Sabe no que videogames são essencialmente diferentes de qualquer outra midia criativa? Até mesmo únicos, eu diria? Continuações.
Quando um diretor faz um grande filme, a última pessoa que as pessoas querem é "ok, agora queremos outro filme exatamente igual só melhorando algumas coisinhas" porque essa é uma ideia bem preguiçosa. Por isso tão poucas continuações de filmes são melhores que o original, porque quando um filme está pronto, bem, ele está pronto.
Videojogos não são assim. Fazer um videogame é bem mais complicado e depende de varias partes que voce pode visualizar a vontade na sua cabeça, mas não vai saber como vai ficar na prática até colocar seus dedinhos para escrever as linhas de programação. Um quadro a mais ou a menos de movimentação de um personagem pode mudar inteiramente a experiencia do gameplay (Shaq-fu que o diga) e, honestamente, você só tem como descobrir fazendo. Por isso experiencia conta muito, já que a maioria dos jogos não tem o dinheiro disponível para ficar começando do zero toda hora (a menos que você seja um Final Fantasy... que é meio como eles fazem esses jogos agora e deus nos ajude...).
Então quando um jogo é bom, quando ele tem uma boa ideia ou conceitos bacanas é muito provavel que a continuação será melhor ainda. Ao contrário do cinema, são inumeros casos em que a continuação de um jogo é melhor que a original - eu nunca coloquei na ponta do lápis, mas minha sensação pessoal é que é a maioria.
Mas isso nos leva a uma questão: se é só fazendo que se aprende... então como ganhar experiencia nisso?
Esse foi o dilema que a Capcom enfrentou ao ter que programar seu primeiro jogo original para o Super Nintendo. Eles estavam entre os principais desenvolvedores de jogos na geração passada, mas agora as regras do jogo mudaram. Exemplo prático: a rom de um jogo de Nintendinho tem por volta de 25k de tamanho. A de um jogo de Super Nintendo tem entre 1MB e 3MB de tamanho! Sem contar que a linguagem de programação é outra.
É mais ou menos você ter doutorado na sua lingua nativa... e então ter que aprender do zero uma lingua que você nunca tinha tido nenhum contato antes.
Então, comofas?
Bem, se você não sabe o que fazer... comece humilde enquanto ganha experiencia para tentar inimigos maiores mais para frente. Foi exatamente o que a Capcom fez.
É, ok, ou fique para sempre nos inimigos de nível baixo se essa é a sua coisa, pode funcionar também... |
Assim, "The Magical Quest Starring Mickey Mouse" (puta merda que nome enorme, eles estavam tentando nomear uma light novel ou algo assim?) é um jogo simples. Bem simples, na verdade e em nenhum momento ele tenta inventar a roda.
Como pode se esperar, é um joguinho de plataforma em que claramente a Capcom está "testando a água" com o Super Nintendo, vendo como o console funciona e o que ele pode fazer. Por exemplo, tem UM chefe do jogo que usa o Mode-7 (chip do SNES capaz de rescalonar sprites e dar uma sensação de pseudo-3D) que eles colocaram lá para "ver como ficava", mas afora isso o jogo é basicão mesmo.
Mickey pula nos inimigos, agarra objetos (ou inimigos atordoados) e pode usa-los como arma.
Você pode agarrar esses... tomates voadores... e voar por um tempinho. Como muitas coias que a Capcom estava testando nesse jogo, essa mecanica só existe nessa fase |
Depois de testar essa mecanica por três fases e um chefe, a Capcom parece que pegou o jeito de como a coisa funciona e passou a fazer algumas outras experimentações sobre o que o Super Nintendo é capaz de fazer. Isso quer dizer que a partir do segundo mundo Mickey ganha poderes especiais na forma de roupas mágicas que um velho esquisito dá para ele... e ele puxa um provador do nada e troca de roupa na frente do velho ali mesmo...
Isso, veste esse turbante, isso ratinho, hmm... |
Em cada um dos três mundos subsequentes Mickey ganha roupas mágicas que lhe dão habilidades extras: o mágico dispara magia e respira embaixo dagua, o bombeiro empurra coisas com seu jato d'água e o tirolês tem um ganchinho para se pendurar e puxar coisas.
Mas a coisa desse jogo é que, embora você possa trocar de roupa, cada mundo foi desenhado para testar um tipo de gameplay em especifico. Então no mundo do bombeiro embora você POSSA jogar como mágico, o design da fase não foi feito preocupado com isso.
É apenas no último mundo que o jogo começa a experimentar em fazer você alternar entre as roupas, mas literalmente o jogo já está bem no finzinho quando isso acontece.
TMQSMM é um jogo com o padrão Disney de qualidade: gráficos bonitos, personagens grandes, controles responsivos, música agradavel. Embora, como eu falei até aqui, a Capcom ainda estava aprendendo as cordas com o SNES e algumas coisas nesse jogo parecem... estranhas. Eu não sei se estão faltando quadros de animação no Mickey ou alguma coisa assim, mas não é algo tão fluído quanto se pode esperar.
O design das fases, mesmo quando "testando" as habilidades das roupas não é particularmente inspirado (você sabe: mundo de gelo, mundo de fogo, floresta, caverna, castelo...), mas também não é ruim. Como um todo o jogo não é particularmente impressionante, mas para uma primeira volta da Capcom com o hardware novo no quarteirão está bastante bom.
Afinal é assim que se faz qualquer coisa na vida, aprendendo aos poucos e com cuidado. Foi o que a Capcom fez. Até porque Betina só existe uma.