sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

[#807][3DO] CANNON FODDER [Julho de 1993]


Sabe o que eu estava pensando? Agora eu cheguei na parte das Ação Games que eu tinha (eu comecei a colecionar na edição 085), me chamou a atenção como eu não lembro de absolutamente nenhum texto dessa época. Agora revendo as revistas, quando eu vejo a diagramação ou algumas imagens me ativa um flash de memória de "é, lembro disso", mas não para os textos.

Não que eu esteja perdendo alguma coisa, porque raramente se tira algo de útil desses textos e quando eles fazem mais do que descrever as sinopses eles mais sim do que não passam a ideia errada do jogo - como a Super Game Power dizendo que EARTHBOUND é um jogo para principiantes pq os gráficos são infantis (só alguém que nunca passou a 15 metros de um Super Nintendo vai dizer que aquele sistema do cão é para iniciantes) ou a Ação Games dando capa e selo "The Best of Ação Games" para... BUBSY in: CLAW ENCOUNTERS OF FURRED KIND.

Então, é, não estou perdendo nada realmente ao não lembrar desses textos... exceto que tem um em particular que eu lembro: Cannon Fodder. Eu não tenho muita certeza do pq, entretanto. E não, não é pq é o jogo que tem "foder" no nome, eu era inocente demais para isso.


A capa europeia do jogo é surpreendentemente.... simples

Talvez pq foi a primeira vez na vida que eu ouvi falar na "Convenção de Genebra"... e sim, isso está no texto. O que tem haver com o jogo? Nada, porque é assim que a Ação Games rolava. Falando no jogo, vamos a ele então.

Mas vamos começar do começo: de todos os estúdios que produziam jogos para o... argh, achei que tivesse me livrado disso... Amiga, havia um traço em comum nos jogos dessa chaga criada por Deus para punir o Faraó do Egito. Tem algo nos controles ruins, no level design "taca qualquer coisa em qualquer lugar da tela", na detecção de colisão hedionda que gritavam "isso é um jogo de Amiga".

Isso sendo dito, dos estúdios que cometiam esse crime contra a humanidade que era fazer jogos de Amiga, havia um estúdio que tentava fazer as coisas diferentes: a Sensible Software. Ao invés de fazer o bilionéstimo jogo de plataforma que ficava uma bosta igual FATAL REWIND, eles tentavam fazer rodar no Amiga... um jogo de futebol.


Com resultados decentes dadas as limitações do sistema, diga-se de passagem. Com efeito, pode-se dizer que Sensible Soccer é o melhor jogo de futebol europeu já produzido... não que a competição seja lá essas coisas, mas enfim. Meu ponto é que os caras da Sensible tentavam coisas diferentes no Amiga.

Então quando no final de 1992 a Westwood arrebentou a boca do balão criando o genero de "Estratégia em Tempo Real" (o famigerado RTS) com DUNE: The Battle for Arrakis para PC, os caras da Sensible pensaram "hã, a gente podia tentar fazer um negócio desses no Amiga, né?".

E assim nasceu Bucha de Canhão, a tentativa da Sensible de fazer um RTS no Amiga... e a primeira coisa que eles descobriram é que seria um RTS com sérias restrições orçamentárias pq o bichinho europeu não aguentava muita coisa. E por muita coisa, eu quero dizer quase nada.

Cenários destrutivos, queremos

Então a primeira coisa que eles fizeram em CF foi perceber que não ia rolar o elemento "estratégia". Então tire toda parte de construção, administração de recursos, arvores de desenvolvimento de tecnologia, tudo isso (que tinha no Duna de Mega Drive, alias) não ia rodar no Amigolote não. Vai ser só pew-pew pow-pow, tiro porrada e bomba.

Falando em Amigolote, outra coisa que não ia rolar é pathfinding. Veja, em um RTS - mesmo nos primeiros como o já citado DUNE: The Battle for Arrakis ou o primitivo WARCRAFT: Orcs and Humans - quando você clica em uma unidade e manda ele ir a algum lugar, o jogo calcula um caminho para o boneco ir do ponto A ao ponto B sem ficar batendo de cara na parede (por isso se chama "pathfinding").


Como vc pode imaginar, escrever um código para fazerem bonequinhos contornarem obstáculos por conta própria em 1993 não era uma tarefa trivial. E mais importante que isso, uma que nem a pau rodaria no Amiga. 

Então Cannon Fodder é um jogo estranho porque ele deveria ser um RTS, mas como você tem que controlar seus bonecos diretamente com o mouse (e não apenas clicar onde vc quer que ele vá ou em quem vc quer que ele siga e atire) então na prática ele funciona muito mais como um top down shooter onde vc controla com o mouse ao invés de controlar o seu bonequinho diretamente com o joystick.


Ter que manualmente comandar os seus bonecos clicando é incomum, mas não é necessariamente ruim. É diferente, mas pelo menos um diferente que evoca as sensações satisfatórias mais básicas de um RTS. Pode-se dizer que Cannon Fodder é um RTS na sua forma mais primitiva, estripado de todos os extras, apenas o minimo possível para o genero funcionar - que é o que dava pra rodar no Amiga. E como eu disse, não é uma coisa ruim.

Com efeito, os produtores do jogo tomaram cuidado extra para que a experiencia não fosse ruim com alguns detalhes: seu tiro tem alcance maior que o tiro dos inimigos, as primeiras fases são meio que corredores para você ter inimigos vindo só de um lado enquanto você se acostuma com os controles (isso foi um toque de level design inteligente, seus biscoitinhos espertos) e...

As primeiras fases terem esse level design mais simples é como você ensina as coisas ao jogador

... e parte do orçamento do jogo foi gasto alugando equipamento para gravar essa intro:


Você sabe, as vezes os desenvolvedores usam a introdução do jogo para iniciar a trama, outras vezes eles gostam de começar com a narração para definir o cenário... a Sensible Software, por outro lado, pensou "foda-se, vamos alugar alguns uniformes e gravar um clipe de reggae!". Sim, esses são os próprios desenvolvedores do jogo.

O que ficou legal, dá um tom bacana ao jogo e, diabos, a música "War Never Been So Much Fun" é bem gostosinha!

Dentro da água você não pode atirar, e ao desembarcar na praia tem esse cara com uma bazuca te esperando. Vai anotando ae...

O resultado é que o jogo é bastante simples (as missões são sempre matar todos os inimigos, destruir os prédios inimigos ou ambos, e destruir coisas com granadas e misseis é divertido), porém um simples divertido e funcional no que se propõe a fazer. 

Cannon Fodder é um jogo que é divertido controlar suas pequenas tropas e, quando você destrói o inimigo, seus corpos se despedaçam de forma sanguinolentamente divertida. As bombas às vezes cortam os personagens completamente ao meio, jogando as carcaças a vários metros de distância do impacto. Também existe um realismo incomum no mundo, como a forma como você pode explodir acidentalmente seus próprios homens ao chegar muito perto de suas próprias explosões de granadas.

Mas pode piorar.

Repare nesse bazuqueiro quase fora da tela, ele será importante daqui a pouco

Há momentos em que uma missão pode exigir que você mate povos nativos e destrua suas casas. Se você não fizer isso, o inimigo não vai parar de usá-los como abrigos. É matar ou morrer. E isso o obriga a pensar sobre o que você está fazendo enquanto moi aldeões quase nus correndo por aí com folhas e grama como chapéus e calças, contra suas metralhadoras. Não vou esquecer o momento em que percebi que tinha que matá-los, quando as tropas inimigas simplesmente não paravam de aparecer até que eu fizesse. Aulas difíceis a serem ministradas por meio de um videogame. 

Eu diria que é uma mensagem interessante, essa paródia que lembra as raízes de Spec Ops: The Line quando o jogo parece te dizer "ué, isso não é divertido? Massacrar pessoas era o que vc queria pq é divertido, não é?". O que, na minha opinião, torna o jogo mais respeitável em vários aspectos. A guerra é ofensiva. Para os padrões de 1993, esse deboche da glamurização da violencia foi provocativo, e até mesmo gerou várias criticas (é dessa polemica da época que a Ação Games está falando)

UAU, ENTÃO... VC ESTÁ MESMO ELOGIANDO UM JOGO DE AMIGA? ISSO ESTÁ REALMENTE ACONTECENDO?!?

... até a segunda página. Porque é claro que tem um grande MAS aí, né? É um jogo de Amiga, tinha que ter uma pegadinha.

AGORA VOLTAMOS AO NORMAL.

A partir da quarta fase (o jogo tem 23 fases) são introduzidos inimigos com lança misseis e é a partir daí que a diversão termina. Isso porque esses bastardos são basicamente snipers com ataque em area e eles atiram em você muito antes que eles entrem na tela e hey, o que mais um jogador deseja do que ser explodido por um tiro de fora da tela que você não tem como escapar?

Yay, diversão...

Seu grupo tem três personagens, isso é o tanto de baixas para terminar uma fase por causa dos fucking snipers

Sério, depois de poucas fases sua experiencia nesse jogo se resume a ser explodido por tiros vindos de fora da tela. A única forma de avançar nesse jogo é decorar onde os snipers de bazuca (eu nunca achei que diria isso, videogames são muito loucos mesmo) estão e mesmo sabendo onde eles estão não é garantia de nada porque seus personagens são muito lentos para desviar dos tiros. 

SER OBRIGADO a decorar o posicionamento dos inimigos através de tentativa e erro, tiros vindos de fora da tela... yay, war never been so much fun...

Caso os personagens vivam o bastante, eles ganham patente militar e aumenta o alcance do tiro. Mas o mais provavel é que eles sejam adicionados ao cemitério. O legal é que cada carinha morto gera uma nova lapide, embora seria mais legal não terem tantas

Cannon Fodder é um dos jogos comercialmente mais bem sucedidos do Amiga e eu consigo entender o pq, assim como o motivo pelo qual ele foi portado para todos os sistemas conhecidos pelo homem (incluindo essa versão para 3DO que saiu na Ação Games), mas... pena que não dá pra jogar ele. Tirando o fato que não tem como jogar por causa dos snippers de bazuca, seria um grande jogo.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 064


Edição 093