quinta-feira, 18 de julho de 2019

[AÇÃO GAMES 024] STANLEY: The Search for Dr. Livingston (NES, 1992) [#249]

 

Taí um jogo que não se ouve falar todo dia. Eu quero dizer, literalmente: eu nunca tinha sequer ouvido falar dele até ver este jogo na Ação Games. Isso é raro, e normalmente não é um bom sinal já que jogos esquecidos pelo tempo tendem a ser esquecidos por um motivo. Não neste caso, felizmente.


Em primeiro lugar, "Stanley: The Search for Dr. Livingston" é baseado em uma história real - algo que, até hoje, não é tão popular assim. O Dr. David Livingstone foi um missionário e explorador britânico do século 19 que mapeou mais partes da Africa do que qualquer homem até então. Mais importante do que isso, o Dr. Livingstone tinha uma visão bem legal do porque era importante não apenas mapear mas sim levar civilização e desenvolvimento ao coração da Africa: se a Africa fosse incluída como parte recorrente do mundo e não apenas "aquele lugar que eu ouvi falar e sei que tem umas coisas lá mas eu não me importo", isso diminuiria em muito a força dos escravagistas na região.



Se é apenas ridicula a noção de que alguém sequestraria um homem no centro de Londres e o venderia como escravo, o doutor Livingstone acreditava que o mesmo poderia ser feito com a Africa com informação suficiente sobre o continente. Em muitas cidades africanas ainda hoje o Doutor Livingstone é tido como uma lenda e um herói local, sendo formado em medicina pela universidade de Glasgow ele foi o primeiro homem com formação médica que vários lugares da Africa viram e ele salvou incontáveis vidas com seu trabalho. Os relatos médicos do Dr. Livingstone enviados de volta para a Europa também ajudaram a avançar em vários anos as pesquisas sobre doenças e parasitas tropicais como varíola, malária e elefantiase. Hoje a Universidade de Glasgow ainda é o maior centro de pesquisas do mundo sobre essas doenças que pouca gente no primeiro mundo se interessa, legado do doutor Livingstone.

Claro, como tudo que envolve o império britanico isso não acabou tão bem assim para os nativos e existe um motivo pelo qual os ingleses conseguiram a façanha de serem odiados por todo e cada canto do mundo onde seu império tocou (exceto nos Estados Unidos, curiosamente), mas as intenções do Dr. Livingstone em si eram boas.



Então, em 1866 o doutor Livingstone partiu para uma expedição afim de encontrar a nascente do rio Nilo, o que era uma grande questão da geografia na época - e em muitas épocas depois disso, já que a verdadeira nascente do Nilo só foi encontrada em 2006! O que, alias, faz do Nilo o maior rio do mundo até o momento (já que pesquisadores brasileiros estão estudando formas tecnicas de considerar uma nova nascente para o Amazonas e trazer essa glória de volta para o Brasil, você não fica orgulhoso de ser coagido sob ameaça de violencia do Estado a financiar coisas importantes assim?). Esta expedição deveria durar dois anos, porém seis anos se passaram e ninguém mais ouviu falar do Dr. Livingstone.

Muitos o consideraram morto, porém um reporter novato do New York Herald viu aí sua chance de ouro de fazer um nome para si mesmo no jornalismo. Assim, Henry Morton Stanley foi full profissão reporter ao coração da Africa encontrar o Dr. Livingstone - ou o que sobrou dele, pelo menos. Após quase morrer mais vezes do que o Deadpool, ele acabou encontrando o Dr. Livingstone em um vilarejozinho no que hoje é a Tanzania. Neste encontro se deu uma das mais famosas citações da lingua inglesa: "Dr. Livingstone, eu presumo?", que seria parafraseada em milhares de obras no futuro.


O fim dessa história é que o Dr. Livingstone permaneceu na Africa para concluir sua missão (onde veio a morrer de malaria um ano depois), e Stanley voltou para a América com sua história, onde ele se tornou muito famoso e por sua aventura, lançou um livro e impressionou todas cocotinhas vitorianas que pode encontrar. Hmm, pensando bem acho que não é assim que isso funciona, mas enfim...

Bem, agora que você sabe a história real por detrás dos fatos (acho que essa frase está errada, mas estou gripado demais para me importar agora), está preparado para ver o joguim fumeta que fizeram sobre isso!



Se alguma coisa, "Stanley: The Search for Dr. Livingston" é um jogo que pode ser lembrado por duas coisas. A primeira, como eu já disse, é se basear em uma história real. Algo raro nos videogames, principalmente no Nintendinho. A segunda é que esse é um jogo realmente muito bom, algo tão raro no Nintendinho quanto!

A melhor forma que eu tenho de descrever esse jogo é que ele é parte Pitfall, parte Metroid, parte Zelda 2 e parte jogo de tabuleiro - e, mais impressionante AINDA, não faz nenhuma dessas coisas mal feita!

Mas então, vamos lá: seu objetivo é encontrar o Dr. Livingstone que nesse jogo perdeu um "e" no nome. Ninguem volta da Africa a mesma pessoa que foi, é o que eles dizem. Para isso você tem  que explorar esse mapa onde cada "casa" dele é uma fase. Algumas são faceis, mal passando de uma única tela, outras são dificeis tendo bazilhões de inimigos voando em cima de você.


A grande sacada disso é que, ao contrário do que normalmente acontece, existe uma lógica nisso. As fases perto de trilhas ou de vilas são mais tranquilas, mas quanto mais você se embrenha no coração da Africa mais dificeis as fases vão ficando. Isso... faz sentido na verdade. Espera, eles são legalmente permitidos de fazer jogos que façam sentido? Impressionante.

Enfim, depois que você terminou uma fase você pode passar por ela no mapa geral, então o jogo tem essa coisa de jogo de tabuleiro de ir "virando" os tiles conforme você vai explorando. Você pode voltar nas fases se quiser, mas não é obrigado.

E porque você iria querer voltar nas fases? Bem, porque é aqui que entra o aspecto Metroid do jogo: você precisa coletar itens que vão te dar novas habilidades para conseguir avançar. Por exemplo, na primeira cidade os NPCs te dizem que você precisa de um gancho com corda para avançar e que ele está localizado ao norte. Então você explora as fases dos tiles ao norte da cidade e eventualmente acha o grapnel, que te permite fazer isso:


Agora você tem um certo poder de escalar paredes e pode avançar em fases que inicialmente pareciam instransponíveis. E assim para as outras quests do jogo, que é onde entra o fator Zelda 2. A primeira fase do jogo na verdade é uma cidade onde você fala com os NPCs ao invés de ataca-los, e mais para frente existem algumas outras vilas onde os nativos te dão quests que você tem que resolver antes de poder avançar.

Não é nada terrívelmente criptico ou obscuro, e normalmente funciona bem para te fazer explorar o mapa. Por exemplo, na terceira seção do mapa o chefe da vila diz que eles estão enfrentando um problema de seca, que vai te dar a chave para o portão para a próxima sessão se você ajudar ele com isso. Então o que você tem que fazer é explorar os tiles naquela seção do mapa até encontrar um item que vai restaurar a fonte e voi-la, todo mundo fica feliz.

Como as fases são relativamente curtas, a exploração acaba não ficando sacal (ah, entrei nesse tile e não tinha nada, dammit) e como você está sempre fazendo algo diferente o jogo acaba não ficando repetitivo. O jogo tem aproximadamente duas a três horas de duração, mas eu achei ele muito menos cansativo do que vários outros títulos de meia hora que eu já joguei até aqui.

Obrigado pela dica, cara encarando a propria parede que tinha uma lança no chão da sala por algum motivo e que eu roubei ela!
Mas ainda sim, mesmo quando você entra em um tile que não tem o item que você precisa, isso não quer dizer necessariamente que você está perdendo seu tempo já que você pode encontrar armas ou itens que aumentam os seus atributos (é possível aumentar a energia, o ataque e a defesa). Olha só, um jogo sobre exploração que efetivamente te recompensa por explorar alguma coisa! Que ideia louca, não?


Claro que nada disso adiantaria muito se jogar o jogo não fosse satisfatório, e nesse aspecto não há muito o que reclamar desse jogo também. Enquanto não é nenhum Mario ou Ducktales, a jogabilidade é bastante redondinha e gostosa de se jogar. Seu personagem pula bem, o uso do... helicoptero de mochila do século 19 ... é um gimmick que dá uma variada no gameplay, o ataque a principio parece curto e fraco mas isso é porque o jogo quer que você pegue armas e power ups. Encontrar o machete é um boost satisfatório para o seu alcance e poder de ataque, e depois de alguns power-ups no atributo de força do seu personagem você acaba invariavelmente se sentindo assim:


Eu não gosto muito da expressão "perola perdida" porque ela normalmente é usada para fazer de um jogo absolutamente comum que o comentador quer se promover a espertão dizendo que viu o que ninguém viu antes. Mas a verdade é que este joguete do Stanley é um excelente jogo que tenta fazer várias coisas diferentes, misturando vários elementos de outros jogos com ideias próprias e muito mais acerta do que erra. Não fosse o fato de ter sido lançado em uma época que pouca gente ainda se importava com o Nintendinho (no final de 1992 o jogo já havia migrado para a disputa entre o Super Nintendo e o Mega Drive), certamente teria tido muito mais reconhecimento do que teve.

Um grande jogo, eu presumo.