sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

[#1196][Jun/98] BANJO-KAZOOIE

Em meus muitos anos nessa indústria vital (nossa, estamos caminhando para sete anos daqui a pouco, impressionante), a esse ponto eu meio que já vi toda história de desenvolvimento de jogos que deram errado. Não é exatamente ciencia de foguetes, quando o desenvolvimento de um jogo passa por certo nível de problemas é bastante esperado que o produto final não vai dar lá muito certo.

E rapaz, o jogo de hoje definitivamente marca todos os quadradinhos de um jogo que tava quicando na area pra dar errado. Mas vamos começar do começo...

No Japão, esse jogo se chama "Banjo-Kazooie Daibouken", ou seja, "A Grande Aventura de Banjo-Kazooie", puta nome de Sessão da Tarde haha

Estamos na metade de 1998, e até esse ponto na história dos videogames existem dois - e apenas dois - motivos para investir em um Nintendo 64: Nintendo e Rare. O que são dois puta gigantes motivos, saiba você, porque eu realmente não preciso explicar que a Nintendo é Ô padrão de qualidade dos videogames pelos quais todos os demais se balizam. 

E a Rare não ficava muito atrás realmente, depois de arrebagar a boca do balão no Super Nintendo com a trilogia DONKEY KONG COUNTRY e KILLER INSTINCT, eles não demonstravam sinal de desacelerar na quinta geração de consoles com jogos que determinavam padrões de qualidade a serem seguidos com jogos como GOLDENEYE 007 e DIDDY KONG RACING. O que a Rare fazia, a Rare arrebagava... com exceção de KILLER INSTINCT GOLD, que é um jogo que eu tenho lá minhas reservas e que minha opinião a parte não pegou muito de todo jeito.

Agora que estabelecemos quem é a Rare e pq ela importa, saiba que em 1995 a Rare decidiu que ia tentar a sorte em fazer um Action RPG de Super Nintendo que se chamaria "Dream: Land of Giants":


E claro que todo mundo iria querer pra ver o Action RPG da Rare, o que é que eles faziam a esse ponto que todo mundo não parava pra ver? A ideia era fazer o que a Rare sabia fazer de melhor, usar a tecnologia ACM (ou seja, criar modelos 3D em computadores termonucleares e tirar fotos deles para usar os sprites para passar a sensação de um jogo renderizado rodando, como eles tinham feito em KILLER INSTINCT e DONKEY KONG COUNTRY)

Até aí tudo bem, era o que vc esperaria... só que estamos em 1995, e a esse ponto a Nintendo (que já tinha adquirido 49% da Rare) deu um toque muito útil: "ô seus cabeçudo, o Nintendo 64 tá saindo, esquece essa porra de  Super Nintendo e faz o jogo pro Nintendo 64, seus animal de teta!". O que... era meio obvio a esse ponto, todos podemos concordar.

Prototipo de Dreams para o SNES

E se vamos fazer o jogo para o Nintendo 64, então não faz muito sentido fazer o jogo em 2D com uma tecnologia que dá um pouta de um trabalho da porra, é muito mais razoavel fazer o jogo em 3D logo pq afinal o N64 é o console mais poderoso dessa geração. Assim, todo trabalho de "Dream: Land of Giants" e a Rare recomeçou praticamente do zero pra fazer um Action RPG pra Nintendo 64. E por um tempo foi bom.


Se parasse aí, eu não estaria tão preocupado com o desenvolvimento desse jogo. Quer dizer, a Rare estava sendo bancada pela própria Nintendo, se alguém no mundo a esse ponto tinha os bolsos fundos o suficiente pra recomeçar um projeto do zero, era a second party da Big N. Porém é aí que as coisas ficam complicadas.

Era uma terceira-feira chuvosa de 1996 na sede estúdio da Rare em Londres, na TV ao fundo passava uma reprise de Doctor Who, e o time trabalhava nesse jogo quando John Rare entra na sala chutando a porta, lívido. Todo mundo para o que está fazendo pra prestar atenção e antes que qualquer um pudesse sequer perguntar o que aconteceu, ele apenas diz uma única sentença: "Joguem tudo fora"

Ele então abre o seu sobretudo úmido pelo habitual clima londrino e tira um pacote, o qual ele joga sobre a mesa. Todos se acotovelam para ver o que era, e o pacote era isso:


Bastou apenas 28 segundos do jogo rodando no Nintendo 64 do estúdio para eles entenderem do que o chefe estava falando. Olhando em comparação com SUPER MARIO 64, o Action RPG que eles estavam fazendo era bem ruinzinho. Na verdade, mais que apenas "ruinzinho": era francamente constrangedor.

Assim, a Rare realmente jogou tudo fora e recomeçou o projeto Dream praticamente do zero pela segunda vez. Com efeito, uma das poucas coisas que restaram do projeto original do jogo foi um chefe pirata que era pra ser o vilão do jogo do Super Nintendo, e aqui foi mantido como um pirata bebado que era pra ser uma estrela mas perdeu tudo. Humor y metapiadas.


O jogo também abandonou completamente suas raízes de Action RPG, e passou a ser totalmente dedicado a ser um jogo de plataforma 3D. Mas agora que você sabe a história desse jogo que foi resetado DUAS VEZES e estava a cerca de 4 anos em desenvolvimento (o que não é muito hoje, mas na época era o tempo de fazer entre 2 a 3 jogos gigantescos), a pergunta que realmente importa é... e aí, isso é bom? É o que veremos a seguir.

Pra começar, Banjo-Kazooie tem uma história muito estranha. Se bem que estranha não é bem a palavra, ela é... hmm... hã, é melhor eu mostrar...


UMA BRUXA MALIGNA DO MAL QUE ODEIA O BEM PERGUNTAR PRO SEU ESPELHO MÁGICO SE EXISTE ALGUEM MAIS BONITA QUE ELA NÃO É EXATAMENTE UMA HISTÓRIA ORIGINAL...

É um caldeirão mágico, na verdade, mas a coisa que pega realmente é mais a resposta do objeto mágico e é aqui onde o FBI precisa ser envolvido quando o espelho responde que, obviamente, existe alguém mais bonita que ela.

AINDA É BEM PADRÃO, NAO VEJO ONDE ESTÁ O PROBL...


ESPERA, TOOTIE? TOOTIE EM COMO ESSA TOOTIE:


Essa mesma.

ESSA CRIANÇA TEM NO MÁXIMO UNS 10 ANOS DE IDADE! NEM CHEGA A TANTO! O ESPELHO TÁ REALMENTE DANDO EM CIMA DE UMA CRIANÇA?

Caldeirão, mas sim. Como eu disse:


E caso vc esteja se perguntando se a bruxa querer roubar a beleza de uma criança de 8 anos de idade não é no sentido metaforico ou puro, ou sei lá o que... bem, me permita mostrar a tela de Game Over - que mostra ela de facto "roubando a beleza" de uma menina de 8 anos de idade...


UAU, ISSO É... É, NÉ?

Exatamente, é, né? Hã... definitivamente é uma das coisas que é, isso ele é... mas enfim, deixando nossas escolhas narrativas que eu desconfio que envolvem vários anos de cadeia de lado, a coisa é que o urso Banjo parte para resgatar sua irmã, acompanhado da... passarinha que mora na sua mochila?

Sério, o jogo não dá nenhuma explicação sobre isso, Kazooie apenas mora dentro da mochila de Banjo e tem uma atitude "nós nunca falaremos sobre isso". 


Sério, ela apenas mora ali e é isso. Videogames não são a melhor coisa ever? E já que estamos nisso, eu tenho que dizer que adoro como eu não sabia nada absolutamente sobre os personagens desse jogo (sério, eu nunca tinha sequer visto cenas do gameplay antes) e descobri que a Kazooie é essencialmente a versão Nintendo da Canarinha Pistola.

Sério, essa passarinha é muito pistolada do tempo todo!

Uou, calma moça, ele só tá passando o tutorial!


Considerando que os personagens falam num simlich imensamente carismático, então essa parte do jogo está bem coberta... embora que eu já posso prever que por ser colorido o jogo vai ser chamado de "infantil" pelo menos uns 8 bilhoes de vezes, estamos faando de 1998 afinal... mas sim, o jogo é incrivamente carismático e agradavel em seus personagens... o que nos leva a falar do jogo em si. Vamos colocar assim, de uma forma sucinta: Banjo-Kazooie é para SUPER MARIO 64 o que DIDDY KONG RACING é para MARIO KART 64

MAS ESPERA, NAQUELE TEXTO VC DISSE QUE DIDDY KONG RACING É UM JOGO SINGLEPLAYER MELHOR QUE MARIO KART 64!

Sim, ainda que considerando que foi lançado quase um ano depois (e um ano em videogames são 4 eras geologicas completas), definitivamente é um upgrade.

ENTÃO VC ESTÁ SUGERINDO QUE... NÃO... NÃO PODE SER! HERESIA!

Temo que eu esteja, Jorge. Em que nunca possa ser desconsiderado que é um jogo que saiu DOIS ANOS depois, eu não tenho como descrever Banjo-Kazooie como qualquer coisa que senão um aprimoramento das ideias de SUPER MARIO 64 para o genero plataforma 3D.

Sim, sim, estou plenamente ciente, Miyamoto é nosso Senhor e Salvador, e acreditem em mim que eu jamais diria levianamente que alguma coisa é melhor que um jogo dele. Mas o jogo é o que o jogo é, e eu não posso colocar de outra maneira. E quer saber? Essa não é sequer uma coisa que eu inventei da minha cabeça, são palavras do homem, da lenda, do mito em pessoa numa entrevista durante a apresentação de Ocarina of Time:
Taí. Miyamoto-sama em pessoa disse que Banjo-Kazooie é a evolução de SUPER MARIO 64. E obviamente que Miyamoto está certo, pq é realmente isso que BK é, senão vejamos a seguir.

De um ponto de vista técnico, é bem fácil explicar BK. Se SUPER MARIO 64 é um jogo que tira tudo que dava pra tirar do Nintendo 64 com o conhecimento do hardware que se tinha em 1996 (e em programação muita coisa, pra não dizer a maior parte, vc só descobre fazendo), Banjo-Kazooie é o jogo que tira tudo que dava pra tirar hardware mais poderoso da quinta geração em 1998.


Isso quer dizer que nenhum, veja bem, eu disse NENHUM jogo tem fases tão grandes - não em extensão territorial, é fácil fazer espaço vazio em jogos, mas na complexidade de informações contidas. Essa é a coisa, não é que as fases são longas em distancia de uma ponta a outra, e sim que elas tem tantos níveis, tantos objetos interagiveis, tantas partes moveis, tantos segredos que eu não consigo realmente pensar em outro jogo que chegue perto da ambição desse projeto.

Quando se compara o PS1 com o Nintendo 64, é muito comum considerar apenas que o CD cabe muito mais informação bruta que o cartucho e por isso o PS1 tinha vantagem - o que é verdade - MAS porém todavia contudo entretanto, o Nintendo 64 tinha horrores mais memória RAM (ou seja, mais informaão que o console aguentava simultaneamente) e uma capacidade gráfica bem mais avançada. E Banjo-Kazooie com todas suas várias várias coisas em cada fase e todas suas cores é um dos jogos que mostra que não tem sequer discussão, o Nintendo 64 é o console mais poderoso dessa geração.


Se eu tivesse que comparar com alguma coisa, eu diria que o que mais chega perto é TOMB RAIDER 2 Starring Lara Croft... porém mesmo comparando o que eu considero o melhor jogo de plataforma de todos os tempos (até esse momento do blog, junho de 1998)... Banjo-Kazooie ainda tem mais coisas. Tem mais colecionaveis, mais puzzles, mais formas de interagir, é um jogo absolutamente massivo em conteúdo.

MAS mas mãs maaaaaaaaaas, e isso é uma coisa extremamente importante a ser explicada, tem que ser dito que a apresentação da Rare não é nada senão estelar nesse jogo. E por "apresentação" eu quero dizer que não é que as informações são vomitadas em cima do jogador e te vira aí, problema é teu, não.


Embora o jogo tenha uma quantidade absurda de conteúdo, em momento algum eu me senti sobrecarregado de informações ou mesmo perdido - em grande parte pq fazer as fases não serem tão fisicamente grandes ajuda você a mapear mentalmente a fase.

Por exemplo, em SM64 temos três itens colecionaveis em cada fase: estrelas, moedas vermelhas, e moedas azuis (que 5 são trocadas por uma estrela). Já Banjo-Kazooie exige que você colete notas musicais e peças de quebra-cabeça para abrir mais fases, ovos, penas amarelas e penas vermelhas (cada um é munição para  uma habilidadade diferente) bem como upgrades da barra de energia, tokens Mumbo que são trocados por transformações com o Mumbo Jumbo, desbloqueios de novos movimentos e Jinjos (que 5 são trocados por peças de quebra cabeça).


Se isso fosse feito de qualquer jeito, seria só uma putaria de coisas jogadas em cima do jogador e vc perderia o controle do que vc esta pegando ou pq. Mas isso nunca acontece, tudo é feito de maneira tão organica e natural que não apenas vc não fica perdido como é extremamente satisfatório manter o controle na fase do que falta coletar, e com efeito preencher isso é a real diversão do jogo!

Com efeito, o jogo faz tão bem em aplicar suas mecanicas gradualmente que eu acho muito mais dificil explicar como o jogo funciona do que fazer na prática. Essencialmente, vc precisa de dois colecionaveis nesse jogo: as notas musicais e as peças de quebra-cabeça. 


As notas existem 100 em cada fase e servem para abrir caminho no mapa geral do jogo (de onde vc acessa as fases), existem portas dizendo quantas vc já tem que ter coletado pra porta abrir (50,100, 800). Já as peças de quebra-cabeça abrem as fases em si, e tambem funciona com um numero minimo para destrancar as fases. Então é meio que como se em SUPER MARIO 64 tanto as portas quanto os quadros do castelo exigissem cada um o seu próprio numero de colecionaveis separados para abrir (ao invés de apenas abrir as portas com estrelas e os quadros são grátis).

ISSO REALMENTE PARECE MEIO CONFUSO EXPLICANDO...

Parece, mas na prática tudo se encaixa... pq são peças de quebra cabeça os colecionaveis... viu o que eu fiz aqui? Hã? Hã? Não? Enfim... a coisa que importa é que jogando o jogo funciona, acredite.


E é importante que isso funcione, pq de outra forma atrapalharia um jogo nde tudo mais funciona, em especial o level design - que tem algumas das melhores fases de plataforma 3D que eu já joguei (exceto você, Rusty Bucket Bay, deus tem que ser sempre a fase da água, né?). Ao contrário de SUPER MARIO 64 que tem vinte e poucas fases, Banjo tem 9 (dez se considerar o mapa do mundo central que conecta as fases, pq ele é tão complexo quanto uma), cada uma repleta com as ja citadas atividades paralelas, itens colecionáveis e mesmo minigames exclusivos da fase. 

Conforme o jogo avança, você desbloqueia habilidades adicionais que, felizmente, não exigem backtracking, então graças que vc pode pegar tudo numa tacada só salvo UMA exceção (o que de modo geral é mais um acerto da Rare, colocar backtracking nesse jogo só desgraçaria as coisas). 


Talvez o melhor exemplo do que eu digo quando o level design é tão bom é justamente a fase que é mais mencionada quando se fala sobre esse jogo, Click Clock Wood - uma prova do bom game design porque desafia os jogadores de diversas maneiras. Em primeiro lugar, é um cenário vertical centrado em torno de uma árvore que oferece amplas oportunidades para os jogadores caírem e perderem algum progresso (e xingarem vigorosamente). 

Em segundo lugar, certas atividades e itens só estão presentes durante uma determinada estação, o que força os jogadores a pensarem fora da caixa e imaginar como determinados elementos vão reagir com a mudança de estação, especialmente se houver uma área fora de alcance. Em alguns casos, os jogadores devem completar certas atividades durante cada uma das quatro temporadas para desbloquear um colecionável. Embora isso possa parecer repetitivo para alguns, é muito mais divertido na prática, especialmente quando você fica fascinado pelas músicas cativantes de Grant Kirkhope.



Grant Kirkhope é uma espécie de celebridade no mundo da música nos videogames, e se você já ouviu a trilha sonora de Banjo-Kazooie não é dificil entender o pq. Desde os créditos de abertura, a música divertida e rápida de Grant Kirkhope dá o da aventura divertida que teremos a seguir. 

E é isso. Embora a jogabilidade de Banjo-Kazooie não fosse inovadora - como eu disse, esse jogo  é uma evoluão natural de SUPER MARIO 64, seus inumeros acertos de level design e escolhas muito felizes do proprio conceito do jogo fez este passar a ser o novo padrão ouro pelo qual todos os jogos de plataforma 3D seriam medidos dali pra frente.

E considerando que após o projeto do jogo ter voltado a estaca zero pelo menos duas vezes - apenas o jogo ter seu desenvolvimento recomeçado apenas uma vez já é uma enorme red flag - Banjo-Kazooie não apenas saiu do papael como tirou a coroa dos jogos de plataforma 3D das mãos de ninguém menos que o fodendo Super Mario projetado pelo homem, pela lenda, pelo mito... sério, eu não sei o que mais um jogo possivelmente poderia almejar nessa existencia ou em qualquer outra.


MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 118 (Julho de 1997)


Edição 128 (Junho de 1998)


Edição 130 (Agosto de 1998)


Edição 132 (Outubro de 1998)















MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 042 (Setembro de 1997)


Edição 052 (Julho de 1998)


Edição 054 (Setembro de 1998)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 028 (Março de 1998)


Edição 033 (Agosto de 1998)