domingo, 9 de junho de 2019

[AÇÃO GAMES 016] AYRTON SENNA'S SUPER MONACO GP II (Mega Drive, 1992) [#232]


Muitas pessoas torcem para a empresa que produz o console que elas possuem atualmente como se fosse um time de futebol. Isso é normal se você considerar que o filo de primatas da nossa espécie tem uma necessidade instintiva de pertencer a algum grupo, embora ainda me pareça esquisito ver alguém "torcendo" pelo sucesso da Sony e que a Microsoft irrompa em combustão espontanea, ou vice-versa. É apenas assim que as pessoas são.

Nos anos 90 isso não era diferente, e secretamente os meninos que tinham Super Nintendo torciam pelas micagens da Sega e os que tinham Mega Drive... se perguntavam porque os seus pais não os amavam o bastante para lhes ter dado um Super Nintendo. Mas estou divagando, meu ponto aqui não é esse e sim que as pessoas querem que o seu videogame "vença", enquanto elas deveriam desejar exatamente o contrário. Elas deveriam querer que o seu videogame estivesse atrás, porque quando uma empresa está contra a parede e tem que correr atrás da vitória é que eles colocam todo esforço que podem no produto.

Vejamos o caso da Tec Toy, por exemplo. A Tec Toy era a empresa brasileira que distribuia os jogos da Sega no Brasil, e isso significava que eles estavam permanentemente contra a parede, já que se não fizesse nada de especial o Nintendinho e o Super Nintendo (que possuiam exclusivos MUITO melhores do que os da comeriam seu publico com farinha lactea. Então eles tinham que ser esforçados, eles tinham que ser criativos, para sobreviver eles tinham que tentar coisas novas!

E quando isso acontece, você como consumidor só tem a ganhar.


Em 1991 a Tec Toy já havia tentado de tudo um pouco: traduzir manuais e capas, traduzir jogos, alterar os sprites dos jogos para relançar como jogo da Turma da Monica... ainda sim, a parada era dura. Para cada esforço que eles faziam, o Super Nintendo tinha um Top Gear, um Super Mario World, um Mega Man X, um Street Fighter 2 que o Mega Drive não tinha.

Eles precisavam ir além, eles precisavam de uma ideia ambiciosa e louca. Porém essa ideia era ambiciosa demais para ser executada em um escritório brasileiro, ela tinha que romper fronteiras. Foi assim que em uma tarde chuvosa da metade de 1991, Stephano Arnhold - então diretor de marketing da empresa, futuramente (e até hoje) presidente da mesma - embarcou em um voo no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com uma pasta embaixo do braço.

Seu destino: Tóquio, Japão. Após um voo de 18 horas, ele iria diretamente a sede da Sega no Japão apresentar a ideia mais ousada que a Tectoy já tivera até então.

E que ideia era essa? Fazer uma continuação de um jogo de corrida dos arcades da Sega dos anos 80: Monaco GP. Esse seria "Super Monaco GP II", porém ele teria um diferencial que o distanciaria de qualquer outro jogo de corrida até então: ele levaria a marca de ninguém menos do que Ayrton Senna.

Agora, a essa altura a Sega da América tinha essa prática de colocar o nome de celebridades em seus jogos (normalmente pagando muito caro) para ajuda-los a vender, e se você fosse fazer um jogo de Formula 1 em 1991 a pessoa que você iria querer colocar na capa do seu jogo era obviamente Ayrton Senna.



Aquele ponto, Ayrton Senna era um herói nacional. Com seu credo pessoal de nunca colocar a culpa nos outros e sempre trabalhar duro pelo que ele queria (as vezes até demais), ele foi um dos melhores exemplos de pessoa que o Brasil produziu naquela década. E claro, ele era o atual tricampeão mundial de F1 e o melhor piloto de todos os tempos debaixo de chuva (fato que não mudou até hoje).

O lendário GP do Brasil de 1991, quando Senna venceu com apenas uma marcha do carro funcionando e a direção travada - ele tinha que fazer tanto esforço para fazer as curvas que ele teve caimbras de puro esforço, no pódio ele não conseguiu nem levantar o troféu - e ainda debaixo de chuva, é uma corrida que todo iniciante no automobilismo deveria assistir. Foi uma coisa tão inacreditável que quando a corrida terminou a torcida brasileira invadiu a pista e carregou Senna nos braços (algo que, obviamente, não é comum na Formula 1, nem mesmo nas corridas no Brasil). Foi uma das coisas mais inacreditaveis que eu já vi em um esporte na minha vida. Esse era Ayrton Senna.


A Sega do Japão adorou a ideia. Os japoneses adoram automobilismo (tanto que é onde nasceu o drift), e adoravam mais ainda Ayrton Senna. Ele era quase tão popular lá quanto era por aqui. Adicionalmente, o presidente da Sega na época era um ex-funcionário da Honda, a empresa que fabricava os motores dos carros Mclarenn que Senna corrida, e ele conhecia pessoalmente Ayrton Senna.

Assim, o contato foi feito. E as coisas sairam muito melhores do que o esperado. Não apenas Senna adorou a ideia, como ele era um perfeccionista de marca maior. O que significava que ele não apenas daria o seu nome para um jogo, ele prestaria consultoria para que um jogo com o nome dele tivesse um padrão de qualidade aceitavel.

Desta forma ele corrigiu várias coisas que os produtores do jogo (que, surpreendentemente, nunca dirigiram um carro de F1 na vida) pensavam errado e deu inputs pessoas sobre todas as pistas da temporada. Ao longo daquele ano, a Tectoy e a Sega do Japão trabalharam junto com Senna, recebendo opiniões dele sobre como um carro deveria ou não se comportar nas pistas de F1.



Inclusive naquele ano o circuito de Barcelona estava sendo incluido pela primeira vez na Formula 1, e como Senna nunca tinha corrido lá ele não daria opiniões e dicas sobre algo que ele não conhecia. O que ele se comprometeu a fazer foi, logo depois da corrida, gravar uma fita cassete com as suas opiniões sobre o traçado e enviar para a Sega no Japão. Foi o que ele fez algumas horas depois de terminar o GP de Barcelona de 1991.

No final do ano, quando foi disputado o GP do Japão (tradicionalmente a penultima corrida da temproada), Senna aproveitou para visitar a Sega em sua sede em Tóquio na quarta-feira, no domingo ele acabaria sendo coroado campeão mundial no GP de Suzuka. Ele disse que tinha apenas 45 minutos para ficar na Sega, mas acabou ficando 3 horas e meia com os desenvolvedores do seu jogo. Foi um dia de insanidade na Sega, com muitos funcionários deixando suas mesas apenas para vê-lo. 


Ayrton Senna testando o jogo na sede da Sega
 Sobre aquele dia, Arnhold (que estava lá) disse:

Foi um tumulto na rua, tivemos que botar ele no carro. A Sega parou aquele dia. Quando chegamos, já tinha no mínimo uns 400 funcionários embaixo esperando ele; virou tudo do avesso. Ele só tinha 45 minutos pra ficar na Sega, mas acabou ficando umas 3 horas.
 A participação de Senna no jogo não se limitou a dar dicas tecnicas sobre as pistas reais da F1 reproduzidas no Mega Drive, ele desenhou três traçados para serem adicionados ao jogo.

A primeira é uma pista de kart que Senna tinha em sua fazenda no interior de São Paulo, as outras duas ele desenhou especialmente para esse jogo.
Após esse episódio, Stephano Arnhold se tornou amigo de Ayrton Senna e eles trabalharam juntos em outras oportunidades, lançando vários brinquedos com a marca do piloto no Brasil.



 Mas não é apenas da consultoria de um dos maiores de todos os tempos da categoria que vive Super Monaco GP II, o jogo tem algumas ideias proprias bastante criativas. 

No modo campanha do jogo, você começa em uma equipe bastante lixenta e dificilmente vai conseguir algo melhor do que o 15o, 13o lugar. Então como você faz para progredir? Bem, você tem a opção de escolher um "rival" e desafia-lo. Vencendo duas a quatro vezes (depende da sua pontuação e da sua conduta dentro da pista, não forçar batidas e coisas do tipo), você pode ganhar o lugar dele em uma equipe melhor.

E assim você vai subindo aos poucos na ladeira da F1 até conseguir tomar o lugar do próprio Ayrton Senna na Mclarenn. Claro que o inverso também funciona e quando você estiver nas equipes de ponta, você pode ser desafiado por competidores que querem o seu assento bacaninha em um carro estiloso.

O marcador de posição na tela mostra a sua colocação, mas também a do seu rival porque quer meu lugar vem tirar no X1, mano!
Super Monaco GP 2 tem dois modos de jogo bastante distintos: o "Begginner" e o "Master". No Begginer, o jogo é um puro arcade e você quase nunca precisa tirar o pé do acelerador na corrida. É diversão descomprimissada para quem só quer correr.

O modo Master, no entanto, é a versão que utiliza o input de Ayrton Senna no jogo e é o mais perto que o Mega Drive era capaz de fazer como um simulador de corrida. A velocidade e a marcha adequada para cada curva contam muito, e fazem toda diferença do mundo entre perder alguns segundos ou até mesmo...


Na parte técnica, Super Monaco GP II não deixa a desejar, muito pelo contrário. Cada pista traz seus detalhes peculiares como o trecho do GP da Alemanha que passa dentro da Floresta Negra ou o tunel no GP de Monaco, ao mesmo tempo que o jogo não é poluido visualmente e flui muito agradavel aos olhos. A fisica dos carros é bem redondinha também, e o jogo não sofre dos problemas de Top Gear de ter uma hitbox inconstante, nunca tendo certeza se você vai bater no carro ou vai atravessa-lo como um fantasma.

Ayrton Senna’s Super Monaco GP II pode até não ser o melhor game de corrida de sua geração, mas com certeza, graças ao empenho de Senna no projeto, consegue figurar entre os melhores. Mesmo que a falta de um modo de dois jogadores tenha sido sentida por muitos na época, é visível que foi um game feito com muito cuidado e capricho.

O jogo não era licenciado, por isso não usa o nome das equipes ou pilotos originais (exceto do próprio Ayrton Senna). Mas para quem acompanhava F1 é fácil identificar as equipes, sendo a Madonna a Mclarenn, a Firenze a Ferrari, a Millions a Willians e por aí vai.
 Antes de terminar, eu gostaria de fazer um comentário pessoal sobre esse jogo. Como eu digo frequentemente, eu não cresci com um Mega Drive e por isso não tenho grandes memórias de infancia com os jogos desse sistema.

Esse jogo é uma exceção em especial.

Quando meu pai morreu, eu passei uma semana na casa de uns primos antes de receber a noticia. Eu nunca soube realmente o porque, não sei se minha mãe queria ficar sozinha ou se ela tinha que preparar alguma coisa (bem, suponho que não eram bons dias para cozinhar e cuidar de duas crianças), e eu fui informado que ele tinha morrido só quando eu voltei. Mas eu meio que já sabia o que tinha acontecido, saber das coisas é meu maior poder e minha maior fraqueza.

Esse meu primo tinha um Mega Drive (sugestão minha, um dia minha tia ligou perguntando que videogame comprar porque ela não entendia nada disso, e eu sugeri o Mega Drive porque eu já tinha um Super Nintendo então eu poderia jogar os jogos de Mega... anos mais tarde esse meu primo teve sérios problemas com drogas e hoje eu nem sei está vivo ainda. Coincidencia?) e eu passei uma semana jogando Quackshot, Desert Strike, um jogo de futebol muito ruim que eu não lembro o nome e Super Monaco GP II.

Na época eu não sabia nada de ingles e nunca me liguei do sistema de rival para melhorar no jogo, e por isso eu nunca venci nenhuma corrida. Exceto pelo GP da França, eu sempre vencia aquela corrida por algum motivo a unica corrida que eu conseguia.

As pessoas lidam com o luto de formas diferentes. Algumas choram, algumas se  desesperam, eu vencia o GP de Magny Cours. Seja como for, naquela época ajudou ouvir meu herói de infancia dizendo (em uma voz digitalizada horrível porque o chip de som do Mega Drive... meu deus...) "Ok, you can do it!". Essa frase eu entendia o que significava.

E para uma criança de dez anos de idade que tinha acabado de perder o pai, significou muito para mim. Obrigado, campeão.

Senna morreu em um acidente na pista em 1o de maio de 1994, poucas pessoas tem sua morte narrada ao vivo pelo Galvão Bueno. Mas isso não é importante, o que é importante é que até hoje ele é um exemplo para um país inteiro que se você fizer as coisas direito, se você se esforçar, se você não tentar cortar atalhos, ainda sim dá certo. Se isso não é ser um herói, eu não sei mais o que seria.







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MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 062 (Maio de 1999)