quarta-feira, 15 de maio de 2019

[AÇÃO GAMES 015] MARBLE MADNESS (Arcade, 1984) [#222]



Final da Copa do Mundo, você do banco de reservas assiste seu time perder o jogo por 2x1. Então, aos 40 do segundo tempo o treinador virá para você e diz "entra lá e salva o dia". Essa é a sua primeira partida profissional de futebol também. Improvavel? Bem, essa é básciamente a história de Mark Cenry.

Mark começou sua carreira sendo contratado como estagiário na Atari em 1982, o que significa que ele teve um lugar privilegiado para assistir o tenebroso crash da empresa e de todo o mercado de videogames em 1983. De 1983 para 1984 o que aconteceu dentro da Atari foi um cenário de guerra: o valor da empresa despencou de 3.7 bilhões de dolares no começo de 1983 para menos de 100 milhões no final de 1985. Isso significa que a Atari perdeu NOVENTA E SETE POR CENTO DO SEU VALOR.



Foi uma carnificina. Dos mais de 6000 empregados da Atari no começo de 1983, mais de 90% foram demitidos, se demitiram ou até mesmo se suicidaram após terem perdido todos os investimentos. Como em qualquer guerra, aqueles que sobrevivem vão sendo promovidos na carreira.

Assim, em 1984, aos dezoito anos Mark Henry havia sido promovido a designer-chefe de jogos porque não haviam mais senpais para faze-lo. Nesta época a Atari, tendo sua divisão de consoles games implodido em chamas, ainda sobrevivia fazendo alguns arcades e jogos para computador e o primeiro seria o que Mark faria.

E um primeiro jogo para arcades foi o que eles fez.

No começo de 1984 ele entregou QWAK!, uma versão eletronica daquele puzzle de deslizar pecinhas. O grande diferencial desse arcade seria que você usaria uma tela touchscreen para abrir caminho para um pato chegar até o seu ninho. A Atari vetou o projeto, depois de pronto, porque a tecnologia touchscreen seria muito cara e os executivos decidiram que queriam mesmo era um jogo completamente novo que fosse para dois jogadores - porque dois jogadores significava o dobro de fichas gastas, obviamente. 



Isso era um cenário completamente comum naquela época, de cada três jogos desenhados dois eram arquivados depois de prontos porque os executivos sentiam que sim. Você pode argumentar que isso é uma péssimo modelo de negócios, ao que eu terei que te lembrar que estamos falando de uma empresa que queimou 97% do seu patrimonio em pouco mais de um ano, "bagunça" sequer começa a descrever o que significava trabalhar com a Atari na época.

Mas bem, a segunda ideia de Mark era fazer um jogo de mini-golf, porém essa ideia foi refinada para um conceito de um jogo de mini-golf onde você controlava diretamente a própria bola. Esse seria Marble Madness.

A ideia original de Mark  era que criar um ambiente 3D e deixar que a fisica fizesse todo o resto - algo relativamente simples nos dias de hoje, porém na época os funcionarios dos outros setores da Atari, muitos deles com o salário atrasado a meses, apenas riram na cara dele. Se Mark queria uma bolinha subindo e descendo por um terreno acidentado, ele teria que programar manualmente as reações da bola para cada sprite de terreno que ela encontrasse e te fode aí maluco.

O que foi exatamente que o que ele fez.

Pouco antes do lançamento, Cerny recorda que Atari queria adicionar uma carinha sorridente a bolinha de mármore, para dar ao jogo um personagem principal identificável como o Pac-man. "Eu queria fazer este jogo abstrato Escheriano, onde nada tinha olhos, e aqui eles estavam dizendo 'Isso não pode ser uma bolinha, tem que ser uma cara feliz!". Ele conseguiu um acordo onde o gabinete do arcade mostraria uma bola de mármore com um toque sutil de um sorriso, mas sem rosto identificável.  Mais importante que isso, Mark conseguiu da Atari que o controle do jogo fosse uma bola para ser rolada dentro da cabine do arcade (uma tecnologia igual a dos mouses com bola), de modo que você controlava o seu marmore literalmente rolando ele na direção que você queria rola-lo e com a velocidade que você girasse a bola.

O que Mark queria mesmo era que a trackball tivesse um motor embutido, de modo que ela oferecesse resistencia para girar quando você tentasse rolar a bola ladeira acima e pudesse ver ela rolar sozinha quando o avatar no jogo rolasse ladeira abaixo, mas essa ideia jamais foi aprovada pela Atari. Bem, você consegue o que você consegue, eu suponho.





 Quando o jogo finalmente foi lançado em dezembro de 1984, vendeu 4.000 unidades. Um número baixo pelos padrões de alguns anos anteriores, mas alto o suficiente para ser o best-seller do ano. O sucesso do jogo durou cerca de seis meses. As vendas caíram, disse Mark, porque o jogo poderia ser concluído em quatro minutos. Ele lamentou não poder gastar mais tempo projetando níveis depois de acertar a tecnologia no lugar; com oito minutos de jogo, poderia ter permanecido um sucesso, ele acredita. 

Porém, a história de Mark Cerny no mundo dos videojogos não termina aqui. Tendo trabalhado no olho do furacão, com as piores condições que a industria de games pode fornecer, Mark acabou aprendendo muito sobre como fazer jogos. Tipo muito, o tipo de "muito" que você só aprende quando tem que trazer sua caneca de casa porque a empresa parou de pagar os fornecedores de copos plasticos para o café. E trazer o café também.

Tendo trabalhado nessas condições, qualquer lugar depois disso seria um passeio no parque. E de fato, muitos passeios no parque ele deu depois. Mark trabalhou com a Sega do Japão no desenvolvimento de Sonic 2 (período durante o qual ele conheceu sua atual esposa, que é japonesa), ele trabalhou com a Naughty Dog onde ele fez parte da equipe que criou Crash Bandicoot, Spyro the Dragon  até Uncharted.

Da esqueda para direita: Mark Cerny, Lucas e Michael Jackson


Porém, o que Mark gostava mesmo de fazer era explorar novas tecnologias, bolar novas engenhocas para os jogos (como o seu QWARK em touchscreen ou Marble Madness usando uma trackball). Por isso quando, após quase quinze anos na empresa lhe foi oferecido pela primeira vez a direção de um novo projeto, ele polidamente recusou pois recebeu uma proposta de trabalho da Sony para fazer o que ele realmente amava fazer: bolar traquitanas.

Esse projeto que ele recusou a liderança veio a ser conhecido como um joguinho indie totalmente obscuro, um tal de "The Last of Us", provavelmente você nunca ouviu falar. 

Isso não quer dizer que ele se arrependa por um momento da escolha que fez, no entanto, pois se ele abriu mão de liderar um dos maiores jogos de todos os tempos foi para fazer algo tão importante quanto. 

Na Sony ele realizou seu sonho de trabalhar diretamente com hardware, e lá ele trabalhou no projeto do portátil PS Vita. A empresa ficou tão satisfeita com o que ele fez no hardware daquele aparelho que ele foi convidado para ser o projetista chefe do Playstation 4. Não um mal negócio, se você me perguntar

Mark Cenry no anuncio do PS4


Então quando você estiver jogando The Last of Us 2, God of War ou Homem Aranha no seu PS4, lembre que nada disso seria possível sem o homem que aos 18 anos teve a ideia de fazer uma bolinha rolar.