o Caribe. De acordo com os Three Important Looking Pirates no bar, o grog consiste em um ou mais dos seguintes itens: querosene, propilenoglicol, adoçantes artificiais, ácido de bateria, rum, acetona, ácido de bateria, tintura vermelha # 2, escória, oleo lubrificante e/ou pepperoni. Apesar de sua natureza excessivamente cáustica, também pode ser misturada em várias outras bebidas, incluindo grogatinis e grogaccinos. (Brilhantemente, um programa de notícias de TV argentino encontrou esta receita publicada no Facebook e relatou como se fosse real. Não é só no Brasil que temos um jornalismo fantástico!) 


Não há algo como um "NPC genérico" durante todo o jogo, já que quase todos os que você pode conversar têm algum tipo de peculiaridade bizarra. Dentro dos primeiros cinco minutos, Guybrush é introduzido (e insultado pelo) ao vigia da Ilha Mêlée, que é, ironicamente, cego; um pirata hipócrita que se burla de Guybrush apesar do seu nome ridículo ("Mancomb Seepgood"); um cara dopado que dificilmente pronuncia uma palavra, a menos que pergunte sobre o Loom, outro jogo de aventura da LucasArts; um cão que principalmente grunhenta e ladra, mas ocasionalmente pode murmurar uma palavra compreensível; e o trio de Important Looking Pirates que inventaram uma série de testes elaborados por nenhum motivo real além do fato que eles podem.

As três escolhas de diálogo quando você fala pela primeira vez aos piratas estabelecem o tom para o resto do jogo - você pode seguir a rota direta ("Eu quero ser pirata"). A rota louca e descarada ("Quero matar a todos") ou o bobo, não-sequitur (" Eu quero ser um bombeiro "). Muita diversão vem com as escolhas de diálogo. Há respostas diretas em qualquer situação, mas é mais divertido escolher as respostas completamente aleatórias ("Call me Squinky") ou as respostas desnecessariamente beligerantes. Ao visitar uma casa em uma ilha solitária, Guybrush pode insultar o morador, que é calvo, o que nos brinda com o seguinte dialogo:

Meathook: Who are you?
Guybrush: I'm a pirate, cannonball-head. Who are you?
Meathook: My name's Meathook... and I think you've got a little attitude problem!
Guybrush: Well, I think you've got a little hair problem.
Meathook: Geeze! You just don't know when to quit, do you?
Guybrush: Obviously, neither did your barber.

Este é um jogo em que o antagonista decide que Guybrush é uma ameaça a seu "plano" por nenhuma razão real, ou que a governadora se apaixona por nosso herói porque, bem, ele é o herói. Toda vez que um personagem menciona o nome de uma ilha, é designado com um pequeno símbolo de marca (Mêlée Island ™), algo que nunca é citado diretamente, mas é emblemático do tipo de humor de campo esquerdo completamente aleatório que veio tipificar não apenas a série Monkey Island, mas os jogos de adventure da LucasArts em geral.



Em 2009, a LucasArts lançou um remake sob o nome The Secret of Monkey Island: Special Edition, para PC, Xbox 360, PlayStation 3 e várias plataformas móveis. Ele é construído em cima do código do jogo original, então ele funciona quase exatamente da mesma maneira, mas com gráficos e som aprimorados. Isso significa que não é apenas o mesmo jogo, mas também permite alternar entre os gráficos originais e a versão refeita.

Mas a parte realmente importante sobre o remake de 2009 é que foi adicionada dublagem ao jogo, e foi escolhida uma dublagem pateticamente divertida que é perfeita com o humor peculiar do jogo! Era o complemento que o jogo precisava, esse é um daqueles casos em que o remake ficou melhor que o original!


Se você, como eu, nunca tinha jogado um verdadeiro point'n click (embora tecnicamente eu tenha jogado Maniac Mansion antes, mas isso conta mais como um beta do modelo do que um jogo inteiramente desenvolvido), então é seu dever como gamer descobrir o Segredo da Ilha do Macaco. Preferencialmente dublado. E se você já jogou esse genero, mas nunca jogou esse jogo... o que você está fazendo da sua vida, dude?

Mas se nada do que eu disse até agora adiantou, então... OLHA, ATRÁS DE VOCÊ! UM MACACO DE TRÊS CABEÇAS!

VERSÃO PARA SEGA CD
EDIÇÃO 051