quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

[#815][PC] Roberta Williams' PHANTASMAGORIA [Julho de 1995]


Vou começar hoje dizendo que eu tinha boas expectativas ruins para esse jogo. O que isso ao menos quer dizer? Bem, Phantasmagoria é um point'n click que usa cutscenes e atores digitalizados. Ou seja, não existe hipotese no mundo que isso tem como ser bom, é certo que vai ser ruim com atuações perturbadoramente ruins.

PARECE BEM RUIM ATÉ AQUI, QUAL É O LADO BOM?

O lado bom é que se tivermos sorte será um daqueles tão ruins, com atuações tão pavorosas que chega a ser bom. Se estivermos em um dia ruim, será apenas chato. Ou seja, o que queremos aqui é The Room, não Os Eternos. A boa noticia é que o último jogo que eu joguei do tipo não apenas era pavorosamente atuado, como abraçava com gosto sua tosquice e prosperava na própria vergonha. UNDER A KILLING MOON é um jogo louco. 

Sério mina que tu não suspeitou quando te venderam uma casa com uma HARPA GIGANTE no pátio?

Dito isso, sabe porque eu estou particularmente otimista quanto a esse daí? Porque Phantasmagoria é conhecido por sua violencia, gore e temas sexuais controversos. Eu já posso sentir meninos e meninas, isso vai ser tão ruim que vai ser bom, certeza que vai!

Então vamos começar do começo: Phantasmagoria foi desenvolvido pela Sierra (a tradicional rival da Lucas Arts nos point'n click) em 1995. Mas melhor do que falar, porque não mostrar a anosnoventissima abertura para todos entrarmos no clima?


Bem, esse jogo começa mais... devagar do que eu poderia esperar. Tem esse cara que é o Val Kilmer de baixo orçamento (e olha que o Val Kilmer já não é da prateleira de cima), e ele é um fotogorafo que parece mais perdido que o John Travolta no meme. Vamos ver se acontece alguma coisa...


Hã... é, parece que não. Okay gente, eu entendo que o jogo veio em SETE CDs, sim, SETE, então vocês tem todo o tempo do mundo para mostrar esse cara se preparando para tirar fotos e... 

AH C'MON! Essa abertura já tá rolando a um minuto, vai acontecer alguma coisa ou tá dificil? Taqueopareo véi, só pq vcs tem todo o tempo do mundo em SETE cds não quer dizer que vocês precisem usar todo o tempo do mundo!


Uou! Agora sim estamos falando! Depois de um minuto e meio de nada acontecendo o jogo corta pra essa viagem psicodelica com um pula-pirata,  o passageiro do futuro, um coração gigante e o Bin Laden cobra just because. 


Nossa jornada pelo coração negro das CGs ruins dos anos 90 prossegue com um vaso envolto por correntes, um trocador e uma mina presa em uma cadeira-guilhotina! Agora sim estamos falando, beibe! Vocês estão quase desculpados por um minuto e meio do ator porno gordinho tirando fotos!


Ah, foi tudo um sonho. Tu realmente não devia comer feijoada antes de dormir moça, dá esses pesadelo nervousor.


Ah, o velho clichê do filme ruim: o pesadelo que era um pesadelo dentro do pesadelo. Acho que pode ou não estar sobrando um pesadelo aí. Mas de qualquer forma agora nossa heroína acordou e... bem, considerando que ela tá deitada do Tommy Wiseau pelado, eu totalmente apostaria que ela está na terceira (ou quarta?) camada do pesadelo.


Enquanto a moça esta visivelmente apavorada com o que sonhou, dá pra ouvir uns "slerp slerp" de que ele tá dando umas chupada no pescoço da pessoa que claramente não tá no clima pra aquilo. Ele diz que ela não precisa se preocupar e que nunca vai precisar ter medo de nada, mas essa cena claramente contradiz o estabelecido.

O jogo nem começou e eu já estou consideravelmente desconfortável em assistir isso. NIIIIIICE.


Okay, agora eu estou REALMENTE desconfortável em assistir isso. Ao som de música de churrascaria, nossos heróis mandam ver no chaca-chaca na buchaca com cenas de sesquissu que empalideceria THE ROOM. E o jogo nem começou ainda!!!

Bem, depois dessa cena da giromba selvagem de Conan piando alegremente, o jogo finalmente começa e controlamos Adrienne, uma escritora que se mudou com o marido para uma misteriosa mansão ... onde ela começa a ter pesadelos toda vez que tira um cochilo - como acabamos dever. Hmm, talvez aquela mansão de um milhão de metros quadrados não estava na liquidação porque o estagiário errou o preço no site.

A versão curta da história é que a propriedade anteriormente pertencia ao mágico Zoltan Carnovasch, mais conhecido como Carno, que existe o boato na região que ele matou todas as suas esposas de maneiras brutais. De repente vc entende como um fotografo e uma escritora conseguiram comprar uma mansão.

Mas antes de me aprofundar nos embroglios narrativos, me permita falar da parte mecanica porque essa é extremamente simples não deve demorar muito: quando você passa o mouse sobre algo que você pode interagir com o cursor fica vermelho. É só isso. Você não tem que se preocupar com comandos como "look" ou "use", há apenas uma opção de interação. E como é esperado em um point'n click, você pode coletar itens necessários para resolver puzzles. E meio que é isso, no que diz respeito à jogabilidade  não há muito a dizer que senão que é um jogo primariamente simples. 

O que não  é uma coisa ruim, não vou dizer que eu tenho muito amor por aquele menu de verbos, pra mim um point'n click deveria ser apenas sobre apontar e clicar e isso é o que você faz nesse jogo. A maior parte do jogo gira em guiar Adrienne para explorar a mansão Carnovasch, as telas ao redor dela e a cidade vizinha. 

Embora a casa e as áreas circundantes sejam bastante amplas em tamanho, com um grande número de telas cada, o jogo em geral não tem muito com o que você pode interagir. Fuçando na casa aqui e acolá você vê uma cutscene (mais sobre isso em breve) mas a verdade é que ao longo do jogo inteiro existem pouco mais de dez itens para serem pegos para o seu inventário.

O meu ponto aqui é que o jogo não tem realmente muito a oferecer mecanicamente, ficando então todo peso de sustentar a experiencia nas costas da narrativa e atuações... boy, this gonna be a bumpy ride, isn't

Se o jogo entende como sedução esse cosplay de Naruto... rapaz, estamos no caminho certo...

Bem, depois de rodar pela primeira hora de jogo explorando a mansão e os arredores... e tentando seduzir o Val Kilmer de baixo orçamento... a história do jogo começa de verdade quando Adrianne descobre uma passagem falsa na lareira. Porque, você sabe, checar lareiras é uma coisa. Todo mundo faz isso o tempo todo.


Ao olhar dentro da parede, ela descobre que tem uma capela atrás - logo vc precisa tirar os outros tijolos que não estão tão soltos assim do caminho. Como você se isso, você pergunta? Super simples, sequer um inconveniente: ela pega um abridor de cartas e raspa o concreto dos tijolos. Mesmo quando seu abridor de cartas quebra, pq aparentemente essas coisas não foram feitas para arrombarem paredes olha só, ela continua trabalhando diligentemente.


Yeah... não tenha pressa Adrienne, estaremos todos aqui quando você terminar...


Tu realmente raspou o concreto disso tudo? CA-RA-LHO Adriana, tu não tem mais nada pra fazer da vida mesmo, heim? Bem, eu já estive nos anos 90, sei como é a sensação, eu não julgo. Seja como for Adriana e a Rapaziada descobrem a tal da capela.

Lá dentro ela encontra um altar com uma caixa sobre ela - mais especificamente, uma caixa selada com uma biblia em cima dela. Hmm, uma caixa no centro de um altar selada com uma biblia, o que de ruim pode acontecer se mexermos nisso?


Tu não dá uma dentro, heim Adriana? Enfim, depois de liberar o espírito maligno do mal este possui seu marido e a partir daí você pode adivinhar exatamente pra onde essa história vai. Este tenta ser um ripoff de "O Iluminado"... sem muito sucesso. 

Uma das coisas que impede que esse jogo funcione como jogo de terror são os personagens secundários, a maioria cai entre um vale de humor mal escrito e atuações medonhas, como corretor de imóveis taradão, uma mulher sem-teto que se veste como anão de jardim e seu filho que parece estar representando ter algum atraso mental (ou talvez a ideia do personagem não seja essa e só a atuação é ruim mesmo, nunca dá pra saber com esse jogo). 

Então eu não tenho muita certeza de que tipo de história esse jogo quer ser - e tenho total certeza que o proprio jogo não sabe. Então esse jogo seja primariamente um jogo de terror, com a história horrível do que aconteceu na propriedade Carnovash, esses personagens quebram completamente isso e, suponho que eu não precise dizer que o jogo não tem talento para balancear ambos. 

Vocês foram avisados

Mas se os personagens ridiculos são ... bem, ridiculos... ao menos eles são a parte menos pior do jogo. O problema mesmo são os personagens mais sérios porque eles são meramente expositivos. São apenas cenas de filmes onde você se senta e assiste alguém falando e falando e falando. Não tem opções de diálogo, nem interações para o jogador. Ou seja, é basicamente como assistir Os Eternos.

E isso nos leva ao maior problema do jogo. Não tem muito o que fazer, e o que tem para assistir leva uma eternidade. Tipo tudo leva muito tempo nesse jogo, mas muito temop. Os Point'n Click tem uma fórmula bastante específica: você aponta com mouse e clica - uau, fisica termonuclear, eu sei. 

Não adianta fazer essa cara de "eu odeio meu agente por ter me metido nesse jogo" pq tua atuação não tem cacife pra muito melhor que isso, não Adriana

Como as coisas funcionam em um jogo normal desse genero: você  quer ter informação sobre um item, um objeto interativo do cenário ou quer que seu personagem tente fazer alguma coisa, você clica  e imediatamente uma mensagem de texto ou narrada (frequentemente com uma piadinha) te dá a informação que você queria. Tipo você quer abrir uma porta mas ela está trancada. Você clica e o personagem diz "Está trancada" em menos de dois segundos e podemos continuar com as nossas vidas. Frequentemente demora menos que isso.

No entanto eu disse que isso é como as coisas funcionam em um jogo normal, porque em Phantasmagoria... bem, veja por si mesmo como Adriene nos diz que uma porta está trancada: 


Uau, você não está com nenhuma pressa aqui MESMO, heim Adriana? E isso é uma coisa que incomoda muito nesse jogo, quase todas as ações que você toma no jogo são lentas assim. Algumas animações levam mais de 30 segundos enquanto observamos Adriana fazer coisas mundanas e desinteressantes. 

Eu queria ter a mesma fé que a minha expectativa de vida vai ser tão longa quanto esse jogo acha que vai. E pior que isso não se resume a eventos unicos no jogo, ações cotidianas de navegar pelo cenário tem uma quantidade excruciante de atenção aos detalhes. Cada vez que entramos na despensa da cozinha, a luz está apagada e o alçapão fechado. Então toda vez que saímos, há uma cena mostrando Adriena fechando a porta e apagando a luz. Porra Adriana, vai pro inferno com a tua luz!

Agora, eu tenho uma teoria sobre por que este jogo tem tantas cenas excessivamente longas. Essa foi a primeira vez que a Sierra usou uma combinação de atores ao vivo e backgrounds gerados por computador. Foi filmado em um estúdio de milhões de dólares recém-construído, eles criaram um novo software para ajuda na filmagem e digitalização, e contrataram um diretor de filmes (um não famoso, mas ainda sim). Então eles queriam fazer valer cada centavo, não jogando nenhuma cena fora. E foi o que eles fizeram, de fato.

Esse cara tem uma vibe meio Willem Dafoe, ele é mais assustador quando está só parado

Verdade seja dita, eu acho que eles fizeram um ótimo trabalho do ponto de vista técnico. Para um jogo que foi filmado inteiramente em tela verde, as atuações fazem um bom trabalho interagindo com objetos que não estavam realmente lá e você compra a ideia de que aqueles personagens estão naquelas locações. Sinceramente, não é realmente pior do que vimos 4 anos depois em A Ameaça Fantasma.  Então, é, eu entendo que eles tinham orgulho do seu brinquedo novo e queriam colocar o máximo disso possível no jogo. 

Mas bem, agora tem que ter algumas coisas genuinamente boas a respeito desse jogo, certo? Então... hmm... hã... tipo... bem, os puzzles não são ridículos, isso é uma coisa boa. Tá, okay, abrir uma parede com um abridor de cartas É ridiculo, mas em point'n click eu estou acostumado a esperar coisas tipo combinar xarope e pele de gato para criar um bigode para se disfarçar como outro personagem que nem tem bigode. A maioria dos problemas aqui são resolvidos usando o objeto correto do seu inventário, e não tem muitos objetos no seu inventário. Adicionalmente, as areas interagiveis são generosas de modo que o jogo não exige passar o mouse por cima do pixel exato para você poder achar um item - o que é muito bom.

Verdade seja dita, a música tema é muito boa mesmo


Porém se estamos falando dos pontos fortes do jogo, suponho que precisamos falar daquilo que é ao mesmo tempo a melhor e a pior coisa desse jogo: sexo e gore. Acontece que na época a Sierra estava perdendo de lavada para a popularidade da Lucas Arts no campo dos point'n click, e para voltar ao jogo eles decidiram que precisavam chocar a galeres. Que é meio que todo o ponto desse jogo.

O resultado foi que Phantasmagoria causou muita controvérsia na época, sendo até banido na Australia (mas sério, que jogo não é banido na Australia?), varejistas nos US and A se recusaram a ter o jogo em suas prateleiras, pais e grupos religiosos fizeram o de sempre, você sabe o velho raguru. 

De modo geral, o resumo dessa história lembra muito NIGHT TRAP - que deu um bafafa na época porque sei lá o que, mas quando a gente olha hoje parece apenas... ridiculo. Phantasmagoria funciona do mesmo jeito: as cenas "violentas e chocantes" para um jogo de 1995 são apenas... bobas, nada que você não veria em um filme de terror trash.

YOU ARE TEARING ME APART, ADRIANA!

O resultado disso é que, obviamente, a polêmica fez sua mágica e o jogo vendeu mais de 1 milhão de cópias - se tornando um dos jogos de computador mais vendidos do ano, o que é excepcional para um Point'n Click, e mais excepcional ainda para um que sequer é muito bom.

E enquanto o sangue e gore se encaixa na história mesmo sendo completamente gratuítos e vindos do nada, a cena de estupro é... ineficaz, vamos dizer assim. Ela surge completamente do nada, é completamente descolada do resto do tom do jogo, a atuação é pavorosamente ruim mesmo para os padrões desse jogo (que já é bem baixo), os atores parecem mais constrangidos que aterrorizados com a cena (eu não os culpo)... enfim, a coisa toda desperta mais uma sensação de "da onde veio isso e... pra que?!?" do que horror. 

Hmm, o que essa mensagem incrivelmente criptica quer dizer?

Um jogo que tem dificuldade em fazer uma cena de uma porta ser aberta não deveria tentar esse tipo de coisa, e o resultado lembra muito as cenas de estupro em Goblin Slayer que parece que pegaram cenas de uma obra inteiramente diferente, não casa com todo resto da atmosfera e apenas largaram ali pra chamar atenção. Não, caras, apenas não.

E não ajuda muito que o ator do é Don, é muito, muito péssimo ator. Sério, é muito difícil leve-o a sério como seu marido uma vez amoroso que foi possuído por um demônio e agora representa um perigo para você quando ele alterna amadoramente entre monstro raivoso, criança petulante e maníaco risonho. Sério, tem uma cena inteira dele dando piti por causa de um drain cleaner - o que deveria mostrar o quão agressivo ele está por coisas banais, mas é muito dificil levar a sério quem perde o controle por causa de um drain cleaner.

FINISH HER!!

Adriana, verdade seja dita, também não é muito melhor como protagonista. Ela é tão desligada do que está acontecendo ao seu redor que chega a ser ridiculo. Enquanto é esperado ela não levar a sério os avisos dos locais sobre a mansão Carnovash (afinal deve ser só superstição local), fica mais dificil defender ela quando coisas estranhas começam a de fato acontecer.

Tá, okay, alguma falta de bom senso é de se esperar em uma história de terror, mas Adriana é muito desligada taqueopareo. Durante sua exploração inicial da casa, Adriana se deita em uma cama e isso acontece: 


Aí o que ela faz no quarto ao lado? Senta na cama de novo. Show de bola campeã, mostra pra essas mãos apalpadoras que você não vai se dar por vencida facilmente! Da mesma forma, depois de um certo ponto no jogo, as superfícies mais reflexivas que você olha te mostram uma cena terrível de alguém sendo assassinado - o que não impede Adriana ainda sim de examinar cada espelho que ela encontra para checar se o que seu cabelo está arrumado.


Assim como qualquer pessoa acharia que tem algo de errado em uma casa que tem um berçario com uma aura de plasma maligno flutuando sobre o berço, mas Adriana apenas diz "hmm, que peculiar". Como você chegou viva até a idade adulta não é nada senão um fodendo milagre.

Mas enfim, embora as atuações e narrativamente o jogo seja tão ruins quanto todos esperavamos que fosse, o maior pecado de Phantasmagoria é que ele é lento e chato na imensa maior parte do tempo. Tudo o que o jogador manda Adriana fazer leva uma eternidade e geralmente são coisas banais e desinteressantes. 

hehehe, é disso que estamos falando!

Embora eu possa apreciar algumas das cenas (especialmente as que mostram o passado da mansão Carnovash, eu gostei dessas) e o trabalho técnico de usar telas verdes para filmar, no fim do dia o jogo falha porque é meio chatinho, os puzzles são inexistentes e tudo leva muito tempo para dar muito pouco em troca. 

O que é uma pena porque Phantasmagoria, no fundo, não é um jogo terrível. Excessivamente simples, sim, mas ainda tinha algumas boas ideias que não eram vistas com frequência nos jogos de PnC da época (como ter mais de uma forma de obter um item que você precisa). E enquanto o jogo não atende perfeitamente suas premissa, no seu melhor terá do que rir com atuações tenebrosas. Se o jogo focasse mais sobre isso e menos sobre Adriana levando um minuto para checar se uma porta está fechada, esse teria sido um jogo bem mais divertido

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 094