[#806][MEGA] SCOOBY-DOO MYSTERY [Setembro de 1995]
Eu já falei nesse blog, ao longo dos anos, que eu considero os cartoons dos 80 uma das maiores abominações que já aconteceram na história do entretenimento e eu vou ser bem sincero com vocês que de cabeça assim não consigo pensar em um único que seja bom. Hã, tá, os desenhos da Disney para a televisão especificamente eram bons (Ducktales, Talespin, até Gummy Bears acredite ou não), mas fora isso era sofrimento e ranger de dentes.
Isso não quer dizer, entretanto, que eu odeie cartons antigos como filosofia de vida. Com efeito, eu já disse várias vezes que Tom e Jerry é uma das coisas mais filhadaputamente engraçadas ever, because...
Mesmo os desenhos que eu acho menos graça, como os Flintstones, tem o meu respeito porque porra, ao menos eles estavam tentando fazer coisas diferentes - no caso, a ideia dos Flintstones era fazer uma sitcom só que em desenho animado. Diferente dos anos 80 ao menos eles estavam tentando. E foi justamente numa dessas situações que se encontra o desenho de hoje: eu não morro de amores por Scooby-Doo, mas pelo menos respeito o que eles tentaram fazer.
O que rola aqui é que em 1968, a manhã de sábado, o lar dos desenhos animados, estava em apuros. Por vários anos, as emissoras tiveram uma boa audiencia com programas de ação como Space Ghost, Superman e The Herculoids, entre outros. Mesmo quando criança eu achava esses desenhos meio merda, mas geral gostava nos anos 60.
Só que tudo mudou quando a nação Murica atacou: America sendo a America, lar do protestantismo ultraconservador que até hoje carrega o puritanismo no seu DNA, começou a vomitar associações de mães por todo canto gritando "nossas crianças, alguém pense nas nossas crianças!" porque elas inventaram da cabeça delas que desenho animados transformava seus filhões em chadões tradicantes líderes de gangue.
OBVIAMENTE ELAS NUNCA TE CONHECERAM: VOCÊ ASSISTIU DESENHOS A VIDA TODA E É UM MANGOLÃO INOFENSIVO
Obrigado por ilustrar o meu ponto, Jorge. Eu acho. Seja como for, o problema foi os grupos de pais estavam ficando full pistola com a violência na televisão que eles associavam aos desenhos animados do tipo super-heróis. Logo as redes estavam mudando para programas mais suaves que atenuavam até o pastelão físico. O que, para surpresa de ninguém, foi uma bosta e as crianças cagaram para esses desenhos family friendly.
FUN FACT: Simpsons não tirou o episódio que as associações de mães forçam transformar Comichão e Coçadinha em... sei lá que porra é essa... adicionando um personagem "positivo" e tirando a violencia, isso realmente aconteceu because America Fuck Yeah.
Os executivos então começaram a bater cabeça sobre como criar um desenho animado que não tivesse violencia de nenhum tipo, mas fosse interessante para as crianças mesmo assim. Bem, uma solução clássica era um bom e velho mistério. São faceis de fazer, todo mundo gosta e não precisa ter violencia para ser interessante.
Claro que não ia sair uma Agatha Christie da vida porque também né, a mulher tinha um QI de 8 bilhões, mas pra um desenho animado qualquer coisa serviria. Claro que o desenho não podia mostrar assassinatos, mas que tal... hmm... monstros assombrando lugares que na verdade eram pessoas tentando dar golpes? Agora isso é algo que poderia passar para crianças sem os pais perderem seus marmores, pq tinha o mistério do que estava acontecendo e no fim passava a lição que monstros não existem, todo mundo tinha o que queria.
Então assim nasceu a ideia de fazer esse show sobre um grupo de adolescentes resolvendo mistérios de lugares mal-assombrados que não eram assombrados realmente. E apenas pelo fator cool, eles teriam uma banda quando não estavam resolvendo mistérios. Joe Barbera e William Hanna fizeram o pitch do show como Mysteries Five, com cinco adolescentes (Geoff, Mike, Kelly, Linda e o irmão de Linda "W.W.") e seu cachorro (já que o diretor da CBS gostava de cachorros), chamado "Too Much" (que nome merda, meu). E o cachorro tocava bongôs na banda.
A CBS gostou da ideia, mas achou que mesmo que no fim do episódio se mostrasse que os monstros não eram monstros de verdade, ainda seria bem pesado para um desenho animado da época. Barbera então sugeriu que uma saída seria fazer o cachorro como personagem principal da série, e apenas para ser engraçado ele podia ser um Dogue Alemão (que são umas caralha de grande de cachorro, com efeito o maior cachorro do mundo no recorde Guiness é um Dogue Alemão com 1,12m de altura) completamente covarde.
Eles também abandonaram a coisa da banda de rock. Geoff e Mike foram fundidos em um personagem chamado "Ronnie" (mais tarde renomeado como "Fred" a pedido da CBS), Kelly foi renomeada para "Daphne", Linda agora era chamada de "Velma" e Salsicha (anteriormente "WW") não era mais o irmão dela. Além disso a CBS não gostou muito do nome Mysteries Five, e rebatizou o programa "Who’s S-S-Scared?". Ainda um nome bosta.
Felizmente enquanto estava indo para o trabalho, um dos diretores da CBS ouviu no rádio Frank Sinatra cantando Strangers in the Night e no final Sinatra canta "doo-be-doo-be-doo". Ao que ele pensou que era um bom bem bom para um nome de protagonista e assim o cachorro foi renomeado para "Scooby-Doo" e o desenho para "Scooby-Doo, where are you?"
"Scooby-Doo, cadê você?" estreou no outono de 1969 e se tornou um sucesso instantâneo. A combinação de humor e mistério provou ser tão agradável para um público jovem quanto para um público mais velho. Havia monstros assustadores (todos mostrados como pessoas fantasiadas durante a primeira temporada e não sobrenaturais), personagens engraçados, piadas bobas e pistas reais para resolver o mistério.
Ao longo dos anos Scooby Doo recebeu muitos crossovers com propriedades da Warner, incluindo Batman, Familia Addams e... os irmãos Winchester, claro que sim como não.
O formato era tão popular que estúdios, incluindo a própria Hanna-Barbera, tentaram reciclá-lo muitas vezes ao longo dos anos em outras séries bem mais infames Tutubarão ou "Josie e as Gatinhas". Obviamente que nenhum atingiu a popularidade do original, e talvez seja melhor assim porque mesmo sem isso o mundo teve mesmo assim um número assustador de desenhos com adolescentes + mascote + mistérios.
E a esse ponto não tem muito mais o que eu possa dizer sobre Scooby Doo que você já não saiba. É uma coisa tão arraigada na cultura pop que provavelmente mesmo quem nunca viu um único episódio conhece a série por osmose. E como não seria? Scooby-Doo, acredite ou não, ao longo dos anos foi tema de pelo menos 19 séries na TV, mais de 40 filmes animados; e dois filmes live action no início dos anos 2000, o primeiro dos quais não apenas arrecadou US $ 275 milhões em todo o mundo, como foi o grande desponte de um jovem roteirista que juntou todas as lendas urbanas de Scooby-Doo (que Fred e Daphne tem ou tiveram um relacionamento, que o Salsicha é maconheiro, que a Velma é lésbica, etc) para usar nesse filme.
Hoje esse jovem roteirista é mais conhecido por seus outros trabalhos:
De fato, nos últimos 50 anos, os personagens Scooby-Doo se tornaram quase arquetípicos, retratos dignos de Joseph Campbell - versõa adolescentes. Assista a praticamente qualquer programa ou filme para adolescentes e você encontrará seus Freds e Daphnes (muitas vezes como foils ou vilões) e seus Velmas e Salsichas. Talvez ninguém tenha aplicado esse paradigma de forma mais autoconsciente do que o roteirista e diretor Joss Whedon em Buffy the Vampire Slayer, Buffy e seus amigos até se referiam a si mesmos como “Scoobies”.
Não ironicamente, Sarah Michele Gellar interpretou a Velma - outra piscadinha ironica do filme live action do Scooby-Doo, espero que eu possa falar dele aqui um dia. Do que eu vou falar, entretanto, é do que você já podia esperar: um jogo do Scooby-Doo nos anos 90.
James Gunn é um homem de cultura
E quer saber? De todas as coisas, fazer o jogo do Scooby-Doo ser um point'n click é a escolha mais feliz possível: nenhum outro formato realmente faria tanta justiça ao espirito da série, então parabéns a todos os envolvidos. Eu sei que a versão de Super Nintendo de Scooby-Doo tenta reproduzir o espirito da série através de um jogo de plataforma, mas o quanto isso funciona é assunto para outro dia.
Vamos falar então sobre o jogo que a Illusions fez para Mega Drive, e a primeira pergunta que deve ser feita é: o que esses caras realmente sabem sobre fazer um point'n click. Bem, a resposta é bastante simples: não realmente importa, porque o que eles fizeram aqui foi adaptar o estilo da Lucas Arts para rodar no Mega Drive o máximo que fosse possível.
Sério, se você sempre imaginou como seria um point'n click da Lucas Arts rodando em um console de quarta geração, então não olhe muito além desse Scooby-Doo para Mega Drive. Quer dizer, sério, o estilo de arte, a fonte utilizada, a movimentação dos personagens, os menus e interface, até a lógica dos puzzles (já chego nessa parte), é muito um jogo da LA.
Claro, guardadas as devidas proporções porque um console de 1989 não tinha como se comparar com um computador da época, mas no que era possível de fazer, não acho que seja muito além disso não.
A maior parte onde você nota a limitação do console (e seu cartucho de 3mb), é na estrutura: em vez de uma aventura única e complicada, repleta de referencias de coisas a horas atrás no jogo, Mystery oferece duas campanhas separadas que não tem mais do que dez telas diferentes cada uma.
Em Blake’s Hotel, o tio de Daphne convida o grupo a ir a sua pousada para um fim de semana esquiando. Como era de se esperar, a área é assombrada (por um espírito de um nativo americano, nada menos), e cabe a essas "crianças intrometidas" resolver o mistério. Ha Ha Carnival, a segunda história, vê a viagem da gangue ao parque de diversões local arruinada por um palhaço psicótico que espantou todos os clientes. Adivinha quem tem que consertar as coisas?
Seja como for, as duas aventuras são exatamente iguais funcionam com a mesma mecanica. Você controla Salsicha e Scooby fica andando pela tela apontando os itens interagiveis - o que é um toque legal pra vc não deixar passar nada passar batido, é só prestar atenção no que o Scooby está fazendo, uma solução elegante para um problema muito recorrente aos jogos desse genero (mais tarde no PC eles apenas adicionaram um botão para fazer os itens interagiveis brilharem).
Como era procedimento de praxe na série, Salsicha ficava com Scooby e Fred levava as meninas para... investigar...
Fora isso, o jogo funciona como você pode esperar do genero: você pode controlar Salsicha para ele andar pela tela, mas isso serve apenas para trocar de tela. O jogo mesmo funciona com o cursor e o sistema de verbos, exatamente como em um jogo de computador, o que é uma escolha inesperada para um jogo de console.
As duas aventuras são point'n click sólidos: pessoas para questionar, itens para coletar e volta e meia você se depara com running gags do cartoon. Um ótimo exemplo é no Hotel que ao se deparar com o fantasma do chefe indio rola aquela cena classica deles correndo pelas portas.
Como aspectos negativos, não tem muita coisa fundamentalmente errada com o jogo. Bem, tirando o som que soa como colocar toda discografia do Carreta Furação dentro de uma pipoqueira durante uma tempestade elétrica. Sério, acho que poucos jogos na minha vida se dedicaram tanto a ter um som tão agudo e repetitivo na placa de som pavorosa do Mega Drive.
Outra coisa que pode ser reclamada é que o jogo é curto - cada aventura pode ser terminada em meia hora se você souber o que está fazendo. O que é pouco para um point'n click, verdade, mas eu acho normal para um jogo de console - até porque você vai levar mais que isso já que a menos que siga um walkthrough. Então eu estou okay com a duração do jogo.
Já os puzzles... são um mixed bag. Alguns são bem criativos a solução, exigindo que você pense cartunescamente (como ter que usar um par de molas do sofá para alcançar um lugar alto, é algo que só faz sentido em um cartoon), e alguns que ... hãaaaa, né? Tipo tem uma hora que você precisa de uma lanterna, pra isso você precisa juntar uma pilha, uma lanterna e... um lacre de latinha de refrigerante? Sério caras?
Mas não é nada nível SAM & MAX HIT THE ROAD. Não tem o senso de humor e criatividade de um THE SECRET OF MONKEY ISLAND. É um jogo bacaninha pra um desenho que era bacaninha - é dificil também conhecer alguém que tenha grandes sentimentos sobre Scooby-Doo - e dá pro gasto. Pontos extras por ser fiel ao cartoon e por ser representante de um genero praticamente inexistente em consoles feito de forma competente.