Existe uma coisa no futebol que é conhecida como "Lei do ex", algo que é bem conhecido de quem joga cartola: quando um jogador enfrenta o seu ex-clube, é normal ele jogar o que nunca jogou na vida para mostrar para aqueles piltres que não souberam lhe dar valor.
O que pouco se sabe é que isso se aplica a empresas de videogame também. E essa é a história de Hiroshi Matsumoto e o universo gamematografico da SNK.
Em 1987 Hiroshi Matsumoto teve um projeto ambicioso: criar um jogo de luta. O que não é grande coisa hoje, mas na época ninguém tinha feito um jogo de dois bonequinhos na tela tirando um contra um. Obviamente que isso nunca foi feito não porque ninguém nunca tinha pensado nisso, mas sim porque não havia capacidade tecnica para tal. O jogo seria um porre, dois bonequinhos como no boxe do Atari, meh, não daria certo.
Como os jogos de luta eram naquela época |
Matsumoto, no entanto, era um rapaz ambicioso e um fã de wrestling, as duas coisas que são necessárias para fazer um grande jogo de luta. Ele pensou em golpes especiais, em personagens carismaticos e com história, que cada personagem tivesse sua própria música tema, cenários exóticos ao redor do mundo, o pacote todo.
Uma das ideias de Matsumoto era que houvesse um grande botão para o jogador socar, e a força do soco do jogador determinaria se o soco seria forte, médio ou fraco. Claro que não tinha tecnologia para fazer isso em um fliperama sem que o aparelho quebrasse depois de quinze minutos, e é por isso que até hoje os jogos de luta bem em controles de seis botões (para chute e soco fraco, médio, forte).
Enfim, Matsumoto era um rapaz repleto de sonhos e esperanças, e queria realmente deixar sua marca na história dos videojogos. E foi assim que ele criou um dos PIORES jogos de luta de todos os tempos: Street Fighter. Deus como esse jogo é ruim, se eu não conhecesse melhor diria até que foi a Sega que fez...
Vê, a coisa é que as ideias de Matsumoto eram boas, mas a Capcom não tinha a experiencia para executa-las (verdade seja dita, NINGUÉM tinha, eles estavam literalmente inventando um genero ali) e a tecnologia da época não ajudava muito também. Coisas que potencialmente poderiam ser corrigidas em uma continuação, mas a Capcom achou que não, estava bom assim e Street Fighter foi engavetado e Matsumoto levou um pé na bunda.
Mas a vida é uma caixinha de surpresas, como já diria o grande filosofo moderno Joseph Climbert, e qual não é a surpresa de Matsumoto cinco anos depois ao sair do seu karaoke favorito (onde ele alugava uma cabine para ficar cantando sozinho INCENDIO NO CANAVIAL) e se deparar com uma fila dobrando a esquina. Curioso, ele foi até o começo da fila para ver o que estava acontecendo e qual não sua surpresa ao ver aquela comoção toda era para jogar STREET FIGHTER 2!
A Capcom não apenas havia desengavetado sua ideia cinco anos depois, como implementou muitas das ideias que ele havia tido originalmente - só que bem executada dessa vez! Imagine um japonês que ficou putaço da cara...
Movido por nada senão fúria e uma dose pouco saudável de saquê, Matsumoto se dirigiu ao primeiro estúdio que ele encontrou e estivesse contratando. Era a Sega. Então ele foi ao segundo, porque ele não estava TÃO bebado assim também. E foi assim que ele entrou chutando a porta da SNK e proclamando que faria daquela empresa a maior produtora de jogos de luta do Japão. Depois teve que repetir isso, porque da primeira vez ele entrou numa lanchonete achando que era a SNK, mas enfim.
Quando assinou seu contrato, Matsumoto deixou claro a forma de pagamento que ele pretendia: lágrimas da Capcom. O que eventualmente o transformou em um sem-teto, é muito dificil pagar o aluguel usando essa moeda, mas isso não é isso importante agora.
O que importa é que Matsumoto teve uma ideia que não apenas colocaria a SNK no mapa, como mudaria para sempre as pessoas pensariam em jogos de luta: ele pensou em um universo compartilhado de jogos de luta. Foi assim que nasceu a iniciativa King of Fighters.
Até aquele ponto, em 1991 a SNK (assim como todo mundo) já havia tentado lançar a sua versão de Street Fighter 2. Um joguinho de luta não tão bom assim chamado "Fatal Fury: The King of Fighters". Enquanto o Fatal Fury original não tinha muita coisa além de versões dos personagens de Street Fighter 2, quando perguntado sobre seus novos colegas o que ele achava do trabalho que eles haviam feito até então ele apenas respondeu:
- Fraco.
- Como assim "fraco"?!
- Eu não terminei, espera.
- Ah bom...
- Fraco. E amador.
Não há registros que essa conversa realmente aconteceu, mas eu gosto de pensar que sim, e esse é o meu blogo afinal. Enfim, a primeira coisa que Matsumoto decidiu é que o proximo jogo da SNK não seria "Fatal Fury 2" e sim um jogo totalmente diferente... que se passa no mesmo universo. Você termina esse novo jogo e descobre que quem estava por detrás de tudo era ninguém menos que o vilão do jogo anterior de uma franquia diferente!
Apesar de ter oito personagens disponíveis no modo versus, o modo história de Art of Fighting possui apenas dois personagens para escolher. Isso porque Matsumoto achava que você não poderia contar uma história cinematográfica sem um protagonista fixo.
Dito isso, vamos então conhecer os quebradores de pau na ARTE DA LUTARIA!
RYO SAKAZAKI
Sim, Ryo parece uma mistura dos protagonistas de Street Fighter (Ryu e Ken), mas então esse jogo foi feito pelo criador de Street Fighter, eu não diria que é exatamente uma grande surpresa. Ryo é o herdeiro do dojo Sakazaki, e desde muito jovem foi treinado com a rigidez de um japonês criado para tocar os negócios da família.
Quando ele tinha dez anos de idade sua mãe morreu em um acidente de carro... e o seu pai picou a mula sem nem deixar um bilhete explicando o motivo. Assim ele teve que criar a irmã sozinho e administrar o dojo ainda criança. Bem, ele ainda é uma criança japonesa, então imagino que ele saiba fazer a contabilidade melhor que qualquer um de nós.
Mas então agora foi a vez a sua irmã sumir e Ryo decidiu que não ia deixar barato. Ele vai até as bocadas de Southern City espancar cada punk, mendigo e fã do Jota Quest que ele conseguir encontrar para saber o paradeiro de sua irmã Yuri. Pessoalmente eu recomendaria analisar sua personalidade porque todo mundo tá te deixando, cara!
ROBERT GARCIA
Robert ocupa o indispensável papel de amigo rico, porque alguém tem que financiar essa aventura, né? Filho de um magnata italiano, Robert decidiu aprender o karatê da família Sakazaki apenas porque ele é muito incrível em tudo e precisa de um desafio para não ficar entediado. Bem, ele é um personagem inspirado no Steven Seagal, então acho apenas justo...
Robert é o melhor (e provavelmente único) amigo de Ryo e sua maior ambição na vida é entrar para a família Sakazaki, sendo a adolescente de 16 anos Yuri Sakazaki o seu crush. Assim, quando Yuri desaparece Robert se oferece para dar uma força ao parça e resgatar a cocotinha no processo. Realmente parece incomodo que eles tenham desenhado o Robert como se ele tivesse mais de trinta, quando você pensa nisso...
RYUHAKU TODOH
O primeiro lugar onde Robert e Ryo vão procurar por Yuri é no dojo rival dos Sakazaki. Sacumé, você não realmente pode dizer que tem um dojo de sucesso se o rival do bairro não tentar te abalar sequestrando sua irmã menor de idade, né?
Adicionalmente... sou só eu ou tem algo profundamente perturbador em japoneses de bigode? Eu fico com a sensação de estar vendo o Seu Madruga com o cabelo do Shiruy e isso parece errado de muitas maneiras diferentes...
JACK TURNER
O próximo passo de nossa aventura é se adentrar nas bocadas de Southern City, e você não pode realmente ir para as bocadas sem entrar por engano em um bar de uma gangue de motoqueiros - que não veem com bons olhos pessoas entrando nos seus estabelecimentos e consumindo seus produtos.
... tenho que dizer que eu não faço ideia de como esse negócio pode dar lucro. Mas pelo menos ao ser derrotado Jack dá uma dica importante: a gangue dele não sequestra mulheres nem crianças, mas talvez Ryo e Robert devam perguntar em China Town. O que provavelmente eu vou entrar em outro território de gangue e ter que lutar com alguém, né?
LEE PAI LONG
Lee Pai Long não tem nenhum motivo melhor para te atacar do que o fato que ele é um maluco com uma mascara de madeira que ataca qualquer um que entra na sua bocada. Cara, essa é uma cidade bem dificil de caminhar, não? Você não pode dar dois passos sem estar ofendendo pessoalmente um mestre de algum tipo de arte marcial por inadvertidamente pisar no território dele. E depois tem quem ache que o anarcocapitalismo vai ser uma boa ideia...
Mas ok, sem problema, eu sei exatamente como lidar com o seu tipinho, maluco da madeira!
Ok, talvez eu não saiba tanto assim... o problema desse jogo é que os personagens são muito invocados e vão para cima de você sem só de comer suas fichas, e o jogo tem essa mecanica que quando os personagens estão perto a tela da zoom (e os personagens ficam enormes na tela) e afasta quando eles estão longe. Esse efeito é muito legal, mas quando o personagem é muito rápido dá uma certa tontura a tela afastando e aproximando.
De qualquer forma, ao ser derrotado Lee diz que quem está por dentro das tretas nervosas do submundo é o segurança do café L'amor, um tal de King...
KING
Ok, parece que estamos chegando em algum lugar finalmente. King não é apenas um segurança qualquer, nas horas vagas ele é o braço direito do chefão do crime de Southern City - o temível Mr. Big. Na ausência do Devilmon, parece uma boa pessoa para perguntar sobre o paradeiro de uma colegial desaparecida.
Pouco surpreendentemente, King parece que só vai falar depois de sair na porrada. Tenho que dizer, definitivamente não darei mais do que duas estrelas para esta cidade no Tripadvisor...
... se bem que eu tenho que dizer, dessa vez você mereceu Ryo. Só porque o cara é baixinho e usa ombreiras dos anos 80 ele não pode ser um segurança? Eu sei que você já não é muito gentil e está preocupado com a sua irmã, mas foi pouco sensível da sua parte - o cara até te deu boa noite!. Enfim, se é para lutar, então lutaremos e...
... HOLY MAMOLI! SÃO T-T-T-T-T-T-T-T-TIIIIIIIITTSSSSS! KING É UMA MOÇOILA!
Uau, tenho que dizer que não vi isso vindo. Não só fui surpreendido, como fui surpreendido por magumbos. Bem jogado, Matsumoto, realmente bem jogado. Ao ser derrotada, King diz que seu chefe está fazendo negócios com um trambiqueiro chamado "Micky Centrinho", e que provavelmente ele vai saber mais sobre o paradeiro de Yuri.
Uma característica de Art of Fighting é que os sprites dos personagens vão mudando conforme eles vão tomando dano, e eles terminam a luta com a cara inchada ou toda roxa. O que é um toque bem sutil mas bastante legal... embora ver uma mulher com a cara toda arrebentada não parece muito certo. Melhor vazar antes que a Maria da Penha baixe por aqui...
MICKEY ROGERS
Mickey Rogers era um boxeador profissional que foi expulso dos ringues depois que ele acidentalmente matou um homem no ringue. Ele anda pelos becos do centro de Southtown buscando adversários para descontar sua raiva e frustração. Caralho, que cidade bocada!
Você não pode dar um role pelo centro com seus tamancos de madeira sem ser atacado pelo primo maromba do Perigo?
No fim da luta que Micky revela que Mr. Big está usando a fabrica para armazenar alguma coisa (ou alguém), só para chegar nessa area você tem que passar pelo porto controlado por um militar corrupto que ele tem na sua folha de pagamento.
JOHN CRAWLEY
Ok, estamos quase chegando no Mr Big, só precisamos passar por esse militar genérico do qual eu não consegui pensar em absolutamente nada interessante para dizer exceto que a SNK podia ter escondido um pouquinho melhor a "inspiração" já que seu cenário é praticamente o mesmo do Guile de Street Fighter 2.
MR. BIG
Finalmente! É a hora que a criança chora e a mãe não escuta! Agora vai! Seu confronto no x1 contra o carequinha das baquetas mais iconico da história dos videogames... provavelmente porque ele é o único, mas enfim.
Como é tradição nos jogos da SNK, o chefe final é apelão mas pode ser derrotado. Agora é só curtir o final e... Mr. Big diz que Yuri está no antigo dojo, mas ela está sendo guardada por alguém mais forte do que ele! Como?!
MR. KARATE
Quem é este misterioso karateka com mascara de tengu que é mais picalão que o chefe do crime de uma cidade tão boca braba? Este é o misterioso Mr. Karate e tudo que sabemos sobre ele é que suas tecnicas de luta são iguais as ensinadas pela família Sakazaki e que ele fica muito bem de preto.
Após muito esforço, você finalmente consegue vencer o Mr. Karate e está prestes a dar o golpe final... quando Yuri surge e interrompe seu ataque derradeiro!
E o jogo termina assim. Sério. Os jogadores só saberiam o final dessa história dali a dois anos, quando em 1994 foi lançado Art of Fighting 2. Dois anos sem saber, como viveremos?! E você reclamando de receber spoiler no Facebook, que feio, né?
... mas pelo menos não precisamos esperar isso tudo porque em 1993 foi lançado um port desse jogo para Super Nintendo e a versão doméstica entrega os feijões do que realmente aconteceu aqui.
Como você já pode imaginar, esse homem é na verdade o pai de Ryo e Yuri (e futuro sogro de Robert, se nada o impedir). Seis anos atrás houve um atentado contra a sua vida quando seu carro foi sabotado, e sua esposa acabou morrendo. Takuma Sakazaki então largou os filhos e partiu em busca de respostas e vingança, não encontrando nada no processo. Arruinado, ele se entregou a bebida e ao jogo, acumulando dividas e DSTs.
Foi quando um homem lhe ofereceu um novo começo: um mafioso em ascenção chamado Geese Howard. Geese é o chefe final de Fatal Fury, e é aqui que começa a ficar intrincado o SNKverso. Tendo a fachada de um empreendedor imobiliario (ele é inspirado no Rei do Crime), Geese sabia que a única pessoa que poderia expor seus crimes era seu antigo colega de artes marciais Jeff Boggard (pai dos protagonistas de Fatal Fury, Andy e Terry Boggard que justamente partem em uma missão de vingar o pai). Para não sujar seu nome e se arriscar a um confronto direto, então Geese pede a Takuma Sakazaki (que a essa altura fazia trabalhos sujos para ele sob a mascara de Mr. Karate) que o faça, ao que Takuma se nega.
É aí que o seu subalterno - Mr. Big - sequestra a filha de Takuma para obriga-lo a colaborar. Depois que Mr Big é derrotado, Takuma ainda luta contra Ryo e Robert para testar a força de seus discipulos e ver se o dojo Sakazaki ainda estaria em boas mãos, pois ele não se considera digno depois de tudo que fez.
No fim, Ryo e Yuri o perdoam, Robert se sente desconfortavel por estar no meio de um momento intimo demais da familia, e juntos eles se preparam para enfrentar o verdadeiro vilão dessa história: Geese Howard.
Fim.
E esse foi Art of Fighting. Não tem como falar de jogos de luta dessa época e não comparar com Street Fighter 2, e nesse quesito a jogabilidade do jogo da Capcom é muito melhor. Os personagens são mais leves (no sentido que respondem melhor), os golpes saem com mais fluidez e as lutas são mais equilibradas.
Mas mesmo assim Art of Fighting compensa com várias ideias que anos depois viriam a ser incorporadas por praticamente todos os jogos de luta. Por exemplo os ataques especiais, sendo que você tem dois para cada personagem: o normal que gasta toda sua barra de chi e o desperate move, que só pode ser feito quando você está com o chi cheio e um trisquinho do HP (e que tira metade da vida do oponente se pegar). Como carregar o chi é um processo arriscado (você literalmente recupera como em Dragon ball Z, abrindo a defesa e concentrando chi), é um risco/recompensa interessante.
Eu também gosto que soltar ataques especiais gasta chi, então você tem que equilibrar com a luta corpo-a-corpo, e que nesse jogo o botão de provocação faz alguma coisa: ele faz o adversário perder chi.
São várias ideias pequenas e coisinhas legais assim como os personagens serem gigantes na tela ou eles ficarem com a cara detonada durante as lutas que promovem Art of Fighting alguns passos acima do status de mero "clone de Street Fighter 2". Eu, em minha carreira gamemaníaca, nunca fui um grande fã da SNK e de jogos de luta em geral, mas se bem que essa é a primeira vez que eu estou pegando a série do começo e, honestamente, eu gostei mais do que eu esperava que gostaria.
Aprovado!
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Edição 024
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