segunda-feira, 1 de abril de 2024

[#1263][Out/98] THE FIFTH ELEMENT

O Quinto Elemento não é uma obra de arte filosófica, não é um drama com valores morais complexos, não é um bom filme de ação com manobras incríveis e vilões legais ou nem mesmo sequer uma boa comédia, dado que ele mais sério do que uma comédia comum. Com efeito, muitos de vocês vão ficar bem pouco surpresos ao descobrirem que ele foi escrito por um adolescente - caso a incapacidade da personagem da Milla Jovovich de cobrir sua barriga não tenha dado a deixa.

O que tem que ser levado em consideração, entretanto, é que esse adolescente em questão era Luc Besson, o maior diretor de filmes de ação da história do cinema europeu. Claro, você pode argumentar que ser o maior diretor de ação da Europa é meio que o equivalente a ser o maior jogador de basquete da história do Chile: com certeza é alguma coisa, mas não é ser o maior jogador de basquete da NBA.

Seja como for, muito antes de fazer cenas como essa...


... Luc Besson escreveu O Quinto Elemento quando era adolescentena tentativa de aliviar o tédio. Ele começou a escrever o roteiro quando tinha 16 anos, originalmente imaginando a história como um livro, embora o filme não tenha sido lançado até os seus 38 anos. E quando você olha para ele como um todo, O Quinto Elemento definitivamente é um filme que o todo é maior que a soma das suas partes.

O que eu quero dizer, com isso, é que embora não se possa dizer que este seja exatamente um bom filme de um ponto de vista tecnico, ele é definitivamente mais uma bagunça que acerta no que tenta fazer. Com isso, eu quero dizer, por exemplo que o grande vilão do filme é realmente "O Mal". E por isso eu quero dizer EXATAMENTE isso: o vilão do filme é realmente uma grande bola de maldade voando pelo espaço, chamada de "o Mal". Sério.



Se isso lhe parece estúpido e divertido, você meio que já entendeu que tipo de filme teremos aqui. O filme já começa extremamente exagerado e ridiculo com aliens-robos no Egito e em nenhum momento tira o pé do acelerador, jogando os clichês cansados ​​que todos nós vimos em milhões de filmes de ação ao longo dos anos - com a diferença que o filme tem total e plena ciencia disso.

Como é o caso do nosso herói Korben Dallas, que basicamente contrataram oBruce Willis e disseram pra ele "hã, faça suas coisas de Bruce Willis, eu acho..." e essa foi toda direção que ele teve. O que é justo, se você vai a um filme do Bruce Willis esperando ver o Bruce Willis, você vê o Bruce Willis sendo o Bruce Willis. Não tem nada de errado em não tentar reinventar a roda, eu te digo.

E enquanto Korben é tecnicamente o protagonista, a coisa que o publico certamente mais vai lembrar do filme por Leeloo, um clone de uma raça de "seres perfeitos" que tem praticamente a divindade no seu DNA, porém quando ela é reconstruída pelos humanos ela fica com o corpo da Mila Jovovich por razão nenhuma. Suponho que esse filme seria menos atraente se ela tivesse a aparencia de uma Tartaruga Ninja cyberpunk, mas então o que eu sei realmente sobre cinema?

Da forma que o filme explica as coisas, tecnicamente essa deveria ser a aparencia da Leeloo

O que importa é que supostamente Leeloo é o ser perfeito, tem no seu DNA a resposta sobre a vida, o universo e tudo mais (incluindo kung-fu, obviamente), e ela chuta bundas e anota nomes. Até o momento que ela não faz mais isso

Bem, depois do ato inicial e durante a maior parte do resto, ela come frango e aprende como são os seres humanos (spoiler: not great), e se vc pensar muito sobre como eles deixaram ela de lado para fazer um filme sobre o Bruce Willis, o fato que esse é um filme dos anos 90 pra caceta e que mulheres tinham obrigatoriamente que ser a mocinha indefesa/sidekick pouco útil do herói. A menos que você seja TERMINATOR 2: JUDGEMENT DAY, pq aí a Sarah Connor descarrega uma escopeta na sua cara e foda-se. Filmaço da porra. Mas divago.

Adicionalmente, após o filme Luc Besson largou a esposa e se casou com Mila Jovovich. Multipass!

O Quinto Elemento é provavelmente o filme de ficção cientifica mais ambicioso da história da Europa, e você pode ver isso dado o quanto ele junta ideias de outras midias que o tornam um amalgama único. O tema e a estética invocam a egiptologia cósmica de STARGATE (1994). Os uniformes da polícia e a intersecção particular entre a desordem pública generalizada e a autoridade estatal excessivamente poderosa (embora desordenada) vêm dos quadrinhos do JUDGE DREDDBLADE RUNNER também está na sala. 

Pedaços da paisagem urbana e o design do veículo são derivados de quadrinhos sci-fi europeus como Valerian e Laureline (que anos mais tarde tambem seria adaptado por Besson para o cinema em "Valerian e A Cidade dos Mil Planetas"). O design do navio de cruzeiro Floston Paradise reflete não apenas isso mas também a onda de ripoffs de filmes do Titanic lançados por volta de 1997. Æon Flux complementa com seu figurino assim como o trabalho icônico do artista gráfico europeu Moebius


Tudo isso se dá através de um nível de detalhes que pode passar batido a uma primeira vista mas que vai montando um cenário interessante no background da mente do espectador. A greve do lixo, as minúcias do painel de um taxi em 2263, a equipe de detetização que elimina baratas gigantes que dariam um filme só sobre isso e detalhes assim constroem um mundo é raro na ficção científica mesmo hoje: nenhuma dessas coisas é explicada, nenhuma delas sequer é importante para o filme, elas só estão lá para constituir o cenário

Ao mesmo tempo, é um filme tão dedicado ao épico quanto ao cotidiano: as enormes naves espaciais são puro Star Destroyer, e alguns dos figurinos também são do universo visual de Star Wars (com efeito, muitos designers das prequels de Star Wars citaram frequentemente 5th Element como uma inspiração direta). Mas então, novamente, os filmes de “Star Wars” parecem profundos, até mesmo filosóficos, em comparação, mesmo que esse não seja o ponto. O ponto de “O Quinto Elemento” não é pensar, mas sim se divertir a cada cena.



E isso esse filme faz. Seja com uma enorme diva alienígena cuja pele brilha com uma luz azul fantasmagórica e que tem estranhas cordas de tendões saindo de seu crânio enquanto ela canta uma opera-rock, seja com uma espécie de Las Vegas intergaláctica na Chris Tucker fala 84154 palavras por minutos. Tudo verde, verdissimo!

E por isso eu sou bastante estou grato.




O que nos leva ao obrigatório jogo licenciado para vidigueimz obrigatório para a época, lançado um ano depois do filme pela Kalisto Entertainment, na época de certa forma conhecida por meio que ter criado o hack'n slash com NIGHTMARE CREATURES e menos conhecida pelo ambicioso porém esquisito DARK EARTH

Pois muito que bem, jogo de filme dos anos 90, já sabe, né?


Oh fuck...

Bem, vamos lá: como dá pra imaginar, o 5o Elemento basicamente gritava que haveria uma adaptação do filme para videogame e os criadores do filme não apenas apoiaram, mas também participaram da produção do jogo: por exemplo, Eric Serra compôs a trilha sonora do filme e do jogo. Assim como o filme, o jogo virou uma espécie de patrimonio nacional na França: a equipe de Kalisto esteve até no noticiário da France 2, dando uma entrevista sobre o jogo dizendo que fizeram um dos melhores jogos do mundo. Spoiler: não fizeram.

Na campanha de marketing do jogo, apenas Leeloo aparecia e não era pq eles queriam vender para adolescentes com hormonios latejando e a roupa colada da Mila Jovovich se prestava a isso... tá, tambem era por isso, mas também era duvidoso se o personagem do taxista de Bruce Willis estaria no jogo. O que essencialmente foi questões financeiras, já que Willis pediu muito dinheiro para “estar” no título, o que no fim resultou que Korben Dallas (o personagem) está no jogo mas não a reprodução do ator Bruce Willis e muito menos sua voz. O que, dados os gráficos limitados do PS1, também não é a maior perda do mundo o boneco não "parecer" com o Bruce Willis, vamos combinar que não pareceria mesmo que eles quisessem, mas divago.

A capa japonesa do jogo escolheu uma cena... interessante, vamos dizer assim...


Seja como for, isso resultou que Fifth Element são dois jogos diferentes juntos num só: as fases de Leeloo são um hack'n slash até que meio parecido com o que a Kalisto já tinha feito em NIGHTMARE CREATURES, as fases de Korben são tiro em terceira pessoa. O curioso é que as fases são as mesmas para os dois e vc tem que jogar as fases duas vezes, uma com cada personagem dado que existem caminhos que apenas um deles pode seguir.

Assim vc está andando numa area e ve uma grade para se pendurar no teto, aquele é um caminho para seguir na gameplay de Leeloo pois só ela tem essa habilidade. Tem uma grade que precisa ser explodida com uma granada? Esse é o caminho de Dallas. O que, eu vou dizer... eu não odiei esse level design realmente sabe?



Com efeito, é um level design muito melhor do que a Kalisto tinha feito em NIGHTMARE CREATURES e quando eu ficava perdido sem saber onde ir, foi mais por mosqueação minha pq o jogo coloca luzes nos paines interagiveis e mostra cutscenes onde as portas abriram. De todas as coisas que esse jogo pode ser acusado, o level design ser babaca com você definitivamente não é uma delas. É um design bastante bom, e vou dizer que bem menos "PUTAQUEPARIU EU ODEIO QUEM FEZ ESSA BOSTA EU VOU DAR UM TIRO NO CU DE ALGUEM" como aconteceu em TOMB RAIDER 3: Adventures do Lara Croft. Sério caras, eu amo a Laurinha de paixão, mas aquele jogo... sem or.

Isso sendo dito, então pq esse jogo frequentemente é citado entre os piores do PS1? Bem, tem as coisas que os controles são terriveis, animais, canibais. É, tem isso. A diferença nas habilidades dos personagens e o fato de que às vezes você precisa fazer caminhos diferentes nas fases é uma ideia que realmente gostei bastante do jogo, é uma pena que jogar o jogo em si não seja muito melhor que sofrimento e dor.


Eu sei que a ficção científica e videogames jogos exigem uma certa suspensão da descrença, mas porém o fato de que a hit detection desse jogo é tão ruim que Leeloo pode dar um soco em um inimigo que está a alguns metros dela definitivamente é uma coisa muito além disso. Talvez Leeloo seja uma jedi, ou cause dano com socos de ar, porém a verdade é que essencialmente este jogo é onde a Nintendo se inspirou para fazer Arms.

Some a isso que com Korben você não pode realmente apontar sua arma – você apenas precisa apontar Korben na direção aproximada, pressionar o botão e ter esperança. Pouco surpreendentemente, os inimigos não tem esse problema e te atacam tão logo spawnam no jogo - sendo que vc não tem alguma indicação de onde os tiros estão vindos. E não saber de onde vc está tomando tiro somado a controles terrivelmente lentos para virar são a receita da felicidade, eu te digo que nada mais o será. Até pq a Kalisto usa a engine de NIGHTMARE CREATURES e usa os controles de tanque, o favorito de absolutamente ninguém em 1998, quase 1999, pq a desgraça nunca termina.


Felizmente, a IA do jogo é tão desesperadoramente burra que você não se sente sozinho em sua inépcia, e eles frequentemente trancam no cenário. O Quinto Elemento é, mecanicamente, um acidente de trem descarrilhando sobre um level design bacaninha.

O jogo também não foi muito elogiado por seus gráficos quando foi lançado, mas olhando para eles agora, eles não parecem muito piores do que os de TOMB RAIDER 3: Adventures do Lara Croft, lançado no mesmo ano. Tá que você absolutamente não olha para Korben no jogo e pensa "isso é baseado em um personagem do Bruce Willis", e com efeito, existe um jogo chamado Apocalipse que foi lançado exatamente no mesmo ano que O Quinto Elemento com um personagem modelado e dublado por Bruce Willis que é mais parecido com Korben do que o que você encontra aqui. Ainda assim, embora certamente houvesse mais jogos visualmente bem-sucedidos lançados na época, os gráficos não são o problema em O Quinto Elemento


No fim, embora os gráficos sejam criticados, acho mais pq os controles e a câmera são tão terríveis que fizeram o jogo parecer muito mais feio do que realmente era. A irritação com um jogo tende a influenciar nossas impressões sobre ele. Isso e que a engine de NIGHTMARE CREATURES estava totalmente despreparado para representar um cenário cyberpunk, especialmente uma que foi feita com a Londres vitoriana em mente

No fim, é, não tem como dizer que o Quinto Elemento é um jogo bom. Porém para ser um dos piores jogos da história do PS1? Pff, aí é forçar a barra um pouco. O Quinto Elemento é ruim, mas não taaaao ruim quanto dizem na internet.


MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 134 (Dezembro de 1998)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 054 (Setembro de 1998)


EDIÇÃO 058 (Janeiro de 1999)