quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

[#1045][Mar/97] BUSHIDO BLADE


Jogos de luta, você sabe, funcionam de uma forma bastante simples: dois personagens tem cada um sua barra de energia e então eles altercam violencia entre si, o primeiro que esvaziar a barra de energia do coleguinha vence. Existem algumas variações disso (especialmente Smash Bros, que até hoje é discutido se É um jogo de luta ou não), mas nunca foge radicalmente disso. Acreditem, eu sei, eu já escrevi 141 reviews de jogos de luta até aqui...

Porém, existe um, e apenas um jogo que é diferente. E eu não digo "na época tinha um jogo que era diferente", eu digo até hoje não existe outro jogo como esse (exceto pela sua continuação), e sempre foi um jogo que me intrigou bastante. Estou falando, é claro, de Bushido Blade.


Quando eu li na Ação Games na época, eu fiquei realmente curioso sobre esse jogo de luta: ele é essencialmente um jogo de luta de espadas realista. O quão realista, vc pergunta? Bem, você sabe nos animes quando o cara recebe 8478 golpes de katana e então faz um discurso pelo poder da amizade e vence?

Então... isso tem dois problemas fundamentais na vida real. Primeiro que o corpo humano reage muito mal a receber cortes profundos, segundo que espadas são instrumentos especialmente desenhados para serem bons em causarem dano aos inimigos. Some esses dois bons e vc terá que as lutas de espada na vida real são bem mais... rápidas do que os animes dão a entender. E por isso eu quero dizer realmente rápidas, um único golpe bem dado costuma ser o suficiente.


Agora, como isso se traduz em um jogo de luta? Bem, em primeiro lugar, os personagens não tem barra de vida. Quem receber a espadada, morreu. Você sabe, como usualmente costuma acontecer com seres humanos.

ENTÃO... OS PERSONAGENS MORREM EM UM GOLPE? EU ENTENDO QUE ISSO É REALISTA, MAS... COMO ISSO PODE FUNCIONAR COMO ENTRETENIMENTO? SERIA NO MÁXIMO UM MINIGAME?

Essa é a magia de Bushido Blade: ele é tanto um jogo de luta quanto é um puzzle. Funciona assim: existem três posturas de defesa (baixa, normal e alta) e o personagem automaticamente sempre defende os ataques na altura da sua espada. Então o puzzle do jogo é estudar uma forma de se aproximar do seu oponente e atacar em uma abertura no ataque dele antes que ele faça o mesmo com você. 


Considere que esse ainda é um jogo de luta 3D, então os personagens e suas espadas tem movimentação, alcance e velocidade fisicamente definidas, então é realmente um puzzle para usar seus movimentos disponiveis para encaixar o golpe. Pense em um tipo de VIRTUA FIGHTER, só que com a defesa muito facilitada em troca de precisar acertar um único golpe.

Só que tem ainda mais camadas que isso: existem movimentos que são executados apenas em determinadas posturas de defesa, e que trocar de postura de defesa não é uma coisa rápida então para isso existem movimentos que servem não para matar, mas para desiquilibrar o oponente para abrir a defesa.

Isso resulta em combates extremamente rápidos, porém cujos detalhes (que podem ser conferidos no replay) constituem uma dança muito interessante entre os dois lutadores e - mais importante - lutas completamente únicas. Não existem dois duelos iguais em Bushido Blade, porque eles dependem totalmente da conversa única entre ataque e defesa.

Porém tem mais: existe ainda uma mecanica de lesionar membros (especialmente golpes médios e baixos, dependendo do angulo que vc está podem pegar no braço e na perna) e isso impacta a movimentação do personagem. Então esse é um jogo em que você literalmente tem a chance de fazer um único movimento preciso, enquanto está mancando, para vencer o combate. Não tem como ficar mais Kill Bill do que isso!


Com efeito, existe até um "Slash Mode", que é um modo de jogo em que você vai apenas lutando com capangas um atrás do outro para ver se você chega até 100, porra, isso é essencialmente a versão de PS1 de Kill Bill, só faltou tocar Battle Without Honor or Humanity!


Se você jogar o Slash Mode de Bushido Blade e não disser "Those of you lucky enough to still have their lives, take them with you! However, leave the limbs you've lost. They belong to me now." é pq já está morto por dentro.

A outra coisa é que existe um botão para correr e ele ativa um conjunto inteiramente diferente de movesets enquanto vc está correndo. Pra que e o que isso tem de especial? Ora é para especificamente você reproduzir aquela famooooosa cena de luta de samurais imortalizadas nos filmes!


Então, é, eu diria que quando eu lembrei da premissa que a Ação Games explicou nesse jogo para rejoga-lo recentemente, eu estava bem cético a respeito. Quer dizer, é um pouco ambicioso demais um jogo de PS1 tentar recriar o estilo calculado e abusivamente letal de um duelo de espadas da vida real... mas eu diria que, considerando as limitações tecnicas da época, Bushido Blade entrega exatamente o que promete, e até mais!

Você sabia, por exemplo, que se você quebrar o código de honra do Bushido não vê o final bom do jogo? Isso quer dizer não atacar pelas costas, não atacar inimigos durante a saudação, chutar areia nos olhos e coisas totalmente não honradas... que os samurais totalmente faziam pq o famoso código de honra "Bushido" é uma invenção moderna do século XX, mas essa é uma outra discussão.


Alias, falando em história, curiosamente apesar do jogo ter personagens, cenários, músicas e armas que remetem ao Japão feudal, Bushido Blade se passa nos dias de hoje (tem um batalha no final, por exemplo, cuja batalha é no heliporto no alto do prédio de uma grande cidade).

O que rola aqui é que existe um dojo de 500 anos conhecido como Meikyokan e nele treina uma sociedade de assassinos conhecida como Kage. Os problemas começam quando o honrado Utsusemi perdeu sua posição para o ambicioso Hanzaki em uma batalha feroz. Isso aconteceu pq Hanzaki encontrou uma espada amaldiçoada conhecida como Yugiri, que como boa espada amaldiçoada que é, foi sussurrando malignidade e corrupção



O seu personagem, seja quem vc escolher, é um Kage que viu que a coisa tava desandando e decidiu pular fora da barca. O que não é tão bem visto pelos outros membros do dojo, que  são enviados para despachar-te através de morte mortal. Enquanto vc está metendo o vazari, precisa encontrar o antigo mestre Utsusemi, descobrir o que aconteceu e como consertar as coisas no dojo. E por "consertar" é claro que eu quero dizer matar uma galera.

Então... Bushido Blade tem algum defeito? Hmm, eu posso pensar em algumas coisas. A primeira é que o jogo claramente queria explorar mais a coisa do cenário, colocando arvores, bambus, morrinhos e tal para interferir no combate, mas eu não sinto que isso funciona realmente, é meio que pedir um pouco demais do coitado do PS1. Talvez em um remake moderno do jogo (que nunca vai acontecer) isso poderia ser adereçado, mas aqui não funciona realmente.



Porém meu maior questionamento com esse jogo é que ele não funcione exatamente como um jogo de console. O que eu quero dizer com isso: BB é perfeito para criar narrativas emergentes, histórias nascidas do próprio gameplay, de batalhas únicas porém breves e interessantes. Isso funciona perfeitamente para um arcade, onde vc gasta uma ficha para ter uma experiencia de alguns minutos (ou segundos, dependendo do jogo). Vc vai lá, bota ficha e ganha uma história massa pra levar pra casa, a vida é bela e o paraíso é um comprimido.

O meu ponto é que enquanto isso funcionaria... BB não é um fliperama e sim um disco de PS1 para ser jogado por horas e horas e horas... e aí eu acho que funciona bem menos. O grande diferencial do jogo é justamente ter batalhas únicas e memoráveis, e ter 350 delas definitivamente as torna menos únicas e memoráveis, então é um jogo que definitivamente funciona melhor para se alugar do que para se ter realmente embora o ideal, como eu disse, seria que fosse um fliperama.

E foi assim que a era dos samurais terminou

De qualquer forma, Bushido Blade é um jogo de luta realmente único, não tem como não concordar com isso. Tanto que passados mais de 25 anos após o seu lançamento não existem outros jogos com a sua proposta (exceto por Bushido Blade 2, claro) e meia duzia de homenagens indies que podem ser contadas nos dedos. Apenas por conta disso, e por conta de executar bem a sua proposta (que foi a parte que mais me surpreendeu, eu não esperava que o jogo entregasse isso, não no PS1 pelo menos), Bushido Blade merece seu lugar de destaque na história dos videojogos

Eu, que sou um grande advogado de experiencias únicas nos jogos, posso afirmar que jamais existiu e, provavelmente, jamais existirá outro jogo como esse.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 109 (Novembro de 1996)


Edição 116 (Junho de 1997)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 031 (Outubro de 1996)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 011 (Setembro de 1996)


Edição 018 (Maio de 1997)


Edição 019 (Junho de 1997)


Edição 025 (Dezembro de 1997)