[#1254][Nov/98] THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time (especial de 7o aniversário)

Sete anos. 2557 dias. 61362 horas. A exatos 3681720 minutos atrás, eu coloquei na estrada minha ideia de jogar todos os jogos da Ação Games. Na verdade a ideia começou com jogar todos os Final Fantasy desde o primeiro dado que eu sou realmente um grande fã da franquia. Porém nesse processo me caiu a ficha que a tecnologia já havia evoluído o suficiente para ser trivial jogar qualquer jogo, então me ocorreu de pq não fazer algo que eu sonhei minha infancia inteira fazer?

Veja, a coisa é que eu tive uma infancia bastante pobre ao ponto que ter energia elétrica em casa todos os dias não era uma certeza já que a luz volta e meia era cortada por falta de pagamento. Dessa forma, eu nunca realmente tive um Playstation e muito menos um Nintendo 64. O único luxo que eu podia ter na época era uma vez por mês comprar a Ação Games, ficar olhando as fotos e imaginar como seria jogar aqueles joguinhos que (na época) eu achava que jamais tocaria. O pouco que eu joguei de jogos de PS1 foi o que eu conseguia filar de colegas e parentes, mas isso não era sequer uma gota no oceano (sério, foram lançados mais de SETE MIL jogos para o PS1).

Eu só comecei a jogar os jogos da quinta geração mesmo quando eu comecei a trabalhar e pude comprar meus próprios videogames, só que aí já estava mais pra perto do PS3 lançar e o backlog daquela época era gigantesco (ainda é, obviamente), e eu meio que joguei muita coisa na corrida. Era uma outra fase da minha vida, eu era jovem e cheio de pressa.

Hoje eu posso dizer que tenho o tempo, a paciencia e os recursos que eu nunca tive antes, o que nos leva então a esse projeto iniciado exatamente sete anos atrás: jogar todos os jogos que tiveram matérias publicadas na Ação Games. Que posteriormente foi expandida para os jogos da Super Game Power e da Gamers (na medida do possível, pq minha nossa senhora do passaquatro molhado, que bagunça que era aquela revista no começo).

Nesses sete anos muita coisa aconteceu na minha vida e eu definitivamente não sou a mesma pessoa, para o melhor, e para o pior. Porém existem várias coisas sim que esse projeto me agregou, especialmente quando eu vejo os primeiros textos que são francamente constrangedores de tão ruins. Ou eles eram pavorosamente mal escritos, ou apenas eram traduções porcas de reviews na internet... o que acabou sendo bom, no fim do dia.

Mil duzentos e cinquenta e quatro (contando esse) reviews depois, eu posso dizer que escrevo exponencialmente melhor após sete anos de prática quase diária. "Escrever bem" talvez sejam palavras fortes, mas comparado ao que eu escrevia em 2016, é quase literatura russa de profundidade. Outra coisa que isso me ajudou é que traduzir reviews no começo não apenas me deu uma boa noção de como montar textos, como meu inglês é quase fluente. Eu ainda preciso fazer um pouco de esforço para entender uma conversa sem legendas dependendo de quem está falando, mas então parece que mesmo os nativos do idioma tem tido esse problema:

Mas divago. Eu dizia que esses ultimos sete anos me ensinaram muitas coisas, me apresentaram muitas coisas, me fizeram pensar muitas coisas. Ao não apenas jogar um jogo mas pesquisar o contexto e a história da sua produção, eu aprendi bastante sobre a história dos videogames, sobre como a industria funciona e sobre como a Sega é uma fábrica de fazer patetices - ela é essencialmente a Ferrari dos videogames, fãs de F1 vão entender a referencia.

Com o tempo, eu comecei a expandir as pesquisas. Se o jogo era sobre um filme, eu assistia o filme. Se o jogo era sobre uma linha de brinquedos, eu pesquisava sobre ela. Foi assim que eu aprendi a gostar de muita coisa, e aprender muita coisa importante: de como Godzilla não era apenas sobre um monstro gigante pisando em maquetes de isopor (como eu contei em SUPER GODZILLA), ao desastre que foi a produção de CUTTHROAT ISLAND que matou um estúdio inteiro. Da história do ET de Varginha (em INCIDENTE EM VARGINHA) a um jogo baseado em uma linha de brinquedos baseados em bonecos de testes de colisão de segurança (sério, THE INCREDIBLE CRASH DUMMIES foi uma coisa que realmente aconteceu), ou então o puta combo de tragédia que é TUDO envolvendo THE CROW: City of Angels (mas tudo mesmo, da vida do autor dos quadrinhos a mortes no set de filmagens é só desgraça... incluindo o jogo em si, minha nossa que puta desgraça que é essa coisa). É, eu posso dizer que eu vi algumas coisas.

E algumas das minhas coisas favoritas hoje, saiba você, eu conheci nesses sete anos. Até então eu nunca tinha realmente assistido THE X-FILES ou assistido nada de MOBILE SUIT GUNDAM, e puta merda, como eu sou mais feliz por te-lo feito. E isso é uma das coisas que me motiva a continuar porque quando menos se espera, frequentemente eu aprendo alguma história muito mais interessante do que o jogo em questão. Mas novamente, estou divagando. Suponho que hoje esteja tudo bem, porque afinal hoje é um dia especial e como diz a música "it's my party, and i'll cry if i want to".

Porém o que viemos fazer aqui não é isso, e sim seguir a tradição de que todo ano no aniversário desse blog eu vou jogar um jogo REALMENTE bom. Mas tipo bom pra caralho, saca? Do nível "puta merda como isso é bom!", esse nível de bom.

Alias vc já viu a capa japonesa do jogo e como ela é maneirona?

Pra ter uma ideia, em 2022 (quando eu comecei essa celebração de aniversário) para nosso aniversário de 5 anos nós jogamos "apenas" CHRONO TRIGGER. Só. Em 2023, no sexto aniversário foi a hora e a vez de FINAL FANTASY TACTICS. Só paulada paulatina, mermão.

Então, sem mais delongas, sem mais coré coré, vamos fazer o que viemos fazer sobre a fodenda Lenda de Zelda: A Ocarina do Tempo! Solta o hino, Cascão!

Então... antes de começar a falar desse jogo, eu preciso explicar que "THE LEGEND OF ZELDA: A LINK TO THE PAST" é um dos meus jogos favoritos de todos os tempos. Na época do Super Nintendo a situação financeira da minha familia era bem melhor do que viria a ser depois e por essa razão, não, sério, como eu joguei essa porra. Quantos fins de semana eu aluguei o jogo (eram assim que nós rolávamos naquela época) e jogava até conseguir o Magic Mirror, virar coelho e não saber como seguir dali. Naquela época não havia internet e revistas com detonados eram raridade porque uma vez que passava o mês de lançamento ela sumia das bancas e perdeu preiboi.

Lembro de uma vez que como presente de aniversário eu pude alugar quatro, eu disse QUATRO jogos de uma vez. Foi a apoteose nerdica e eu aluguei quatro entre os meus favoritos de todos os tempos na época: VEGAS STAKES, THE LEGEND OF ZELDA: A LINK TO THE PAST, SUPER METROID e GOOF TROOP. Sim, eu gostava tanto de VEGAS STAKES que aprendi a jogar Blackjack e Poker por causa desse jogo, me julguem). Aquele final de semana não foi apenas louco, é uma das últimas lembranças felizes que eu tenho da minha infancia.

Porra Zeldinha, e esse vocabulário heim mana?

Não muito tempo depois daquilo meu pai morreu e as coisas foram menos do que excelentes daí pra frente, mas o que é importante para esse texto é que como eu disse, eu nunca realmente joguei nenhum jogo do Nintendo 64 na época e muito menos a sequencia desse Zeldinha que eu amava tanto. O que é seria esse tal de Ocarina of Time eu conhecia apenas pelas revistas, mas sabia que não tinha como ser melhor que o MEU Zeldinha querido, claramente isso não seria possível.

O que anos depois eu descobri que não era apenas opinião das revistas da época que esse jogo era supimpa, chocolatante e chiquetoso: frequentemente listas na internet colocam esse jogo não como o melhor Zelda, nem o melhor jogo de Nintendo 64, mas o melhor jogo de todos os tempos EVER. Tipo o melhor do melhor do oeste.

Então recapitulando: o sucessor de um dos jogos mais queridos da minha infância é uma versão hypada pra caralho, em 3D e pela qual eu não tenho como ter nenhuma memória nostálgica? Puta que pariu, o adolescente revoltz dentro de mim chegou a vibrar com a possibilidade de quebrar as pernas da internet. A primeira coisa que eu pensei é: vou detonar esse joguinho de fanboy babaca, vou chegar esmerilhando porque ficou quicando dentro da área, é hoje que eu me consagro!

E foi assim que apenas em 2024 que eu joguei pela primeira vez The Legend of Zelda: Ocarina of Time.

Existem muitos memes na internet sobre o "hey listen" da Navi ser chato, mas honestamente eu não achei a pior coisa do mundo já que nem é tão frequente e dá pra ignorar. Mas ESSE CARA, por outro lado, Deus que nunca tive tanta vontade de socar uma coruja na vida

1. Vamos chegar chegando: detonando os gráficos

Falar mal dos gráficos de um jogo de 26 anos atrás não é sequer uma questão, por mais que você queira avacalhar o jogo. E não é assim que fazemos as coisas por aqui, isso é bagunça mas não tanto. O que deve ser analisado então é se os gráficos são bons para a época e se eles não quebram a imersão do jogo. O que com muita satisfação eu posso responder que...

... hã, não, na verdade os gráficos não apenas funcionam surpreendentemente bem para a época, como eles state of art do que dava pra fazer com gráficos 3D naquela época em um jogo tão aberto.

Os calculos que eu vi na internet variam bastante, mas em média a ideia é que Hyrule tem aproximadamente 500km² de terreno virtual ao todo - o que é o tamanho de Porto Alegre, por exemplo

Na verdade é muito impressionante como a Nintendo espremeu cada byte que podia do cartucho em 1998 para dar texturas e colocar itens nos cenários apenas afim de não fazer o mundo parecer vazio e desabitado. Parece não fazer diferença as casas terem cadeiras, estantes com livros, camas e caldeirões - coisas com as quais você não pode interagir e não tem função prática no jogo - mas a verdade é que passa sim a sensação de imersão, de estar em um mundo em que pessoas moram ali de verdade.

Quanto a imersão, o N64 tem uma paleta de cores limitada e as texturas são borradas, mas de alguma forma isso contribuiu para que o jogo adquirisse um clima de fantasia, de conto de fadas. Eu não sei o que, mas tem alguma coisa na simplicidade dos gráficos que funciona - tanto que em 2013 foi feito um remake do jogo para o 3DS (remake mesmo, os gráficos foram refeitos quase do zero) com os anos luz de poder que o 3DS tem sobre o N64... e não ficou tão mistico assim assim. Ficou apenas comum.

Acima o remake do 3DS, abaixo a versão original do N64

E isso não nostalgia falando pq eu realmente nunca tinha tocado nesse jogo antes, apenas que a sensação desse jogo funciona perfeitamente para os gráficos que eles tinham a mão e isso não pode ser tirado dele. Mexer nisso seria mais ou menos o mesmo que relançar Shadow of the Colossus na Unreal Engine 5: certamente ficaria lindo pra caralho, mas perderia a sensação mistica onírica do jogo que as limitações do PS2 acidentalmente impunham

Certo, nada contra os gráficos, mas esse jogueco não perde por esperar.

2. Hora de usar a munição pesada: a trilha sonora

THE LEGEND OF ZELDA: A LINK TO THE PAST do SNES tem uma das melhores trilhas sonora de todos os tempos. Não só de videogames ou como trilha sonora, mas como música mesmo. Eu não vejo porque o tema de Zelda não fica no mesmo nível que o Bolero de Ravel ou a 9a Sinfonia de Bethoven. Serinho mesmo, escuta só essa parada:

Suponho que eu não precise lembrar que isso está tocando no que é essencialmente o chip de som de um tecladinho Casio dos anos 90, né? Serinho do meu Brasil baronil, arrepia cabelo até que voce nem sabia que tinha! Então, há, é agora que eu desmascaro Ocarina of Time e esse joguinho vai sambar bonito!

...

... exceto que a trilha sonora desse jogo é boa. Não, minto, dizer que ela é boa é dizer que o gol do Maradona contra Inglaterra driblando todo mundo desde o meio de campo é apenas um gol bonito. A trilha sonora desse jogo não não é apenas boa, ela é REALMENTE muito boa. Excepcionalmente boa. Puta que pariumente boa!!!

Quando voce cavalga por Hyrule Fields, a música faz sentir como se você estivesse crusando uma planície imensa (quando na verdade o sandbox do jogo é um mapa muito, muito pequeno para os padrões de hoje). Na floresta Kokiri você pode sentir as arvores dançando e em Gerudo Valey você consegue sentir a essência das ladinas do deserto apenas através da música. A música carrega metade do jogo nas costas e é muito, mas muito boa e complementa a limitação gráfica do jogo.

Assim como os gráficos, a música é a outra grande chave para passar a sensação que Ocarina of Time não é um mundo pobre, e sim elegantemente rústico. Não parece parado, parece bucólico. A trilha sonora é espetacular e embora possa ser discutida se faixa A ou B é melhor no Link to the Past ou no Ocarina of Time, de modo geral ela faz muito lindão até para os padrões de hoje em dia.

Em um jogo onde a música é parte muito importante da mecânica do jogo - tanto que está até no título - é nota 11/10 fácil.

Sabe aquela cena do Era Uma Vez no México que o Johnny Depp prova uma comida tão boa que ele sente que tem que atirar no cozinheiro para ele nunca mais correr o risco de macular a sua reputação fazendo algo abaixo? Eu me senti assim toda vez que tocava a musica de Gerudo Valley, alguém vai lá e dá um tapa no Koji Kondo pq ele NÃO TEM O DIREITO de fazer uma música tão boa assim da porra!

Sério gente, a música tema de Gerudo Valey me fazia sempre usar a Canção do Sol para ficar de dia pq de noite não tem musica no cenário. Isso é o quão boa essa música é, é o tipo de música que dá vontade de ir lá dar um tapa na cara do Koji Kondo de como ele OUSOU fazer uma música tão boa assim!

E isso é apenas uma, OoT tem várias músicas de estupenda qualidade - o que fica ainda mais impressionante quando vc lembra que esse é um jogo de Nintendo 64 e não de Playstation, então cada bit de música come um espaço no cartucho que no CD normalmente está sobrando. Apesar do hardware vastamente superior, a música é algo que sempre fica melhor no Playstation justamente pelo espaço de armazenamento brutalmente maior no CD. Só que hoje não, meu amigo. Hoje não.

3. Agora eu te pego safado: ação 3d

As pessoas falam mal das adaptações de videogames para o cinema nos anos 90 porque não fazem ideia da desgraça que eram as adaptações dos jogos 2D para o 3D. Levou muito tempo para as empresas acertarem a mão e não cagarem até entenderem o básico: não existe adaptação de 2D para o 3D, existe um jogo inteiramente novo com os elementos semelhantes e que tem que ser tão bom quanto porém começando do zero.

E quanto melhor o jogo 2D a ser adaptado, mais difícil era atingir essa expectativa, tanto que algumas franquias até hoje nunca conseguiram acerta a mão em fazer isso. Por volta desse ponto de 1998 eles meio que já tinham pego o jeito de fazer jogos de plataforma 3D verdadeiramente divertidos como SUPER MARIO 64, SPYRO THE DRAGON ou BANJO-KAZOOIE... mas Zelda não é um jogo de plataforma, é um action RPG mais puxado pro hack'n slash e isso era algo que nunca tinha sido feito satisfatoriamente.

Todos jogos do genero que eram bons mesmo, top top das tiptops dos action RPG de matar coisas com espadinhas ainda eram em 2D, como ALUNDRA ou CASTLEVANIA: Symphony of the Night. Action RPG de espadinha poing poing (sim, esse é o som das minhas espadas) satisfatório em 3D que é bom, necas. Então era apenas de se esperar que eles cagassem fora do penico com Zelda porque o jogo 2D é um dos melhores de todos os tempos, não tinha como eles começarem do zero e emparelharem outro sucesso tão bom quanto, só que em 3D.

Tá, com esse nome nos créditos, eu retiro o que eu disse: é EXATAMENTE o que todo mundo esperava sim. E adivinha só: é examente o que esse jogo entrega. Mesmo tendo apenas um analogico para usar (ou seja, não dá pra controlar a camera com o outro como se faz hoje), esse jogo faz das tripas coração pra entregar uma gambiarra usando uma mira semi-automatica no gatilho Z do controle que descrevendo parece a coisa mais confusa do mundo, mas é absurdamente intuitiva e simples quando vc pratica.

Essencialmente, a ideia é que a camera não vira automaticamente como os jogos 3D da época faziam e faziam porcamente mal - algo que Miyamoto viu e não permitiu insistir no erro. Ao contrário do que todo mundo fazia, a camera muda quando vc aperta o gatilho Z - aí ela alinha nas costas do personagem. MAS o mesmo botão também trava a mira (e a camera) em um alvo se estiver perto dele, aí seu personagem gira ao redor dele com os movimentos laterais.

Sério, eu li e reli esse paragrafo acima que eu escrevi umas cinco vezes, e não entra na minha cabeça pq explicando assim no papel parece uma coisa incrivelmente problemática que teria tudo pra ser uma receita de sofrimento e dor. Só que de alguma forma, funciona. Provavelmente através do sacrificio de bebês foca a Baal, mas funciona. E funciona tão bem que a trava de mira nos inimigos de OoT é usado por jogos de ação ATÉ HOJE!

Mas enfim, seja qual for a razão, o ponto é que a camera funciona, o salto automático (vc não tem um botão de pulo realmente) funciona (o que BURNING RANGERS me fez desacreditar que seria humanamente possível), a movimentação do personagem funciona, a hit detection funciona chocolatantemente. Ou seja, como esperado de um jogo do Miyamoto, tudo funciona e funciona bem.

Mas tão importante quanto isso é que o jogo não é 3D apenas por ser 3D, porque era modinha na época ou algo assim. Não, ele possui mecânicas únicas de level design, mira e diversas outras coisas que funcionam porque foram pensadas em três dimensões. Muitos dos designs das fases jamais funcionariam em um jogo 2D e a cada segundo ele te passa essa sensação de que foi feito explorando o melhor que podia dessa nova perspectiva. O que nos leva ao próximo ponto...

4. ... the legend of dungeons

Mas o que é Legend of Zelda, afinal? Essencialmente, é um jogo de exploração de masmorras. Você completa uma dungeon, dá uma volta no mundo (sidequests e tal) para testar o brinquedo novo que ganhou, pegar colecionaveis opcionais e então parte para outra dungeon. O jogo em si mesmo são as dungeons.

E puta que o pariu, como isso é divertido. A cada masmorra que você entra, estala o pescoço e diz "ok, let's do this". Quando sai é uma sensação de vitória de que você realmente superou um desafio intelectual satisfatório, de tão interessante, bem desenhadas e boladas que são as masmorras do jogo.

Em quase todos os aspectos eu vou dizer que a comparação com A Link to the Past é subjetiva (musica, história, jogabilidade), mas aqui não. Em design de fases Ocarina of Time é gostoso pra caralho como eu nunca vi em um jogo até hoje. Ocarina of Time tem as melhores dungeons. Não é cansativo, não desnecessariamente difícil, não é nada disso. É exatamente o que deveria ser.

Frequentemente eu digo que o level design não tem que ser o programador tentando destruir o jogador, tal qual como mestrar uma partida de RPG, o level design tem que ser uma conversa. E Ocarina of Time é exatamente ao que eu me refiro. Assim como DOOM as fases são labirintos mas o level design de John Romero conversa com o jogador para guia-lo pelo que ele tem que fazer na ordem que ele tem que fazer, o mesmo pode ser dito das dungeons de Ocarina of Time. É esse nível a parada, e como as dungeons são 90% do jogo, isso é muita coisa.

Sim, eu estou ouvindo todos vocês aí no fundo dizendo "oooowwwwwh nooooooo", mas eu realmente gostei do level design do Templo da Agua, me processem

Jogando esse jogo hoje eu posso afirmar que entendo mais de level design do que entenderia se tivesse jogado em 1998, e com o que eu sei hoje mais de uma vez eu via as dungeons e ficava pensando "cara, como que eles fizeram não dar softlock com um grau de complexidade desse tamanho? Vc pode ir por qualquer lado da dungeon e gastar as chaves em qualquer ordem que no fim dá certo! Isso é realmente dificil de desenhar!"

E eu repito, até HOJE eu não vi um design de masmorras tão inteligente e divertido de se jogar. Se a ideia de que Ocarina of Time é o melhor jogo de todos os tempos existe, com certeza vem daí.

5. ... tá, mas pelo menos a história é ruim, né?

Já que estou ficando sem argumentos para criticar o jogo, então suponho que eu precise apelar.Tradicionalmente os jogos da Nintendo não tem grandes coisas de história, quando se pode dizer que tem alguma. Sério, SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars é um fucking RPG sem nenhum desenvolvimento de personagem do Mario! (apesar de compensar de outras formas, como eu comentei naquele texto. Então seria de se esperar que Zelda fosse grandes perolas narrativas.

Exceto que, surpreendentemente, a narrativa minimalista funciona. Com o lance de viagem no tempo então, eu diria que funciona bastante mesmo. A história é bem simples: as deusas que criaram o mundo o fizeram e picaram a mula, mas deixaram para trás um artefato que poderia remolda-lo caso fosse do interesse de seus habitantes: a Triforce. Pense na Triforce como um "Executar como Administrador" de Hyrule.

Então um cara mal como pica-pau surge e quer usar a Triforce para dominar o mundo. Simples, rápido e prático, não?

Pra começar o vilão da história é mau como um pica-pau, sim, mas tem um porém. Ganondorf, o rei dos bandidos, é um Gerudo. E o que são os gerudos? Gerudos são uma tribo de mulheres do deserto que por motivos nunca explicados foram banidas da sociedade e vivem como bandidas no lugar mais inospito de Hyrule (que em qualquer outro lugar é uma terra paradisíaca). Todos gerudo são mulheres, mas a cada cem anos ~~o avatar renasce~~ nasce um menino que será o próximo rei dos gerudo e Ganondorf é o rei dessa geração.

Conforme você conversa com as pessoas do jogo todos são unanimes em dizer que os gerudo são para eles uma mistura de ciganos com leprosos e se todos pegassem fogo bem longe das suas terras tanto melhor. Então é realmente surpresa que Ganondorf queira a Triforce para mudar o status quo das coisas? Mesmo?

Assim ele engana a princesa Zelda (que por sua vez saboneta o trabalho para o moleque Link) fazendo a achar que estava sendo ameaçada para a abrir a Porta do Tempo e põe as mãos na Triforce. E olha só, isso só acontece porque a própria princesa Zelda, assim como todos os Hyllians, é racista pra caralho e já acha que ele estava ali pra malvadezas malignas quando ele estava apenas prestando uma visita diplomática ao rei de Hyrule.

... tá, ele tava ali pra fazer malvadezas, mas aquele ponto Zelda não tinha como saber disso! Então ela estava certa, mas errada ao mesmo tempo? E de toda forma, se Ganon fosse tão ruim quanto as pessoas descrevem ele, ele teria matado Link criança quando teve a chance e nada teria interrompido seus planos. A grande falha no seu plano foi justamente não ter matado uma criança, e eu não consigo ver alguém que faz isso como um monstro completo. Hã, mais complexo do que eu esperaria de um jogo da Nintendo...

E é aí que as coisas ficam loucas: quando Ganon consegue a Triforce e o mundo se transforma em trevas, Link, que tava no meio do rolo todo, acaba congelado dentro da Porta do Tempo e acorda 7 anos depois, já adulto. Nesse ponto o jogo dá uma guinada de visual e a mensagem é bem clara: a infância acabou.

Link passa a usar armas de verdade, os inimigos agora são monstros e mortos-vivos, o mundo que era idílico e bonitinho agora é sombrio e perigoso. Verdade seja dita, não é TÃO legal quanto o Dark World de Link to the Past, mas ainda sim o simbolismo de perda da Inocência é muito bem feito.

E temos também que Link é um fodido. Ele cresceu sofrendo bullying porque era a única criança entre os kokiri que não tinha uma fada guardiã, e quando consegue a bendita fada é apenas para perder sua infância. Ele literalmente perdeu sua infância, e se você pensar nisso é bastante triste. O que é uma frase que eu não costumo usar muito em jogos da Nintendo, sabe?

"ESCUTA CACETA!" - Zelda, Princesa

Ainda quando ele é criança, Link encontra outros personagens que voltará a ver quando adulto e se revelarão os seis sábios capazes de selar Ganon dentro da Porta do Tempo. Embora não sejam primores de personagens, cada um é carismático o suficiente para você reconhece-los e se importar minimamente com eles. Em cinco falas um sabio de Ocarina of Time consegue ser mais carismático que todo elenco de Bleach em 200 episódios. Nas poucas cenas que aparece, eu realmente sinto pela friendzonagem rude que a Saria toma do Link pq se apaixonar por protagonista de shonen é pior erro que qualquer um pode cometer. Pela Ruto eu não sinto tanto - não pq eu sou racista e ela é uma mulher-peixe azul, e sim pq eu odeio tsunderes com a fúria de mil sois amarelos.

Então para uma narrativa minimalista, como tradicionalmente são nos jogos da Nintendo, Ocarina of Time tem não só um mundo bem construído como personagens razoavelmente motivados e que te passam sensações e pensamentos. Honestamente eu não pediria muito mais do que isso. Pra época então, onde narrativas profundas de jogos de ação ainda estavam engatinhando, tá anos luz de bom.

Sério, esse pessoal de Hyrule é estressado ou o que?

FINAL. é, ta na hora de admitir que não é hoje que eu me consagro...

A mecânica é excelente, o 3D é vital para o jogo, o clima funciona, a musica funciona, os menus tem o padrão Nintendo de qualidade, o design das dungeons é sem paralelo até hoje, os controles funcionam de forma a fazer inveja a estabelecer um padrão para hack'n slash da época, tem toneladas de colecionaveis, sidequests e detalhezinhos para te divertir por horas e horas explorando e fuçando (embora o mapa central seja meio vazio em coisas a fazer, comparando com seu antecessor do SNES), o final é plenamente satisfatório... é, não não tem como não dizer que esse não é um dos maiores e melhores jogos de todos os tempos.

Tenho que admitir que eu não tenho como fazer uma comparação objetiva com A Link to the Past porque o segundo está tão entranhado nas minhas memórias e nostalgias que eu sei que não tenho como olhar friamente para ele. E nem quero. O que eu sei é que eu realmente sinto ter perdido muito não ter conhecido esse jogo jogando ele alugado na época do N64. Eu me diverti pra caralho jogando ele hoje, mas sei que me divertiria 15x mais se fosse algo intrínseco da minha infância.

Bem, mas essa é uma dessas coisas da vida. Assim como é o fato que sim, Ocarina of Time merece todo o hype ao qual as pessoas se referem, assim como merece estar lado a lado na galeria dos maiores entre os maiores junto com CHRONO TRIGGER e FINAL FANTASY TACTICS..

E isso era tudo que eu queria dizer a respeito deste assunto.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES

EDIÇÃO 097 (Dezembro de 1995)