quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

[#1233][Out/97] DARK EARTH

Até 1997, a Kalisto Enterteinment não era sequer uma nota de rodapé na história dos videogames pq eles tinham que fazer muito para chegar a ser apenas isso. Quer dizer, os caras puniram o mundo com PAC IN TIME, o esquecimento é uma punição pouca.

Porém então em 1997 eles se redimiram perante a raça humana com a invenção de NIGHTMARE CREATURES. Não que NIGHTMARE CREATURES seja lá um baaaaaaita jogo, mas a parte importante é que acertaram em cheio ao criar o genero hack'n slash como eu expliquei naquele texto. O resultado disso é que com mais de um milhão e meio de jogos vendidos havia um enorme mercado potencial sedento por jogos desse tipo - ao que ultimamente nos levou a perolas como Nier: Automata e Metal Gear Rising, então obrigado Kalisto!

Bom, o jogo realmente não perde tempo em começar, assim como nosso herói que não perde tempo que já começa o jogo amassando a passoquinha

Mas então, depois de arrebentar a boca do balão achando um filão a ser explorado com esse novo genero, é óbvio que o próximo jogo da Kalisto foi... uma mistura de survival horror com beat'm up? Hã, seria mais seguro apenas investir no que tava dando certo, mas eles tavam se sentindo quente na maionese, eu acho?

Enfim, seja como for é que a Kalisto decidiu arriscar e é assim que adentraremos Terra Preta.

O que, saiba você, é um jogo bastante ambicioso forrado com toda grana que a Kalisto ganhou com NIGHTMARE CREATURES. E por ambicioso eu realmente estou falando de uma mistura de FALLOUT: A Post Nuclear Role Playing Game com ALONE IN THE DARK com LITTLE BIG ADVENTURE 2: Twinsen's Odyssey. Hã, taí uma combinação que eu não esperava citar na mesma frase um dia, mas então esse jogo existe.

Tudo mudou no dia que a nação do meteoro atacou

Nossa história aqui se passa vários séculos no futuro, quando uma colisão de meteoro com a Terra (conhecida como o "Grande Cataclismo") lançou grandes nuvens de cinzas e poeira, bloqueando a luz do sol. Aqueles que não morreram na colisão logo foram caçados por estranhas criaturas mutantes que surgiram desse mundo pós-apocaliptico, e então começaram a fugir dessa "Terra Negra" buscando refugio nos raros bolsões de terra onde a luz do sol rompia as nuvens. Eventualmente, eles encontraram esses lugares, que foram chamados de “Stallites”, esses locais de luz tornaram-se cidades, e os sobreviventes construíram templos em homenagem à luz. O jogo se passa em uma Stallite chamada Sparta.

O jogo começa muitos séculos após a fundação de Esparta, onde a maioria dos cidadãos esqueceu a história do mundo e adora a luz como um deus, Solaar. A cidade é governada por Sunseers, sacerdotes de Solaar, que mantêm a ordem e impedem que as criaturas das trevas entrem nos limites da cidade. O jogo centra-se em Arkhan, um “Guardião do Fogo”, um dos protetores militares da cidade.

E assim surgiu o Demolidor da Terra Preta

E, como você pode claramente imaginar pq do contrário não teria jogo, é óbvio que isso dá merda. Tipo muita. Terroristas orquestram um plano para executar todos os Sunseers e quando vc vai tentar impedir o atentado... um dos terroristas joga algum produto quimico na sua cara que te deixa deformado.

Eu quero dizer, não que gráficos 3D de 1997 fossem lá muito bonitos, mas se alguma forma você fica ainda MAIS feio, e é aqui que os problemas do nosso campeão começam. Então essencialmente o que você faz nesse jogo é ao mesmo tempo ir atrás de cura para sua cara de quem tacaram fogo na cara e apagaram com um remo, e desvendar o atentado contra os Sunseers. Do qual vc é suspeito tb, pq desgraça pouca é bobagem.


Então nas sessões estilo semi survival horror (com camera fixa e tudo), cabe a você descobrir as pistas, por meio de conversa, coerção, furtividade ou força bruta. E é aqui que o jogo lembra LITTLE BIG ADVENTURE 2: Twinsen's Odyssey pq assim como no outro jogo europeu de PC dessa época, você pode selecionar o modo de comportamento do seu personagem.

Você possui três modos de comportamento – amigável, agressivo e (após a disfiguração) monstruoso. Este modo influencia não só os seus ataques, mas também as suas interações com o mundo e os personagens que o habitam. Normalmente Arkhan usará uma maçaneta, mas no modo irritado ele derruba a porta com uma bicuda. Uma pergunta no modo amigável soará como: “Com licença, senhorita, posso incomodá-la para obter algumas informações?”, enquanto no modo monstruoso lhe dará um rosnado de “Informação, vadia, agora!”. 

MAS porém contudo todavia entretanto, existe uma consequencia nisso. Isso pq Arkhan não ficou apenas feio no atentado (quer dizer, ele ficou também) mas foi infectado com alguma porcaria da Terra Negra que o transforma em um mutante das sombras tambem. Logo, não apenas vc tem um limite de tempo para terminar o jogo - antes que você vire um monstro molengotengo trevoso - como apelar demais para um comportamento agressivo pode ser mais eficiente, porém acelera o processo. Tudo tem seu preço, afinal.

Isso força você a manter um equilíbrio entre combate e conversa, e adicione a isso que a maioria das situações suporta vários tipos de abordagens diferentes (muitos personagens oferecem informações diferentes quando abordados amigavelmente ou com raiva), desde falar seu caminho por mais da metade do jogo até simplesmente matar todos os Guardiões e amigos que você encontrar. 

Adicione a isso que o jogo tem uma cidade ambiciosamente grande para ser explorada onde vc pode desvendar toda intriga politica altamente complexa que levou ao atentado (spoiler: foi mais uma tentativa de golpe, que manipulou os terroristas)  sem que o jogo em nenhum momento segure a sua mão e te diga onde ir, e temos aqui um jogo expansivo, com um cenário altamente desenvolvido (tanto que foram lançados livros, HQs e RPGs de mesa de Dark Earth), uma mecanica de comportamento totalmente ambiciosa e temos que, obviamente, a Kalisto...

... tomou no cu bonitaço com um jogo que custou uma caceta de dinheiro pra fazer e não vendeu nem 55 mil cópias nos Estados Unidos. Mas como? Pq um jogo tão ambicioso assim consegue falhar tão ferozmente?

Devido ao fracasso comercial do jogo ele foi relançado com uma capa mais... chamativa, vamos assim dizer. É por isso que ele apareceu nas revistas brasileiras em outubro de 1998

Bem, é realmente dificil apontar um único motivo, e essas coisas são realmente complexas de explicar, mas se eu tivesse que apontar alguma coisa, eu diria que é porque o combate nesse jogo é nojento. Não tem outra palavra pra descrever as sessões de porradaria aqui: asqueroso.

Sério, imagine uma cruza entre os controles de PERFECT WEAPON e ALONE IN THE DARK e você começa a entender o que deu errado nesse jogo. Muito errado. Ou, como a Next Generation tão  bem colocou:


O sistema de combate em tempo real, com armas corpo a corpo (espadas, porretes e machados) e posteriores tiroteios é incrivelmente desajeitado de uma das piores formas possíveis. O combate nesse jogo (não) funciona assim: Arkhan primeiro tem que mudar para sua postura de combate, mudando o estilo de movimento de tanque para movimentos livres como em SUPER MARIO 64 (pq o jogo não é assim o tempo todo eu não faço ideia, essa geração vai terminar e eu não consigo entender o tesão dos caras com essa porra de controle tipo tanque).

Depois você tem que pressionar e segurar o botão de ataque e, finalmente, pressionar uma direção para atacar. Para frente é um golpe para frente, para a esquerda é um gancho de esquerda, para trás é um chute, etc. Uau, isso é incrivelmente burocrático, especialmente em um jogo onde os inimigos definitivamente não compartilham dessa burocracia. 


E enquanto lutar 1x1 é gerenciavel de uma forma dolorosa, quando dois inimigos montam em você...meua migo... Mesmo que as armas sintam ligeiramente diferentes, ainda sim vc tem lutas lentas, tropeçantes e que fazem vc se sentir um homem das cavernas não em um bom sentido. Sério, eu tive flashbacks (e PTSD) de PERFECT WEAPON mais do que qualquer ser humano são deveria ter que lidar (o que é zero, saiba você).

E isso que eu nem entrei no mérito de mirar com as armas de fogo, pq aí a coisa vira um processo de sofrimento e dor que evoca os piores dias de THE CROW: City of Angels. Pq o fundo do poço sempre tem alçapão, é o que eu sempre digo. 


Então o resultado final da brincadeira é essa: você tem um jogo com um cenário incrivelmente bem desenvolvido, mecanicas de jogo ambiciosas (os caras não apenas escreveram interações diferentes para a forma normal e a monstruosa de Arkham, eles dublaram tambem!) , uma intriga politica intricada, puzzles inteligentes que não te trazem sofrimento e valores de produção realmente altos para a época... mas aí tudo isso vai pelo ralo pq o sistema de combate foi desenhado por capetanas em pessoa. Aí fica dificil ser feliz.

Não surpreendetemente, o resultado dessa patuscada foi que a Kalisto tinha planos ambiciosos de uma franquia que morreram nesse jogo mesmo para nunca mais verem a luz do sol. Anos mais tarde eles ate tentaram ressuscitar o projeto numa continuação... que foi arquivada quanto Nightmare Creatures 2 flopou, mas isso é assunto para outro dia. 

Videogames europeus no ápice da sua sedução em 1997

O que importa para hoje é que esse o nascimento e morte do universo de Dark Earth nos videogames, e eu realmente gostaria que essa cenário tivesse tido melhor sorte. Bem, mais um pra lista do que em um universo paralelo poderiam ter sido...

Não dá pra negar que a Kalisto claramente tinha muito carinho por esse universo e queria muito que Dark Earth desse certo... mas com esse combatezinho, me ajuda a te ajudar, né amiga?

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 132 (Outubro de 1998)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 055 (Outubro de 1998)