segunda-feira, 23 de outubro de 2023

[#1176][Mar/98] BUSHIDO BLADE 2


Quando o Bushido Blade 2 apareceu na lista de jogos, eu fiquei curioso para saber como as crianças da Square tratariam uma sequencia de um jogo que trouxe conceitos tão originais para a mesa quanto o primeiro BUSHIDO BLADE

Rápido recap aqui, Bushido Blade colocou seu nome na história dos jogos de luta ao criar um jogo sem barras de energia que refletia toda a letalidade de levar uma espadada no peito. Deixando algumas coisas que poderiam ter sido melhor executadas de lado, o original realmente teve ideias legais e fez coisas que nenhum jogo de luta havia feito antes dele (ou majoritariamente depois). Então quando chegou a hora de fazer a sequencia, a Square apenas faria apenas um patch de update (atualizando levemente a jogabilidade, cenários ou personagens) ou chutaria a mesa ou tentaria consertar o que não estava realmente quebrado em primeiro lugar?

Curiosamente, ela meio que fez as duas coisas ao mesmo tempo.

Vamos lá então: a melhor forma que eu posso descrever Bushido Blade 2 é que a Square anotou tudo que tornou o original tão único em papeizinhos, jogou eles em um chapéu e aleatoriamente foi sorteando quais manter e quais jogar fora. Tá, eu suponho que o desvolvimento do jogo não foi EXATAMENTE isso (embora eu não ponha minha mão no fogo, a Square nunca se sabe), mas a sensação final que o jogo passa é que é ao mesmo tempo decepcionante e notável, uma sequência que melhora algumas coisas mas ao mesmo tempo dá um passo bem grande para deixar o jogo menos... único... e ser, hã… um pouco mais mainstream, vamos dizer assim?

E enquanto eu entendo vc pegar um conceito tão divergente de tudo mais que existe nos jogos de luta e tentar torna-lo mais acessível ao grande público pq isso é o que paga os boletos, não posso dizer que gosto 100% das escolhas feitas para tornar o jogo menos "estranho", especialmente quando a unicidade de BUSHIDO BLADE é sua maior virtude.


Mas enfim, a trama gira em torno de duas famílias de samurais, os Narukagami (os mocinhos, mais ou menos) e os Shainto (os bandidos, mais ou menos). Os dois têm sido inimigos ferrenhos há centenas de anos e, finalmente, o seu destino entrelaçado deve ser decidido na base da espadada. É claro que as coisas ficam muito mais complicadas e confusas ao longo do caminho – afinal, este é um jogo da Square. 

Kudos onde kudos são devidos, esse é provavelmente o jogo de luta que mais se esforça na escrita dos dialogos que eu consigo lembrar - fazendo honra a tradição RPGistica da companhia mãe. Todos os personagens selecionaveis tem historinhas razoavelmente bem escritas, embora eu tenha que dizer que a dublagem no nível que... bem, no nível que esperariamos de um jogo do PS1... torna a experiencia menos dramática do que ela deveria ser. Não é uma coisa nível TENCHU: Stealth Assassins, mas não fica tão longe assim também...

Bushido Blade 2 adota os mesmos princípios básicos que tornou o primeiro jogo tão diferente - para o melhor quanto para o pior. Como no original, este é um jogo de luta 3D com o truque ultra-legal de que não existem medidores de energia – seja esfaqueado no estômago e você morre. Leve uma cutucada na cabeça e você morre. Leve uma espadada no braço e ele fica incapacitado. Esse é um jogo de luta sem hadoukens, nem combos de 75 golpes, nem hurricane kicks de uma hora de duração. Simples. Elegante. E diferente. 

O sistema de combate em Bushido Blade 2, entretanto, é diferente do original em vários aspectos. Para começar, não existe mais um botão de ‘bloquear’. Para repelir o avanço de um inimigo, você tem que repelir o ataque dele com sua arma. Existem cinco resultados possíveis, desde o bloqueio perfeito até a malfadada lapada no coco. Ao invés de golpes fatais, tem a opção também que partes do corpo podem ser enfraquecidas por ataques bem-sucedidos e você pode até desabilitar seu oponente sem matá-lo. 

Alguns dos personagens desbloqueaveis são esses safados com armas de fogo, o que com certeza te fará arrumar muitos amigos usando eles no modo versus

Mas, ao contrário do original, você não pode inutilizar as pernas de alguém – apenas os braços podem ser afetados. Essa é uma mudança que eu tenho que dizer que não curti tanto assim, continuar lutando sem poder sair do lugar dava um ar de dramaticidade épica e vencer uma luta que parecia perdida era uma sensação realmente épica e desesperada. O jogo perde um pouco por não ter mais isso.

Por outro lado, eu entendo que tirar o botão de bloqueio cria ainda mais tensão. Ficar cara a cara com seu rival, esperar pelo primeiro ataque e saber muito bem que qualquer um de vocês pode morrer a qualquer momento se você errar o parry, é algo que transmite muito mais a letalidade de um duelo de espadas. Você não pode simplesmente sentar e apertar o botão de defesa até que o outro cara fique entediado, cada ataque é uma aposta de vida ou morte e isso realmente apimenta as coisas e aumenta a pressão, mas... isso definitivamente torna o jogo mais rápido e menos tático. 

Ideal para o publico com TDAH adolescente americano - a audiencia alvo da época - menos ideal para quem consegue manter o foco de atenção por mais de 10 segundos. Vai pra cima, o oponente errou o parry vc ganhou, se ele acertar vc provavelmente. E é isso.

Outra coisa que mudou bastante do primeiro jogo é o que o jogo aboliu a coisa do Código do Bushido. E enquanto eu gosto muito da teoria de que vc tem que lutar respeitando um código de honra, na prática mecanicamente não funcionava tão bem assim. Em suma, certas coisas eram consideradas proibidas na luta como esfaquear alguém pelas costas ou quando alguém estava caído. 


No texto de BUSHIDO BLADE eu expliquei melhor pq isso não funcionava tão bem assim na prática e a solução que a Square encontrou para a continuação foi abolir completamene essa mecanica. Bata nos seus inimigos quando estiverem caídos, quando estiverem fugindo de costas, foda-se, é dedo no forevis e espadaria. A honra não sobreviveu aos tempos modernos, eis uma metalinguagem pra vc.

Falando em coisas que pareciam legais no jogo anterior mas que não funcionavam TÃO bem assim, outra coisa que foi jogar no Vasco nessa versão era o free roaming. Sabe aquela cena clássica de dois espachins correndo de lado e lutando? Então, já era.


No original, você poderia literalmente sair correndo da tela para um novo local para continuar sua luta, e os cenários eram realmente grandes para permitir isso. Embora isso não funcionava tão divertido assim, especialmente aliado a regra do Bushido de não poder acertar pelas costas de quem saia correndo, mas definitivamente era uma ideia promissora para emular a sensação de filme de samurai no jogo. Bem, era – você não pode mais simplesmente fugir. Cada batalha é travada em um e APENAS um campo de batalha com dimensões não tão generosas assim.

Os outros aspectos da jogabilidade são essencialmente uma versão 1.5 dos mesmos. Você ainda tem três posturas distintas, cada uma das quais leva a um novo set de ataques. Diferentes movimentos são acessíveis para cada personagem e cada arma, e certos personagens têm melhor desempenho com certas armas. Talvez a maior mudança mesmo seja a coisa que agora vc pode ter uma arma secundária. 

No original, todas as armas especiais eram arremessaveis e nenhuma poderia causar um golpe fatal - só que aí você ficava sem arma até juntar ela do chão. Neste jogo, não apenas tem uma arma secundária para não ficar desarmado, como algumas armas especiais quando arremessadas podem matar, algumas podem ser lançadas consecutivamente (para desequilibrar o oponente) e algumas podem até ser usadas como uma segunda espada. A luta com duas espadas é incrível e um ótimo complemento.

Como esperado de uma continuação, o número de personagens aumentou (embora apenas 6 sejam inicialmente selecionáveis, você pode desbloquear mais para ter um total de até 18 personagens jogáveis). Tenho que dizer que pelo menos gostei de como você desbloqueia novos personagens: em certos pontos do jogo, um personagem de suporte aparecerá para você controlar e, se você conseguir mantê-lo vivo, ele será adicionado à sua lista de personagens. A quantidade de armas, entretanto, não aumentou e permaneceu a mesma, com a grande diferença que saiu a rapiera (aparentemente piratas não são mais bem vindos nessa nova era) e entrou uma nova arma, a Yari (que é um tipo de lança grande).

E, para terminar de falar das mudanças de gameplay com uma que absolutamente ninguém se importa, um dos elementos mais esquecidos no original foi o modo de visão em primeira pessoa - algo que nenhum jogo de luta 3D havia tentado antes e nenhum tentou depois, por uma boa razão. Bem, o modo POV está de volta, e desta vez você pode usá-lo em qualquer modo de jogo (ao contrário do limitador “Modo POV” no original). Não acho que alguém particularmente se importe, mas taí.

E por falar em modos, existem alguns modos de jogo particularmente curiosos aqui, como o Modo Link (para todos os 5 que possuem um cabo Link), e o modo de batalha em grupo. Na Batalha de Grupo você e um amigo escolhem lados e iniciam um torneio usando armas de bambu. Você só pode selecionar cada personagem e arma uma vez, então existe uma estratégia aqui de quando gastar as armas de verdade, além do torneio ter suas próprias regras específicas.

Agora, a pergunta que realmente importa: qual é a sensação geral do jogo?

Bem, essa é a coisa: a coisa mais estranha sobre Bushido Blade 2 é o quão o jogo parece se esforçar para parecer menos sério e tradicional que o anterior. Se o jogo anterior era sobre samurais e honra e todas essas coisas japonesas, com lutas silenciosas entrecortadas por acordes de shamisen, aqui temos muito menos música tradicional japonesa e bem mais glam rock. 

Com efeito, da música cafona às roupas malucas dos personagens e dublagens piegas, o jogo quase parece uma paródia do original. Meio que como se ele tivesse sido feito especificamente para quem NÃO se interessou pela temática japonesa. E quando você pensa que não pode ficar pior, surge um personagem desbloqueavel chamado Tony Umeda, cujo terno de cafetão dos anos 70 e afro Jackson 5 contrastam fortemente com a história e o design do samurai japonês. Sim, ele é o rei do gueto da dança disco em um jogo de samurais. 

E essa é a sensação que eu tenho do que aconteceu aqui, a Square realmente tentou deixar o jogo mais MANEIRO SEU COROA para quem não gostou do jogo original e com isso eles conseguiram não agradar nem quem não tinha interesse pelo primeiro jogo (que continuou não tendo aqui), como quem gostou do primeiro jogo. Espera-se que as sequências melhorem seu antecessor, mas neste caso eu não sinto que foi esse o caso.

O controle foi drasticamente simplificado, e tirar o botão de defesa para focar exclusivamente no parry teve a consequencia que as lutas são menos táticas e mais "aperta o botão e torce pro cara errar". Não faz mais sentido estudar o oponente e esperar uma abertura na defesa dele, agora é sentar o dedo no botão e torcer pelo melhor. O que, novamente, parece algo feito sob medida para quem achou o jogo anterior lento e queria mais ATITUDE ANOS 90.

Onde deveria haver um jogo ainda mais realista, acabou com algo que se parece mais com KARATEKA em que o sistema de parry é um grande pedra-papel-tesoura de um hit. Na verdade, este deveria ter sido o jogo original em vez de uma sequência, já que o original era muito mais taticamente complexo. Muitas ideias parecem apenas jogadas aqui para fazer o jogo parecer mais dinamico, sem se preocupar realmente em como isso impactaria a experiencia de jogo.

Um exemplo bem clássico disso é a coisa de poder matar arremessando a arma, isso deixa a luta mais dinamica radical DUDE, mas na prática... jogar uma wakizashi no início da partida geralmente resulta em uma morte instantânea, então yay, fun. Eu não posso apontar para quem realmente a Square estava tentando fazer esse jogo senão para TODO MUNDO, e isso geralmente resulta em um jogo que acaba não agradando ninguém em particular.


O que foi exatamente o caso aqui, ao tentar costurar uma gambiarra para agradar tanto quem gostou do primeiro jogo quanto quem não teve o menor interesse - ao mesmo tempo - Bushido Blade 2 vendeu (pouco surpreendentemente) mal e a franquia foi enterrada para sempre. Owari.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 128 (Junho de 1998)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 047 (Fevereiro de 1998)


Edição 050 (Maio de 1998)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 026 (Janeiro de 1998)


Edição 029 (Abril de 1998)


Edição 030 (Maio de 1998)