Nos ultimos tempos, especialmente quando falando de adaptações de quadrinhos como SPIDER-MAN and VENOM: Maximum Carnage e VENOM - SPIDER-MAN: Separation Anxiety, eu tenho comentado o quanto essa estética de edginess e tudo tinha que ser DARQUI TREVOSO Y DU MAUUUUU é algo que me cansa. Claro que você pode argumentar que não sendo totalmente fã da coisa que mais definia os anos 90... bem, parece contraproducente ter um blog para falar sobre jogos dessa época.
Isso sendo dito, então é hora de cerrar os dentes e assumir posição de impacto pq vamos ao coração pulsante do homem que é o ícone máximo dos anos 90: hoje falaremos da magnum opus de Todd Mcfarlane.
O FAMOSO ... QUEM?
Então, Jorge, Mcfarlane era um desenhista que orbitava entre a Marvel e a DC, quando em 1988 a carreira dele decolou #foguetenaotemre quando desenhando o Homem-Aranha ele mudou o visual do Amigão da Vizinhança para... bem, o visual que se usa nos quadrinhos até hoje, na verdade.
Antes do Toddão da massa, o Homem-Aranha costumava ser desenhado... bem, como um cara que se balança em fios, basicamente.
O que Todd fez foi mudar a postura do Homem-Aranha para algo mais... insectoide, seus movimentos parecendo menos “um cara com cordinhas” e sim algo mais visceral:
Quando assumi as ilustrações das histórias de Amazing Spider-Man, queria desenhar o Aranha em sua roupa vermelha e azul… mas ele usava um traje preto na época. A Marvel disse que traria de volta o visual “clássico” na edição 300 se eu assumisse a revista, o que fiz na edição 298. O problema era… o que fazer com o traje preto?Então criei aquele visual alienígena e monstruoso e tínhamos um novo vilão que nenhum de nós pensava que seria tão importante para a Marvel.”
Sim, Toddorico Paraguaçu criou o Venom, e imediatamente a versão DARQUI TREVOSA E DUMAUUUUU do Homem-Aranha se tornou a coisa mais popular da Marvel na decada inteira. Talvez não intencionalmente, mas em 1988 Mcfarlane kickstarteou todo conceito cultural dos anos 90 em toda sua edgnísse.
O que meio que foi o problema dele com a Marvel realmente: Todd queria escrever coisas edginess, violentas e perturbadoras... mas a revista do Homem-Aranha não é exatamente o lugar pra isso - tanto que seus editores nunca o deixaram fazer as coisas que ele realmente queria. E esse foi o real problema: ele não tinha realmente controle criativo sobre suas histórias, mesmo sobre o personagem que ele foi responsavel por criar.
Então nesse ponto Todd poderia continuar forçando a barra e tentando fazer o que ele queria fazer em um veículo que não foi feito para aquilo e não funcionava daquele jeito... ou ele podia não ser um babaca e entender que existia uma forma e um lugar para tudo, e se aquele não era o lugar para fazer o que ele queria... bem, ele criaria o seu próprio lugar. Felizmente ele não deu uma de John Kricfalusi (vide o texto sobre THE REN & STIMPY SHOW) e tomou a decisão que era melhor para todos.
Pra você ter uma ideia de como Todd era um cara tranquilo, quando ele saiu da Marvel ele não chutou a porta e ficou reclamando da vida, não. Ele pediu uma reunião com os seus chefes e não apenas explicou os motivos pelos quais ele estava saindo como avisou que essa postura de controle sobre os criadores poderia causar mais danos a Marvel no futuro. O resultado é que até hoje ele e a Marvel possuem uma boa relação.
Assim, ele e alguns outros desenhistas que também estavam de saco cheio de não poderem criar suas próprias histórias e fundaram sua própria editora, a Image Comics. Rapidamente a Image Comics se tornou a terceira maior editora de quadrinhos da América, usando um modelo de negócios que atraia muitos artistas de alto nível: você podia manter os direitos sobre os personagens que você criava.
Tipo, quando você cria um personagem em uma história da Marvel ou da DC, ele não é seu. Ele é da Marvel ou da DC, o criador é só um empregado da empresa. Na Image não, o personagem é seu e você pode explorar ele comercialmente como der na telha. Quase tão importante quanto isso, a Image não exerceria uma linha editorial sobre o conteúdo: o criador era seu próprio chefe, e no fim do dia é ele que decidia o que ia ou não para a HQ. Ou seja, espere muita violencia, temas pesados e peladice até não poder mais.
Mas bem, agora que você já esta familiarizado com o conceito geral, vamos falar então da grande obra do nosso Todd-Boy Marino: um personagem que é literalmente uma cria do inferno.
JÁ SEI, AGORA VOCÊ VAI PASSAR UMA HORA RECLAMANDO DA EDGENICE E ANOS 90TISSE DE SPAWN...
Então, não. Na verdade eu gosto de Spawn.
NANI?!?
Veja, meu problema com a trevosidade dos anos 90 não é quanto a ela em si, e sim socar darquitrevosidadedumau em situações que não faz muito sentido, ou quando é apena mal feito.
Muito do material edgy dos anos 90 eram feitos por Johns Kricfalusis da vida que apenas estavam com raivinha da decada anterior, ou por executivos que apenas mandavam fazer porque “era isso que era popular com os jovens hoje em dia”. Mas então, volta e meia, quando as estrelas estão certas, calhava de alguém que sabia o que estava fazendo se prestar a tentar a sorte com isso. E como já estabelecido, Mcfarlane sabia o que estava fazendo.
Pra começo de conversa, é necessário dizer que o visual do personagem é muito legal, eu diria que é um dos mais legais dos quadrinhos realmente. Não que isso seja grande surpresa, Mcfarlane sempre desenhou muito bem e ele criar um visual com tudo que funciona em um personagem não é de todo inesperado, ainda sim o Spawn tem um visual muito legal mesmo.
Spawn também é o primeiro protagonista negro a ser o carro-chefe de uma editora. Porque enquanto a esse ponto heróis como Blade e Luke Cage já tinham tido suas próprias revistas, sempre foram titulos periféricos e nunca o principal atrativo, a grande estrela da editora. Aqui não, o afro-americano Al Simons era em quem a Image apostou suas maiores fichas.
Spawn não impressionado com policial trigger happy não está impressionado |
Falando em Al Simão, que tipo de história é contada em Spawn? Bem, a forma simples de resumir a ideia da coisa é que Spawn são as histórias do Batman que Mcfarlane não podia publicar quando ele trabalhava para a DC.
Porque sério, me diga se essa imagem lhe é familiar: em uma cidade lavada pela corrupção e praticamente não existem valores morais, um bandido entra em um beco escuro, apenas para ser apanhado pelo esvoaçar de uma capa sem entender direito o que aconteceu. Esse cruzado embuçado, diga-se de passagem que ninguém tem certeza realmente do que ele é, é um homem mentalmente atormentado e cujo seu mais iconico inimigo é um palhaço... kinda.
Como eu disse, é o Batman só que edgier. Tipo ele é atormentado emocionalmente não porque ele presenciou a morte dos pais quando criança e nunca conseguiu superar isso, mas porque ele literalmente esteve no inferno e fez um pacto com o tinhoso - um pacto que ele não lembra realmente, ou mesmo não lembra do inferno, é mas é atormentado constantemente por visões disso assim como de tudo que ele perdeu da sua vida humana.
Os bandidos que ele pega no beco não são ladrões de banco ou vilões com planos para “dominar a cidade”, são estupradores, pedofilos, traficantes que exploram os miseraveis e daí ladeira abaixo. E quando eu digo “pega” não é captura-los para entregar para a policia, e sim arrancar os membros deles e prega-lo ainda vivo na parede para servir de aviso para dar o recado. Mesmos conceitos, só que “mais”: mais violento, mais profundo, mais “mais”.
Okay, os comerciais da Mcfarlane Toys eram... estranhos.
Isso não é necessariamente ruim, na verdade é bem divertido se você está ciente da premissa e quer ver ultraviolencia em um mundo corrompido. Falando em premissa, vamos a ela: Al Simons era um agente de elite do governo americano, o que é uma forma glorificada de dizer que ele matava pessoas que o governo americano não podia oficialmente assumir que fez desaparecer.
O que é relevante quando ele é traído pelos seus superiores e morre incinerado vivo. Agora, pergunta: pra onde vai depois que morre alguém que matava pessoas como ganhapão? Sim, foi sentar no colo do capeta.
A grande surpresa é que o capeta tinha seus próprios planos para ele mais complexos do que passar o resto da eternidade enfiando abacaxis no seu rabo: o inferno e o céu estão em guerra pelo plano material desde o inicio dos tempos, mas eles não podem interferir diretamente porque... o demon code forbids, algo assim. O que eles podem fazer, entretanto, é recrutar agentes para lutar essa guerra e é aqui que o Al Simão entra.
Como ele era um assassino pica das galaxias, o cramuião o recruta pra ser o representante do inferno nessa guerra, e assim ele renasce como um hellspawn - ou apenas “Spawn” para os intimos.
Spawn era realmente popular nos anos 90, talvez até demais... |
Só que o capiroto não pode obrigar alguém a ser o seu Spawn na Terra, ele pode no máximo fazer um pacto. Os termos exatos do pacto são meio vagos porque o Alzinho não lembra direito, mas ele entende que tem haver com poder ver sua amadíssima esposa mais uma vez e depois disso ele teria que voltar pro inferno para liderar a guerra.
Isso tem dois problemas preementes: primeiro que, ao contrário do que é mostrado no filme de 97, ele não lembra claramente dos detalhes. Ele é mais assombrado por lembranças do inferno e da propria morte horrenda, então ele é bastante atormentado por isso. A segunda, e mais importante questão, é que o demonio é um cuzão e cumpriu a sua parte do acordo... naquelas.
Sim, Al voltou para a Terra para rever sua esposa... mas cinco anos depois e como um zumbi putrefato. Chega ae na cremosa quando tua cara é feita de carne podre, quero ver. E sendo que cinco anos se passaram, a esposa dele até já se casou de novo ... com o melhor amigo dele. Dificil assimilar em condições normais, quando vc é um zumbi do inferno atormentado por pesadelos então...
E como desgraça pouca é bobagem, o tinhoso mandou um demonio para a Terra junto com o Spawn unicamente com o proposito de colocar pilha nele e faze-lo chutar o pau da barraca. Enquanto o Violador não pode lutar a guerra pelo inferno, porque é assim que as leis do universo funcionam, ele pode influenciar as pessoas a pisarem nos calos do Spawn para ele perder seus marmores.
Isso é bastante interessante, porque enquanto o Violador pode deixar de ser o palhaço gordinho e assumir sua forma de demonio para meter a porrada, a coisa dele é mais botar lenha na fogueira - tipo incentivar o serial killer pedofilo a escolher a filha da viuva do Spawn só pra ver ele entrar em hellmode.
Os poderes do Spawn também são bem interessantes: teoricamente ele é imortal e pode regenerar qualquer ferimento, além de poder disparar energil fel-infernal, teleportar, ressucitar os mortos, além de controlar a capa e as correntes como armas. Isso faria dele praticamente invencível, e ele é.
Qual é a graça então? Bem, só que tem uma pegadinha aqui: Spawn não regenera mana, na verdade nas HQs tem literalmente um contador de quanto poder infernal ele tem. Quando essa energia acabar, ele é enviado de volta pro inferno e perde o controle da sua alma, aí é GG. Então enquanto ele PODE cagar overpowerice pela bunda, não é algo que ele possa fazer levianamente.
Falando em cenário para os roteiristas, eu gosto também bastante que as histórias tem uma variedade bem grande de possibilidades: elas podem ser sobre a guerra entre o céu e o inferno (com o céu mandando anjos ou o equivalente celestial do Spawn, conhecido como “Redentor”), ou sobre as tretas politicas de corrupção que levaram a morte de Al Simons em primeiro lugar.
Enquanto a série é bastante sobre a guerra entre o céu e o inferno, ao estilo Supernatural com direito aos anjos serem cuzõe e tudo mais, não é realmente surpreendente que os anjos sejam... mais ao estilo da Image Comics, vamos dizer assim... o que definitivamente é menos perturbador do que anjos acurados com a descrição da Biblia e tenho certeza que totalmente seria a segunda opção
Na verdade é bem impressionante o quanto de conspiração política tem uma história sobre uma cria do inferno, em varios momentos parece mais House of Cards do que sobre um vigilante mascarado e isso é realmente legal.
Adicionalmente, a participação do Spawn no Mortal Kombat 11 foi uma escolha bastante feliz |
Devido a tudo isso, Spawn foi um dos quadrinhos mais populares dos anos 90 tendo direito a ter uma série animada da HBO e um filme live action em 1997... que falaremos mais dele em outra oportunidade, por hora basta dizer que tentaram recriar o efeito Mascara e transformar uma comic super pesada em PG13 e não é sempre que você tem um Jim Carey no bolso pra tirar esse resultado da cartola. Parece que atualmente Mcfarlane está trabalhando em um novo filme com a violencia adequada e com o Jamie Fox como Al Simons, então dá pra ser otimista quanto a isso.
Mas eu digo que falarei do filme em outra oportunidade pq o jogo de hoje não é baseado no filme ou nem na série animada, ele foi lançado dois anos antes e é baseado exclusivamente nos quadrinhos, de tão popular que Spawn era.
E que tipo de jogo é esse? Bem, essencialmente é um beat'm up que tem controles de um jogo de luta - como Mortal Kombat Mythologies: Sub-Zero ou BATMAN FOREVER e... hey, volta aqui! Sim, eu sei que citar esses títulos horrendos coloca terror no coração do mais bravo dos guerreiros, mas a boa noticia é que de todos os jogos desse estilo que eu joguei até agora, nosso amigo zumbizão é de longe o melhor deles. A noticia ruim é que não precisa muito pra isso realmente.
Mas de qualquer forma os controles respondem decentemente, eles tiveram o bom senso de não colocar o pulo apertando pra cima (o que nunca funciona num beat'm up) e os inimigos não tem uma barra de energia de jogo de luta, apenas os chefes tem. Isso torna a experiencia bem menos exaustiva e você não sente que tem que jogar 459 rounds de Mortal Kombat a cada inimigo, o que já melhora muito as coisas.
Os golpes especiais tambem respondem razoavelmente bem, embora eles sejam meio complicados para o "tempo livre" que você tem na tela, e a coisa interessante é que enquanto você pode disparar energia em várias direções, teleportar ou recuperar vida, assim como nos quadrinhos a mana de Spawn não regenera então o contador de necroplasma que você tem no começo do jogo vai ter que durar até o final - se chegar a zero, é game over.
O que é uma proposta interessante e se encaixa bem no material fonte - e como o jogo não foi programado assumindo que você vai usar esses poderes, eles são um bonus por assim dizer - então isso funciona.
Visualmente o jogo também é okay. Enquanto, obviamente, não era possível reproduzir toda fluídez e complexidade do traço de Mcfarlane em um Super Nintendo, o jogo é bem bonito para um jogo de 1995, com sprites bem grandes e vistosos. Tal qual os quadrinhos da Image, Spawn no Super Nintendo chamava a atenção pelos seus graficos.
Falando em chamar a atenção, outra coisa que se destaca aqui é a história - bem mais pesada do que você poderia esperar para um jogo de SNES. Claro, não é um nível de gore como os quadrinhos, mas definitivamente soa como tentar colocar a estética de Spawn dentro dos limites do que a Nintendo deixava passar.
Nossa história aqui é que crianças estão sendo sequestradas e quando a décima terceira criança é a filha da sua amada Wanda, o soldado do inferno decide tomar ação. Porque fodam-se as outras 12 crianças, ninguém se importa com criança, é assim que Spawn rola.