Eu poderia muito bem começar esse texto dizendo que enquanto eu amo videogames, eu amo todos os generos igualmente e todos tem um lugar exatamente igual no meu coração. É, eu poderia começar dizendo, só que teria um problema daí: isso seria uma puta de uma mentira safada. Tem isso.
Não dá cara, combinar as qualidades do tradicional jRPG com boardgame é algo que sempre tem minha atenção, se botar uns bonequinhos em um grid é nóis que voa bruxão. Por isso imaginem a minha surpresa quando eu não descubro que Arc O Camarada - que eu conhecia só de nome mas não fazia ideia de que jogo era, achava que era um Action RPG - se revela como o primeiro RPG Tático do Playstation!
O jogo começa bem forte e interessante: a arte 2D é bonita e os personagens são satisfatoriamente bem animados para um jogo do começo da vida do Playstation. Mas mais importante que isso, o cenário é interessante.
O que rola aqui é que por algum motivo politico a sacerdotiza Kukuru vai ser obrigada pela sua religião a casar com algum figurão e assim fortalecer o poder político da igreja. Como ela decidiu resolver o problema? Indo até o alto da montanha onde arde a chama eterna que é todo o tema da religião e... simplesmente apagar a porra. Pronto, sem religião, sem casamento forçado. Problemas?
Então... na verdade tem sim. Aquele fogo que estava queimando a mais de 3000 anos servia sim para alguma coisa na realidade, só que ele estava queimando a tanto tempo que as pessoas - e até mesmo a religião que deveria cuidar dele - acabaram esquecendo a real função dele.
Que era manter o capiroto preso. Então, é, talvez apagar o fogo sagrado de 3000 anos que não tinha uma função meramente simbólica não tenha sido a melhor ação, olhando em retrospecto...
A libertação do tinhoso inicia um inverno pesado subitamente na vilazinha proxima, o que é uma coisa boa porque nosso menino-moleque Arc identifica que foi numa noite de nevasca estranha assim que seu pai desapareceu dez anos atrás. Logo ele deduz que o que quer que tenha sumido com seu paipai deve estar de volta e vai subir montanha acima pra meter o pavor no tinhoso!
Boa, Arcão!
O Capivara só mandou um full Thanos de "eu nem sei quem você é" e mata nosso herói. Menos boa, Arcão.
Aí então Deus, ou algo assim, vê a merda que tá rolando e manda um "taqueopareo, só tem idiota nessa porra mesmo" e trás Arcolicia de volta a vida para cumprir a missão. Suponho que agora você imagina o que vai ser o resto do jogo, certo? Arc e a sacerdotiza Kukuru vão se encontrar, viajar pelo mundo para caçar o capiroto, encontrar aliados pelo caminho e viver altas aventuras, certo?
Ou então Arc pode apenas acender o fogo de volta e isso prender o capiroto enquanto ele está bem longe dali. É, suponho que isso seria mais simples realmente.
Hmm, isso foi um tremendo vacilo da sua parte, heim seu mochila-de-criança? Meio constrangedor, na verdade. Melhor asserção de prioridades na próxima vez, se é que vai haver uma próxima vez algum dia. Seja como for, o problema do demonio vacilão foi resolvido mais rápido do que eu poderia esperar.
MAS ENTÃO SE ESSE PROBLEMA FOI RESOLVIDO TÃO RÁPIDO... ENTÃO SOBRE O QUE É ESSE JOGO?
Ah, o homem está destruindo a natureza e se condenando no processo, então você precisa encontrar 5 guardiões para te dar a benção deles para com isso abrir a Arca do poder e com esse poder fazer alguma coisa a respeito. O que exatamente ele vai fazer para salvar a natureza é algo que saberemos apenas no próximo jogo, pq esse termina na parte que Arc ganha o poder da Arca (sim, eles são engraçadões com nomes).
MAS ESPERA... ISSO NÃO TEM NADA HAVER COM A INTRODUÇÃO, É APENAS UM PLOT GENÉRICO DE CARTOON DOS ANOS 90 QUE SAIU DO NADA!
Agora você está começando a entender Arc O Rapazote, meu bom amigo imaginário Jorge. Apesar do começo ser interessante, ele não tem importancia nenhuma na história e a história em si não vai a lugar nenhum muito mais complexo do que "chegue em uma vila, alguma coisa alguma coisa, encontre o guardião" usando os clichés mais genéricos de RPG e sem inspiração que você puder imaginar.
Com efeito, a coisa mais diferente a respeito desse jogo é que você sequer luta contra o terrivel vilão do mal que odeia o bem no final, porque o jogo realmente termina logo depois de você reunir os 5 guardiões e abrir a Arca. Eu não tenho muita certeza se era parte da ideia desde o começo fazer um "Arc the Lad parte 1", ou se apenas o jogo foi rushado para ser lançado pela metade na moda louca pq o Playstation não tinha nenhum RPG a esse ponto e lançar um console no Japão sem RPGs é o tipo de coisa burra que a Sega faria.
Seja como for, o resultado é bem desapontante. Esse não é uma daquelas "parte 1" que tem um final satisfatório e funciona como uma história em si própria, ele meio que só termina na metade mesmo sem concluir nenhum arco de personagem. Que bom que não se faz mais isso hoje dia, né?
Hã... prossigamos... como dá pra imaginar até então, não tem muito desenvolvimento de personagem acontecendo em Arc The Lad. Quando você olha para a quantidade de membros do grupo no final do jogo (cerca de 7 ou 8), não tem tempo suficiente dentro das 3-4 horas da história real para realmente trabalhar em personagens individuais.
Alguns personagens têm algo que procuram ou qualquer pequeno arco de história genérico, mas além de completar alguma pequena quest não tem nada de especial que aconteça individualmente a qualquer personagem além de Kukuru e Arc, e mesmo esses não tem quase nada pra eles.
Isso sendo dito, já que a parte da história beira o não-existente, ao menos o sistema de combate é bom? Sim, é, mas então como eu já disse eu sou a loka do RPG Tático e ser apenas "bom" já é o suficiente para eu conseguir jogar o jogo. Talvez não seja pra você.
O sistema de batalha é notável por ser a coisa mais próxima de SHINING FORCE que não se chama "SHINING FORCE". Os controles parecem muito semelhantes, você tem os mesmos blocos "piscantes" que o SF, e a ordem dos turnos é tratada pelas estatísticas de agilidade das unidades.
A principal diferença é que aqui os personagens não podem se mover uns através dos outros, o que adiciona um elemento tático ao cenário e cuidar quem "vai na frente" pra não ficar trancando o corredor faz muita diferença. Eu não acho que seja feito nada particularmente genial com essa mecanica, mas ela esta lá e é bacaninha. Ah sim, alguns personagens tem a capacidade de pular sobre outros personagens, mas não são todos se isso gasta muita movimentação dele de qualquer forma - mas ainda sim é outro elemento legal do jogo, adiciona uma dimensão extra legal que Shining Force não tinha.
Outra coisa diferente é que o lado que seus personagens estão virados agora importa: os personagens tem menos chances de tomar um contraataque se atacarem pelos lados e muito menos ainda se atacarem pelas costas. Pensando bem, Arc the Lad 1 pode ter sido o primeiro RPG Tático a considerar o direcionamento direcional. Que eu saiba foi lançado alguns meses antes do Tactics Ogre, então até onde me consta é algo inédito. Biscoito Scooby pra vocês, rapazes!
Fora isso, é apenas o feijão com arroz de RPG Tático, o que é decente. Ele tem falhas notáveis, como a presença de spikes de dificuldade estranhos em vários pontos do jogo que requerem grinding (argh), ou como o próprio Arc ofuscar completamente todos os outros em sua equipe porque ele é um personagem muito melhor. Alias o efeito bola de neve na experiencia é um saco: é muito dificil ganhar experiencia com os persoangens fracos, de modo que a tendencia natural é que os fortes fiquem mais fortes e os fracos fiquem cada vez mais inuteis, o equilibrio disso com grinding é uma bosta (coisa que o Mega Drive já tinha resolvido pelo menos três anos antes em SF).
Pra você ter uma ideia de como a progressão nesse jogo é torta, tem uma parte que você consegue concluir um capitulo sem muito sofrimento por volta do nível 25 (um pouco menos). A próxima luta exige que você esteja por volta do nível 35, e eu suponho que não precise dizer o quanto grindar DEZ NÍVEIS é uma senhora bosta cacólica! Bem, pelo menos o combate é okay-ish, mas mesmo assim divertido não é!
Adicionalmente, não existem batalhas memoráveis no jogo que realmente testem sua habilidade de criar estratégias, e honestamente, Arc the Lad 1 é um bom jogo mas não precisava ser um RPG Tático. Poderia ter funcionado tão bem, se não melhor, como um jRPG normal de turnos mesmo (pelo menos você poderia grindar mais rápido, ao menos isso).
Arc The Lad é um jogo relativamente desconhecido fora do Japão, já que ele foi lançado nos US and A apenas em 1999 (quando seu gameplay, que era okay-ish em 1995, em 1999 era constrangedoramente arcaico), mas em 1995 Arc The Lad era praticamente tudo o que o Japão tinha em termos de RPGs durante o início da vida útil do PlayStation: o próximo RPG, Beyond the Beyond, não seria lançado por mais meio ano. Yikes, Sony...
Deixando de lado a questão do grinding, Arc The Lad é um jogo decente. Quero dizer, literalmente, é apenas decente. A única reclamação que eu poderia ter sobre ele, além do desbalanceamento, é que tudo é muito simples. O sistema de batalha é simples, a história é beira o inexistante e o jogo em si é super curto. Eu terminei o jogo em apenas 7 horas, e isso inclui grinding + ocasionalmente sem saber para onde ir a seguir!
No geral, Arc The Lad não é um jogo que não vai impressionar ninguém, mesmo que você o tenha jogado quando foi originalmente lançado em 1995 (porque SHINING FORCE: The Legacy of Great Intention já fazia bem mais com muito menos). Arc The Lad não é apenas um jogo extremamente curto, é extremamente básico como um RPG, e ainda mais básico ainda como um RPG Tático.
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 013
Edição 013